segunda-feira, dezembro 24, 2007

Feliz Natal

Deusa musa mulher
que eu bem punha
na minha árvore de Natal
luz ou doce

a quem eu chamaria sem querer
chocolate perfume mel
ou estrela brilhante ofuscante
deusa guia fada

a quem eu pediria
o meu presente mais querido
apetecido
sem sequer falar

porque ela
deusa fada luz ou mel
com mágica e doçura entenderia
o que eu queria

no meu olhar

sexta-feira, dezembro 21, 2007

e que tudo se lixe

Quero não me importar
não ligar ao que é feio de ver
e simplesmente estar

abranger a proximidade
a paz o deleite
sentir mais do que pensar
ver ouvir falar

mas quero agir ao mesmo tempo
estar atento
não ficar indiferente
ao complexo evoluir do mundo

porém quando transito
e dou o passo nesse sentido
é quando sinto realmente o choque
o bater mais do coração inquieto
a dúvida o stress

é quando mais me questiono
sobre o certo e o errado
ou se há certo
se há errado

se mais vale ir na confusão
do mundo caótico
e achar respostas

se me deixe ficar
em confortável mansidão
sem me importar

e que tudo se lixe

agradecimento

Tantas pessoas
animais plantas
sítios de experiências bem diferentes
que deram sentido à minha vida

quando nasci fui amparado
cuidado alimentado
depois cresci
fui posto à prova
sempre sempre
resisti

invernos rigorosos
noites bem escuras
com os ramos das árvores esperneando
assustando também quando roçavam
a solidão da casa onde morava

nada era fácil
e o desafio era sempre o passo próximo

em um mundo tão imenso
senti-me sempre pequenino
capaz de perecer numa qualquer dificuldade
numa rixa de feira
com gritos alaridos e facadas

numa enfermidade

ou no adeus quando eu partia
ou quando alguém partia

mas cheguei aonde era para chegar

AQUI

e não chegaria
sem todas as gentes sem excepção
os animais as experiências
os sítios todos
que guardo bem guardados
no meu coração

segunda-feira, dezembro 17, 2007

ganhar e perder

Ganho às vezes outras perco
nunca se ganha sempre
nunca se perde sempre

como a vida é bipolar
o jogo tem os dois lados
um vai ganhar
o outro perder

celebro a vitória efusivamente
aproveito para carregar
a bateria que pode descarregar
no próximo embate

gero assim um equilíbrio

energia positiva
que compensa a negativa
os excessos da vitória
os amargos da derrota

até compreender que afinal
ganhar e perder
faz parte do carácter bipolar
da vida
e é normal

é como dar receber
animar desanimar
aplaudir assobiar
viver morrer
rir chorar

com tantos lados opostos
em tudo o que acontece
para se aguentar...
é forçoso equilibrar

Portugal marca global


Pode ser uma imagem pessoal
ou uma imagem nacional
século novo mediatismo
grandes fontes de receita
produtos e mais produtos

até o nosso Portugal
se pensarmos futebol
se pode considerar
uma marca global
como uma família real
um caso policial um escândalo social

depois é só apurar requintar
a história o drama
o público anima o assunto prende
e vende vende...

mesmo produto banal
se bem trabalhado
pode virar sucesso mundial
um campeão de vendas
assídua notícia de telejornal

porque o que importa
é o êxito financeiro
a prosperidade
pelo adeus já aceite
ao preconceito velho
honra orgulho de outra idade

de nada serve só glória antiga
porque as armas e os barões
de agora
não são as armas e os barões
de outrora

sexta-feira, dezembro 14, 2007

impulsos reprimidos

Tantas palavras que se calam
impulsos reprimidos
tanto sim que fica por sair

e voam frases em diálogo
queixumes dúvidas
respostas a perguntas
perguntas sem resposta

o ar quase explode
com o som a intensidade
com que se cruzam as frases

vão e vêm pingue pongue
eu e tu com tanto que dizer
com tanto sim cheio de medo
que fica nos conceitos
nos disparos inúteis pólvora seca

e as palavras amontoam-se na ansiedade
seca-se a boca
esgota-se na falta de tempo
a oportunidade

pôr do sol desconhecido
meu interior que hei-de fazer?
tanto respeito tanta dor tanto pudor
e eu sem saber
o que hei-de fazer comigo

só posso pedir desculpa
à parte de mim que tanto quer
por não ter resposta para dar
e ser tão pouco

parece...

Parece que fico indiferente
mas nunca fico indiferente

que corro que fujo
mas ninguém como eu
mesmo a fugir
fica sempre tão presente

parece que não ligo
e que me esqueço
mas eu ligo
e nunca me esqueço

parece que não falo
que me calo
mas meus lábios fechados
mesmo calados
estão sempre a falar

parece que não amo
a quem me vê do exterior
mas se alguém pudesse
me abrisse
e me visse o interior

só encontraria dentro
em ouro fogo arrebatador
uma palavra escrita
que me devora

AMOR

quinta-feira, dezembro 13, 2007

o predador justifica a presa

Ontem passava vindo de um ginásio
frente a uma famosa "boîte"
predominava o fato e a gravata
carros de luxo meninas caras
daquelas que fazem a vida do ego
parecer ter algum conforto

o predador justifica a presa
a presa o predador

eu caminhava cansado
mas descontraido relaxado

e ao olhar para lá pensava
que ali há copos
risadas anedotas
sexo galhofa
eu sei que há
um intervalo até na vida que se esquece

mas felicidade haverá?

reparei que o porteiro aprumado
em ar solene condizente com as personalidades que recebe
firme composto aperaltado
quando passei na minha camisa arregaçada
descomposta no transpirado do pescoço
passeou por mim um tal olhar de enjoo
por me ver mal andrajado

que naquele ambiente luxuoso
requintado
de porta de "boîte" chique
tresandando a nojo
eu que já não me questionava havia um tempo
voltei a questionar-me

senti-me solidário de repente
com o homem roto esfarrapado
anónimo
que dormia escancarado
ao frio da noite
numa soleira de porta logo adiante

pede-me o instinto

Pede-me o instinto
para olhar para mim

dar atenção a cada pormenor
esquecer tabus
sentir o oceano que sou
amordaçado

quando quero abraçar
e encolho os braços
quando quero voar
e encolho o coração
e as asas

em vez de ser eu
ousar
dizer a cada não
gravado em mim
que vire sim

que grite
que se expanda
que se afirme

porque não há nada pior
mas mesmo nada
do que estar vivo por fora
e morto por dentro

quarta-feira, dezembro 12, 2007

a ilusão maior

Manter aqui onde me sento
onde me aceito tanto quanto posso
ao ritmo do momento
a ilusão maior

é ir contra o que acontece realmente
o aconselhável
é sair do esgravatar constante
do encontrar a solução actual

mas às vezes fica tão pesado
o ciclo vital tão fechado
o dia com tão pouco dia
e tanta noite

que rebobinar a vida
para encontrar um instante lindo
faz bem
onde se beba verão
a fantasia escaldante em boa companhia

com gestos perfeitos
tendo tudo num pequeno espaço
amor futuro
o embalo dos pássaros
a companhia das vozes do campo
e um caminho de vinhas e arbustos
(onde mal se cabia)
mas onde a dois se percebia
a totalidade do sonho que a vida seria

fica menos pesado o ritmo dos passos
o ocaso prometido
o fim da estrada

porque em fantasia tudo pode acontecer
verdade não verdade
viver-se reviver-se cor de rosa
ir voltar agarrar correr brincar beijar
delirar abraçado ao paraíso

pode-se fazer tudo o que a razão nega
ou qualquer planeamento aconselha

quinta-feira, dezembro 06, 2007

espiritual e mundano

A paz que sinto
interior silêncio sossegado
o quase conseguir
estar aqui sem estar
olhar ali sem quase ver

alterna com a agressão exterior
na mais inofensiva frase dita
no lugar que não procuro
e que me choca

introspectivo e manso
receptivo
passo a ser inquieto agressivo
confuso perdido

acho-me em mim
perco-me nos outros
ou vice-versa

sou espiritual e mundano
ao mesmo tempo
eu que quase me vi nascer
tanto que me canso
para me entender

quarta-feira, dezembro 05, 2007

simplesmente Jesus


Vinha sozinho
noite escura
(a solidão á cada vez mais a nossa companhia)
lembrei que à direita está Jesus
como me disseram em pequenino

olhei para lá não vi ninguém
e retomei desconsolado a mesma posição
não fosse estampar-me na primeira curva
mas apeteceu-me falar então falei
com Jesus à minha direita
que imaginei

com um companheiro assim quem não se sente bem
falar de nós fica tão simples
que me apeteceu fazer dele meu confidente

alguém me ouvia?

penso que não porque Jesus morreu de amores
e se estivesse ali dizia
porque as coisas que ele me ouvia
tinham só a ver com isso

que amar na vida é o melhor
que de amor se vive
de amor se morre

sentia-me feliz
a partilhar coração com coração
tristeza alegria e emoção
e lamentei o olhar triste de Jesus
quando por amor teve que morrer na cruz

eu uma pessoa pequenina disse-lhe que compreendia
eu por amor era capaz de morrer também

porque conheço o sofrimento
ofereci-lhe a partilha de algo de bom e feliz na minha vida
ingenuamente
algo que vertesse em rosa a sua dor
porque não é só pedir conforto e nada oferecer...

quem me dera naquele instante mudar a face triste
daquele lugar vazio à minha direita
devo-lhe tanto!

stress do dia a dia

Porque mereço eu isto?
porque estou tenso assim?
acaso não existe mais dentro
de mim
aquela criança que brincava
sem parar
que corria
que partia à descoberta
de tudo
o que se via e não se via
que desafiava o tempo
o espaço
e de qualquer coisa ria?
acaso não existe ainda?

amor total

Amar é evasão total
andar a gosto na enseada na avenida na calçada
sem sentir nada
e tudo sentir

de tal forma soltar olhos e ouvidos
que tudo pareça natural
a harmonia dos telhados
desenhados a espaços de andorinhas
o barulho tremendo do progresso
o som cantado e encantado de varinas

a surpresa do virar-se sem querer
a exclamação maravilhosa
ao raiar do sol amanhecer

bater palmas sem ninguém as merecer
tombar na relva sem reparar
e chegar a um qualquer entardecer
sem dar por isso

que bom seria
tudo a acontecer assim depressa e bem
a leveza espalharia em redor
por contágio de alegria
a paz o êxtase
o amor total

o mundo seria então uma criança

eu queria um amigo

Entendo e não entendo
quero e não quero
faço e não faço
fico e não fico
vou e não vou
amo e não amo
sou e não sou

fico sempre no princípio do resto
na dúvida
e esqueço mas não esqueço

um passo dado
parece errado
o mundo parece diferente do que faço

queria encontrar
o caminho certo
um lugar seguro

para começar
eu queria um amigo

vitória de Freud (ou a queda do muro de Berlim)


Por mais que me tentem convencer
que o muro caiu porque tinha que cair
que o ideal murchou naquela gente
que o papa polaco ajudou
que os avanços que havia eram só treta

tenho para mim
que o Freud
lá onde estiver
se deve rebolar com risos e chacota
disto que se diz

porque o muro caiu sim
mas pela abertura ao sexo
no ocidente
ao simples ao fácil
ao tudo ali à mão por dez tostões
à distância de uma prestação

as mulheres e os homens de leste
podem ser fixados
tristes
alienados
pelo cinzentismo dos capotes militares
por muitos anos de rigorosa planificação

mas atenção
alguém se esqueceu
que aqueles homens e mulheres não são capados
e foi então
que o grito de revolta soou

"abaixo o muro"

que era o mesmo que dizer
também queremos gajas nuas
sexo abertura
o mundo todo na mão
com uma modesta prestação

O Lenine não sabia nada de Freud
porque se soubesse
tinha posto outros símbolos na bandeira
mais brejeiros
não o trabalho compulsivo
e o sério da foice e do martelo

assim
perdeu a guerra nas partes baixas

apeou-se o muro
e fica o aviso aos senhores das revoluções
para a próxima que façam
não se esqueçam de ler Freud
se não
não há muro que resista
a tanta tentação

corpo mente e casamento

A resposta diferente
que encontram corpo e mente
no elo vivencial

é como num casamento
sem amor de ambas as partes
o que um quer o outro não quer
um diz sim
o outro diz não

sem encontro comunhão
nem um parco entendimento
aumenta o distanciamento
cresce a desunião

uma ligação fracassada
debaixo do mesmo tecto
uma vida desperdiçada

sofre o corpo
sofre a mente
afinal como no casamento
porque ali não há paixão

convinha estar atento
quando um já ganha avanço
o corpo é sempre mais lento
a mente mais inteligente

afiná-los é urgente
para salvar a união
evitar que um vá em frente
e o outro não

frágil e sozinha


De branco vestida
curtas roupas na cintura
no decote
no macio liso das perninhas
frágil e sozinha

num mundo intenso de consumo
rosa morango fome de comer
nesta solidão maior
de desejo de frescura
acicatado pela tv

também por sonhos de modelo
já se vê

que loucura menina
andares assim aqui
que risco desafio
que arrepio

há muita gente aqui
homens que passam
que olham para ti
que te desejam

lembras pintainho perdido
da ninhada de sua mãe

quem te apanhar assim
branca ingénua e verde
ou vai ficar doido de feliz
ou vai meter-se num sarilho
dos diabos

e meter-te a ti

avaria na rotunda do marquês

O meu carro avariou
na rotunda do marquês

com a sorte do meu lado
pois era a primeira vez que ficava empanado
ia já para uns pares de anos
fiquei como se fica
nestas situações
enervado

tudo a passar eu ali parado

entrava no carro saía
tentava acalmar não acalmava
até que uma jovem polícia apareceu
depois de outros agentes também aparecerem
solícitos cordiais
a perguntarem como estava

vinha de mota
e eu que já gostava de motas
depois de a ver
passei a gostar mais de polícias

descobriu num instante
coisas que eu não descobrira
pegou no triângulo que assinalava a ocorrência
que caíra
por mim mal encostado
à traseira do carro avariado
descobriu-lhe uma terceira aba
e colocou-o à distância certa

foi então que a rotunda virou ilha
eu era o náufrago e seguia
todos os movimentos dela
elegante eficiente imperturbável perturbante
deusa agente
indescritivelmente bela

até parecia como no imaginário
que na minha pele de náufrago
a barba me crescia
e os olhos ficavam esbugalhados

como não há bem que sempre dure
nem mal que nunca acabe
a linda mulher partiu
eu fiquei a olhar para ela

e um dia que parecia estragado
complicado pela avaria
acabou numa lição de cortesia
amor e simpatia
que deixou saudade

sexta-feira, novembro 30, 2007

o meu menino amado

Que bom ver nos teus olhos que eu existo
no embalo que balança
o meu menino amado

perdia já o controle de quem eu era
em calor umbilical chamei-te mãe
apertado protegido no macio dos teus seios
aninhado no teu colo
sentia só o teu cuidado

turpor amor
enebriado e amado

Nossa Senhora deve ser assim
ter o teu sorriso
o teu macio
o teu rosto de anjo
ter a tua mão que só de a sentir
se sente o Céu

que sorte que sinto por ter sido
pelo menos uma vez
o teu menino
eu
o menino de minha mãe

sexta-feira, novembro 23, 2007

trova do "tempo" que passa


Uns dizem pára
meditação
outros para não parares
musculação

há quem te encha de gorduras
depois quem tas vá tirar

magro à força à força deprimido
há quem pregue a oração
como solução
todos te prometem o paraíso
nesta grande confusão

tanta liberdade de fartura
está a tornar-se uma tortura
meu irmão

senão repara
liberais modernos democratas
que parecemos
recheados de berliques e berloques
novos ricos não cansados de o ser
berramos por Salazar tão pouco amado
e por tantos odiado
em estranha votação
realizada pela tv

realmente em mundo tão diverso
complicado
há que sonhar com pai que nos proteja
de tanta escolha difícil de fazer
nem que seja um pai tirano

até ele aparecer
e tomar conta de nós
continuamos
sem nada compreender

compro botas ou sapatos
desta marca ou daquela
mudo de casa ou de carro
qual a idade de casar
filhos sim ou filhos não
fico cá vou viajar

tanta oportunidade nova

Podia andar triste com o que não tenho
e queria ter
claro que podia
cabisbaixo espírito toldado
desanimado pela falta de sucesso
no que faço

podia até perder o apetite
o gosto o paladar
aceitar a punição
o lado negativo do que vejo e sinto
achar isso natural

podia ver só o lado dor
ausência vil saudade
podia até deixar de viver
claro que podia

mas se em vez de não viver
eu acordasse
hoje
como se fosse o meu primeiro dia

se percebesse
em cada falta de sentido
o sentido todo
que a falta de sentido tem

se descobrisse
em espelho exterior
o meu interior reflectido
a luz a cor
tanta coisa por fazer
tanta oportunidade nova
e tanto amor!

quinta-feira, novembro 15, 2007

um "apoucado" na fila das compras

Um espaço amplo papelaria livros escolares
também dos outros
outras secções comerciais para rendibilizar o espaço
havia saldos
era Agosto e muita gente
emigrantes reformados estudantes
gente mais escura gente mais branca

na confusão das compras
gerava-se alguma agitação
e era evidente a falta de paciência
na espera da caixa

o barulho ficava no sítio dos produtos
ali reinava mais o silêncio alinhado crispado
de quem prepara o dever cívico de pagar a conta

um rapagão com uma senhora
corpo de homem idade de menino
na espera desconsolada das caras sérias
pouco empáticas que o cercavam
para se entreter talvez
passou a mão com um encostão
pelo corpo de uma loirinha

usava um top cor de rosa calça bem justinha
que descaída deixava ver a cuequinha
da cor do top que vestia
também a carninha lisa fresca delicada
que se via no espaço nu
não ocupado pela roupinha

após valente repreensão
da senhora ou mãe que o acompanhava
percebi que o rapaz não entendera a razão
porque levara a reprimenda

claro que os olhares pousaram na ocorrência
chamaram todos os nomes ao rapaz
atrasado mental tarado sexual
aparvalhado

mas o misto de revolta e pena que sentiam
reflectia uma certa dor de cotovelo
pela valentia demonstrada
por parte de quem com muitas mais valias
desejava fazer o mesmo
e não fazia

aquele rapaz
a quem a sociedade chama de apoucado
entre outros nomes bem piores
mostrou afinal ser capaz de fazer
o que os dotados querem fazer
e não são capazes

noite de insónia

Os sons os objectos as imagens
o que os olhos vêem
fora dentro
tudo faz impressão
redemoínhos memórias escuridão

parece que não se ata nem desata
que não se foge nem se fica
que o tempo não passa
que se cai num buraco
sem saída

fica-se com a cabeça prenha
o corpo seco
num sentimento febril
e gelado ao mesmo tempo

apartamento à noite
silencioso
hermético sem destino
apertado pelos ouvidos dos vizinhos

ai que grito por soltar
que uivo
que raiva que me engole
que se engole
que me põe

NADA

que jazigo de vida
aqui esquecido
numa noite indecisa
desequilibrada de insónia

segunda-feira, novembro 12, 2007

o processo de vida é selecção

O processo de vida é selecção
o forte o fraco
o rico o pobre
o que insiste
o que desiste
o que fica de lado
sem qualquer hipótese

depois como tudo se repete
não é fácil a quem fica no chão
se levantar

ao que desiste
encontrar forças para recomeçar

ao menos o rio é sempre rio
porque ser rio já é ser alguma coisa
o resto ele não controla
a falta de chuva
o aumento de detritos
as alterações do seu caudal

e é assim que o rio continua
vive
sem se importar
porque o rio se habituou a aceitar
os naturais desequilíbrios
e a lidar
com a sorte que lhe vai saindo na rifa

ao invés de nós
que nos importamos demais
se calhar...

curiosidade medo pecado

Abraço forte dado suado
a música ambiente vindo de fora para dentro
só sentimento

no arfar do peito aberto
entregue partilhado
no encaixar de pernas e de braços
na inquietação dos lábios e do sexo
colo sítio bom e uterino
seguro

sou filho pai irmão amante
em teu abraço
estou tão bem no teu regaço
tão infantil
que brinco contigo em desejo pueril
curiosidade medo pecado
como fazia nos primeiros passos

aperto afasto receio

encontro permissão
e avanço
nesse oceano quente e ondulado
o teu corpo sensível
penetrante penetrado

ai se a mente adormecesse agora
por mais tempo
se não tivesse o registo do fim
deste momento
e se calasse

se não fosse necessário outro alimento
e ter de sair daqui
deste embalo mel esquecimento
em ti!

sexta-feira, novembro 09, 2007

quanto mais longe melhor

Vai-se a Cancun vai-se às Seichelles
a Punta Cana
até se faz um safari
desconhece-se contudo o que há aqui

afinal como as nações o fazem com as disputas

vão ao espaço exterior
um vai à Lua
outro a Marte
outro a Saturno
porque tem menor visibilidade se a disputa for
mais perto
em prol da comunidade

mais vacinas mais dinheiro
mais nutrição à população
apoio às vítimas de tornados
de racismo
vandalismo
e tanto "ismo" na nação
e que está ali mesmo à mão

mas mostrar à concorrência aos vizinhos
um voo espacial
um foguete nuclear
uma pirueta coisa e tal
isso é que impressiona
e está a dar

assim fazem as nações
com o dinheiro nacional
assim fazem os indivíduos
com o dinheiro individual

quanto mais longe melhor
quanto mais perto pior

porque o que faz impressionar
amigos e inimigos
é o impacto causado
não o gesto com sentido
ou a escolha acertada

sonho em terra agreste

O teu corpo é um convite
despido em pormenores aqui e ali
que aguçam o apetite
agita-se na dança
flexível solto
deslizando no som musical quente

mãos e braços expressivos
finos livres
mais aquecem o ambiente
pondo no ar uma asa de andorinha
um voo lindo

apetece tentar acompanhar-te
voar contigo
atirar com a razão contra a parede
beber tudo o que se sente
no momento
embriagar os sentidos no teu vento

ouço um pastor tocando flauta
o murmúrio dos pinheiros
o marulhar das águas dos ribeiros
os contornos da terra agreste
balouçando em ânimo leve
mais confiante

pedras da minha infância
regatos de água pequeninos
medos espalhados pelos cantos
valeu a pena sonhar
chegar aqui só para te ver
deusa mulher luz e riso doce encanto
cor e alegria nas minhas palavras

enquanto puder
hei-de levar-te semeando o sonho
aonde mais pedras houver
mais medos
mais cardos no caminho

porque um sonho como tu
põe feliz e a dançar qualquer menino assustado
qualquer pastor
qualquer regato pequenino
qualquer recanto triste em terra agreste

quinta-feira, novembro 08, 2007

Mundo em português é pioneiro


Mais e mais as pessoas se misturam
é fácil mudar de lugar
conhecer gente diferente
ir ter com ela
trabalhar estudar
ou muito simplesmente
marcar um encontro ocasional

a mobilidade é já futuro
e só quem quer remar contra a corrente
fica chocado admirado
quando vê a selecção de um país
outrora branco
ter hoje nomes sonantes
jogadores atletas negros
continente africano antigamente

desenganem-se pois os que imaginam
que nada mudou e tudo está como dantes
que brancos são suevos e alanos
negros são os africanos
porque em verdade verdadinha
isso é viver de enganos

tradicional sueca loira neve branca
pode usar já carapinha
ser escurinha
quem sabe Xangai amarelinha
ou até de jeito árabe
em véu embrulhadinha

afinal de contas
Portugal feito Brasil
Brasil feito mundo inteiro
nesta coisa de misturas
mundo em português é pioneiro

quarta-feira, novembro 07, 2007

espaço peito coração

Sondo o interior do corpo em atenção
entro na caixa coração
peito rosa amor e tanta coisa
consigo puxar uma cadeira
sentar-me num canto desse espaço

olhando para cima vejo um tubo
em abertura
semelhante a um respirador
creio ser o caminho da garganta
e do comando superior

aproveito enquanto estou sentado
no amplo e silencioso espaço
para sentir o pulsar do resto

é um sítio calmo sossegado
estremece só de vez em quando
em cima em baixo
quando lá fora os orgãos dos sentidos
captam o que dói mais experimentar

é então que se agita este interior
e a cadeira em que estou sentado
treme

consigo dar conta do ar entrando
entrecortado nos pulmões
tenso agitado
o coração também batendo mais inquieto
com mais velocidade

altos e baixos do exterior
que se reflectem no interior

mas tudo volta ao normal
depois do pequeno terramoto
abranda passa o temporal
e a paz volta

domingo, novembro 04, 2007

pobreza e abundância


Consumo desenfreado
luxo luxo
dinheiro ganho dinheiro por ganhar
a brotar por todo o lado

o que é espelho de um mundo abundante
que se agradece
mas também de tal forma alienado
que faz pensar

em três ou quatro quilómetros que faço
em cada semáforo
da minha cidade
me aparece o extremo oposto
pobreza farta bem à mostra

se somar ao que se vê
o que se não vê
a pobreza escondida
e também a envergonhada

combóio gente tanta carruagem
uns lá bem à frente
outros infelizmente
bem na retaguarda

o que conforta em termos de consciência
é que uns e outros
deixarão um dia esta experiência
vida desigual desequilibrada
combóio mundo com tanta falta de sentido

vida para tantos de extrema crueldade
para todos de ausência de respostas

e para tanto coração que se interroga
e pergunta porquê isto acontece
tanta desigualdade crueldade
tantas outras palavras terminadas em "ade"

ninguém responde porque ninguém sabe nada

o EU e o País

O que se faz com o país
se se fizer bem
é o mesmo que se faz
com cada EU de todos nós

primeiro conhecer-se
avaliar-se
saber a força que se tem

depois abrir ao que é preciso
ao que faz falta
e não se tem

encontrar amigos
sempre juntos no caminho
cuidar deles bem
para não se ficar sozinho

entender-se com aliados conhecidos
mais periféricos que os amigos
mas igualmente indispensáveis

são mais valias
que as rotinas dos amigos
por vezes não alcançam

figurativamente
é como estar no centro
eu
o meu país
abrindo para a periferia

mais e mais sempre avançando
na globalidade da dádiva
e da carência

entre dois caminhos

Sinto dentro um amor arrebatador
que não tem correspondência no exterior
vivências passadas
experiências
entalam um aqui e agora consolado

fico entre o dentro e o fora
quando olho para ti

dizem-mo os olhos quando olham
a renúncia quando avanço
a escolha fracassada

sempre a dificuldade
túnel abismo do cimo da ponte
uma vida entre dois caminhos

vou ou fico?
arrisco ou desisto?

a ti que me olhas perplexa
nestes passos inseguros
lentos
como quem tem rotos os sapatos
e sente as agruras do chão
pelos buracos

eu digo

não julgues tal secura de conduta
que me tortura
e se puderes
com tanto peso que transporto
dá-me a tua mão um pouco de água
alivia esta dor com teu abraço

porque posso parecer morto
nos passos pesados de cansaço
no olhar seco de confiança
quando olho para ti

mas eu te digo flor exterior
encantamento
que bem cá dentro
eu ainda não morri

quarta-feira, outubro 31, 2007

algum "sucesso" feminino

Vai menina estudante bem mostrada
capa e batina pastinha a tiracolo
tudo a preceito
direita importante

em grande centro comercial
Lisboa acompanhada
dos humildes pais desajeitados
provincianos
atrelados a sua excelência a filha modernaça

que para além da mesada
outros auxílios colaterais e bom sustento
muito suor para a trazerem tão lustrada

é ela afinal quem os conduz
ao lado atrás bem pequeninos
rendidos babados
por tanto talento mostrado pela "menina"

os antigos escravos iam mais direitos
menos vergados que estes pais babados

o quadro que contemplo
faz-me lembrar noutro contexto
outra história feminina de sucesso

a filha de um pai da minha terra
que até deixou de trabalhar
tanto era o dinheiro que ela lhe enviava
vestia bem e o homem pobre que era
trabalhador

deixou de o ser
bastava-lhe administrar
também gastar
o dinheirinho vindo da capital
remetido pela menina em vale postal

com ar bem chique
um salto alto arregaçado
e embrulhada em astracã
aparecia apenas pelo natal

era então que o pai tinha que cumprir
com boca aberta e língua de fora
acompanhando humildemente
aquela deusa que gerara um dia

ela lá em cima no primeiro andar
lustrosa oxigenada petulante
ele mais no rés do chão
fardado de fato e de gravata
para mostrar com galhardia
às gentes da terra
o quanto a família progredia

quarta-feira, outubro 24, 2007

três partes em nós

Sinto o pescoço aliviado
e o rosto
com o ar entrando
enchendo os pulmões e tudo de ar

o próprio olhar em inspiração
se acende
como um farol
na direcção de terra céu e mar

fico completamente onde estou
enraizado
o que é sólido sustentado e dá paz

até os problemas mais complexos
perdem intensidade quando se assim está
ficam diluídos
bem longe bem fora deste corpo
que parece envolver-se recolher-se inteiramente
em luz e aura protegido

percebe-se perfeitamente neste respirar centrado
a separação que há
entre o estado de paz
interior
e a anormal agitação
exterior

percebe-se também claramente
que há três partes em nós
com entendimento diferente

a mente
inteligente e exigente
que agita flui com a razão
que ela própria escolhe e aplica

o espírito
que é luz distanciamento
uma paz profunda
que leva a tudo o que sai do perto
do comum entendimento

e o corpo
invenção maravilhosamente bela
forte
trave mestra resistente
que tudo suporta tudo sustenta

sexta-feira, outubro 19, 2007

moda indiferença

Olho para ti sério circunspecto
céptico
porque já sei que não vais olhar

ainda esboço um gesto
qual impulso desejo de tocar
mas recuo
porque sei que vais rejeitar
e amuo

ah indiferença gelada
teatro da vida
sinto-te tão só como eu me sinto
tão carente de um olhar como eu me sinto

moda carapaça atrás de carapaça
personagem atrás de personagem
tarda encontrar-se a liberdade certa

porque nesta vida o que se sente é real
há que seguir o impulso que encoraje a gente
um impulso vital determinado
que tenha resposta do outro lado

até lá
até esse encontro com a liberdade certa
ao menos digam olá
empurrem-se olhem-se toquem-se

mas não matem o outro
deixando-o só
ficando só como ele
com tanta indiferença

porque matar o outro é matarmo-nos a nós

terça-feira, outubro 16, 2007

holocausto em vez de amor


Porque é tão fácil de vender
ao telespectador
o holocausto o horror (?)

até se chama outra gente para ver
e partilhar
seja a guerra a acontecer
mesmo em directo
ou os efeitos dela com todo o pormenor

o fumo a morte
o justo e o injusto
a perecer
o barulho bombardeio
vida viva a sofrer e a morrer
um assalto à mão armada
uma criança violada

e aconchega-se a família
em frente ao televisor
"anda vem ver"
chama-se o filho a mulher
ou quem aparecer

se for amor pelo contrário
o que estiver a acontecer
tem que se esconder

alguém grita "proibido"
em gestos violentos repressão
um sem fim de ideias tontas
ciúme raiva rejeição
um "tira daí não podes ver"

humana faceta estranha
este prazer mórbido de consumir
gostar de ver
tanto sofrer

aceitam-se os horrores da violência
com facilidade
rejeitam-se os gestos mais simples
mais ingénuos
mais génesis descoberta
do amor
da felicidade

partida e morte

A ti que querias partir
eu disse
fica
tu ouviste
e não quiseste ficar

a ti que partiste
eu disse
volta
tu ouviste
e não quiseste voltar

a ti hoje que morreste
eu não disse
fica
porque mesmo que quisesses
não poderias ficar

a ti hoje ao enterrar
eu não disse
volta
porque mesmo que quisesses
não poderias voltar

ai coração coração
tanta perda tanto dano
vida e morte lado a lado
neste engano desengano

terça-feira, outubro 09, 2007

muralha ou abertura

Ter cuidado é bom
faz falta
defende-nos de tantas situações perigosas
vias e propostas sinuosas

mas pode levar a um excesso de zelo
de temor
que fecha o coração ao sentimento
ao amor

e entre ficar só com tanto medo
rodeado de altos muros preconceitos
muralha intransponível em degredo
e baixar um pouco a ponte levadiça
abrir a porta forte isolamento
ao "inimigo" forasteiro

porque não avaliar primeiro
se as setas que ele mostra
são de veneno ou de cupido

depois sim
ou ter cuidado
fechar as portas
e preparar a guerra

ou abrir à novidade
quem sabe uma aliança
um novo sentido
para uma vida de exclusão sempre fechada

o tempo a bruma

O tempo esconde a espaços
o horizonte
de toda a recordação

tal como a bruma
o faz com a paisagem
que só deixa voltar a ver
quando levanta

o tempo é como a bruma
esconde arrefece
torna invisível o que está lá

mas há uma coisa
que nem tempo nem bruma
nem coisa nenhuma
pode apagar

a alma da gente

que quando se encontra
quando se quer
quando se entende
quando se dá
fica junto eternamente

segunda-feira, outubro 08, 2007

o amor dos elementos

Estou aqui
lugar de mais ninguém
com ruídos exteriores
ruídos interiores
numa história hoje por cumprir

o tempo que passou por mim
tem um aspecto de fogo
que ardeu
de rio que correu

como as cinzas que ficam das árvores queimadas
como o leito do rio
seco por falta de chuva

mas a história continua
aqui mesmo neste instante
estou no sítio a jusante
onde a água nunca falta

mais que isso

sou um sítio poupado
à seca ao fogo
pelo amor dos elementos

anjos música

O anjo certo na música certa
o momento bom
o céu numa luz ténue
de fim de tarde

num recanto aconchegado
de uma casa interior
azul celeste
com trepadeiras finas acetinadas

uma dança de anjos
leve suave interminável
um entendimento perfeito
lânguido e doce

um momento único
gravado na memória
do tempo

dois corpos com asas
voando
ontem agora sempre
nas notas musicais
sem ruído

metáfora do prisioneiro

A chave da vida está
em não ficar-se prisioneiro
muito menos torturado
porque a tortura dói
dá mesmo cabo da gente

e a repetição da violência
pelos guardas prisionais
carcereiros outros que tais

com a voz o olhar o passo
vigiados controlados
em pouco espaço
enfraquecem
trazem cansaço

a liberdade é lá fora
todo o prisioneiro sabe isso
mas tem que sentir-se dentro
primeiro

depois é só abraçá-la
e substituir a clausura
por um imenso paraíso
bem longe do carcereiro

domingo, outubro 07, 2007

amor e percentagem

É fácil de falar
é fácil de escrever
dizer que o sofrimento
se deve à percentagem
exagerada
que se põe no que se ama

num homem
numa mulher
numa criança
numa causa

se fosse verdade
(só uma questão de percentagem)
era só dizê-lo à sociedade
e ensiná-lo a quem ama

tirava-se então
um pouco de coração
à namorada ao filho ao amante
ao amigo
a um qualquer dogma

e não se matava
nem se morria todos os dias
por tanta entrega
à tal percentagem coração exagerada

mas será que o coração quando ama assim
cem por cento apaixonado
tem atenção
nem que seja um bocadinho
para ligar às percentagens racionais de que falamos?

sábado, outubro 06, 2007

euro em vez de escudo

Pela primeira vez
ao receber uma factura em euros
eu português entendi
que um ciclo terminava

senti mais e mais morrer os meus avós
meus pais

se é para bem de todos nós
que seja
mas como vou contar aos filhos
e aos netos
as minhas tropelias
o desviar necessário de uns tostões
para pequenos vícios desnecessários
do bolso de meus pais

e explicar que dez tostões
poupados no autocarro
podiam virar poupança útil

ou contar
que ir de Lisboa à Beira-alta
no combóio correio
em vez de ir no sud express
eram cinemas no mealheiro
bolos livros chocolates

é assim como quem fala português
e de repente
se põe a falar russo ou chinês

mas se é melhor assim que seja

só receio
que tantas histórias nossas fiquem por contar
não fico contente
e devia ficar

gentes de Portugal
se depois de novecentos anos
chegámos aqui
não vamos desanimar
que treta
os espanhóis também perdem a peseta

vamos pois continuar

aridez

Quanto mais escrevo
mais aprendo
que se é duro
semear o trigo
ou carregar tijolos
ou moldar o vidro

mais duro é semear flor
e colher cardos

ou plantar amor
onde só há pedras
numa nesga de leira
por lavrar
em terra agreste

as palavras e o que significam

Será que as palavras se agarram ao que
significam
são ou não são bonitas
conforme a mensagem que transmitem?!

o mar é mar e a palavra é linda
porque gostamos do mar

e céu também
e mãe
e flor
e amor

se estas palavras invertessem o sentido
se por exemplo
"odeio diabo morte negra"
quisessem dizer
"amo mãe vida jardim"

odeio
diabo
morte
negra

deixariam de ser palavras feias
e passariam então
a ser bonitas?

se eu pudesse adivinhar

Se eu pudesse adivinhar
que as tuas mãos me queriam
estendia-te as minhas

se eu pudesse adivinhar
que o teu coração me queria
abria-te o meu

se eu pudesse adivinhar
que querias ser minha
eu seria teu

terça-feira, setembro 25, 2007

sentimento que entristece

O cansaço
o baixar os braços
o sentir ás vezes fealdade
na beleza que deixamos de ver

é um sentimento que entristece
o rosto os olhos
e vai por aí abaixo
coração umbigo zona pélvica

queixam-se intestinos o apetite
desce um desconforto sério
deprimido
com ligação directa ao mundo dos afectos

se não lhe damos atenção
e esse sentimento não melhora
com a nossa acção

pode mesmo ir-se embora
o amor a emoção
o instinto inato

e a razão que justifica o acto
de VIVER

filha de mãe solteira

Sensação á flor da pele
o mundo a crescer e tu com ele
olhos de fogo e doces
cintilantes
quem me dera ao menos uns instantes
estar neles

inquietar-me até perder o juízo
e como é fácil perder-se o juízo
nessa idade

tão simples que é sorrir
ter coragem ser irreverente
em loucura saudável
capaz de levar a vida ao fim do mundo
o reboliço a excitação a graça
a toda a gente

que rosado que é o amor que inspiras
fresca amiga dada

um tudo nada triste
pelo pai que tiveste e que não viste

abandono nascido para tu teres de pequenina

eu te prometo flor do meu quintal
alma gémea de quem perdeu
sofreu
(e nem por isso pára de viver de dar
de encher de coração o mundo)

que não te vou esquecer

em cada esquina da vida onde estiveres
mais sórdida
mais sombria
mais fome de não ter

eu vou lá estar
em corpo em alma em tudo o que puder
para te amar te encorajar

domingo, setembro 23, 2007

como carro em contra mão

Consigo tantas vezes
ter a idade que tive
e que não tenho

quando ando por aí
em esquecido empenho
o carro roncando
a música animando

olhando e sentindo
o mundo vibrando
excitando-me a mim
excitando-o a ele

só que quando venho
e a ilusão pára
diante dos amigos
na frente do espelho
fica impossível
manter o empenho

ideias surgindo a mente turvando
fico pensando

que ou me afino pelos outros
e vou andando

ou desatino
e vou ficando
como carro em contra mão
atrapalhando

brincavas com teu corpo

Brincavas com o corpo desnudado
envergonhado
olhando todos os lados
para ver se alguém te via

os dias são largos
o futuro incerto
e matar o tempo com algum prazer
é tão humano
como aceitar a própria vida

agradece o rubor envergonhado
o tempo bom assim passado
louva o teu corpo
por ser o teu mundo mais á mão
quando tudo fica negro longe
sorri ou se puderes ri mesmo
em vez de te culpares

se o corpo te ajuda assim
sem nada te pedir
te dá tanto no tanto que lhe pedes
por jornada

o teu corpo é mesmo um grande amigo

em vez de lhe inventares não perfeição
coisas assim que parecem verdadeiras
no mundo da “razão”

ajuda-o a ajudar-te trata-o bem
tens algum amigo assim tão disponível
generoso(?)

Olha que não

sábado, setembro 22, 2007

fartura nunca vista

Não só o real
também o virtual é bom é farto

nem temos olhos nem ouvidos
nem estômago nem stress
para aguentar com tanto site
tanto chat

tanto veste veste
despe despe net net
telemóveis
oki tókis
(do inglês walkie talkies)

sistemas de navegação
quantas vezes sem utilização

mas nada nos chega nada é suficiente
então dizemos que é humano
que o homem é um ser insatisfeito
para desculparmos a nossa insatisfação

mas se pensarmos bem
é um forte sinal também
de que se é parco em ver fartura

é mais hábito alardear o que nos falta
o triste fado a amargura
porque assim sacudimos a água do capote
fugimos mais à responsabilidade da fartura

pela minha parte só para contrariar
vou já telefonar para Marte
onde faz tempo fiz um investimento
e se estiver livre o apartamento
farto que estou da capital
vou até lá no meu vai vem espacial

terça-feira, setembro 18, 2007

presas e predadores


Nunca como hoje percebi
com facto ocorrido em ar de brincadeira
que há mesmo que dar a volta por cima
ser valente
se não não entendemos mesmo nada
e sucumbimos na próxima jornada

em local com árvores jardim verde
sítio bom e calmo digamos assim
uma pomba pousava
numa pequena poça de água
para saciar a sede

os meus olhos fixaram-se na pomba
onde também um cão pousava
de tal forma sossegado e brincalhão
ela imobilizada
que pareciam ambos partilhar da mesma água
saborear uma companhia nova
um pouco de frescura no imenso calor de verão

mas não

era vida e morte lado a lado
brincadeira de cão instinto caçador
ave pousada no sítio errado

depois do instintivo assassinato
o cão continuou a brincar
correndo pela relva a saltitar
como se nada se tivesse passado

a pomba jazia morta sem dignidade
beleza descomposta
esfarrapada e torta a sua asa livre que voara

fiquei a pensar na relatividade das coisas
se tudo o que vemos não será invenção
ou recreio ou distracção
para matarmos o tempo

ás vezes fica tudo tão estranho
que entre Hitler outros que tais
e tantos predadores que vejo
neste “mundo perfeito”
que Darwin explicou tão bem

venha o diabo e escolha

sábado, setembro 15, 2007

libertação versus punição

A punição em muita gente é quase permanente
assim é mal
assim é bem
isto sei isto não sei
que ignorante

fiz assim e não devia
era para ir e não fui lá
era para zelar e descuidei
era para cuidar e não cuidei

um rosário de horrores
total ausência de louvores

e o sofrimento aí está
são e contente
a pôr mais uma vítima doente
a amarrá-la a um auto julgamento
mentecapto cruel e exigente

a tal vida de pecado
que não leva a nenhum lado

não te aceitares a ti
e não te perdoares
não valorizares a saga que és
em tanta complexidade

é sucumbires
é ires para a cave escuridão
em vez de subires

ires para o terraço o sótão
rasgares o telhado
veres a claridade a luz
o sentido que a vida tem que vem de cima

é não quereres aceitar o grande mundo
sem fim
sem fundo
a experiência única que és

e descobrires nesse espaço imenso
a tua liberdade
a tua felicidade

uma pomba uma andorinha

Tenho idade para não me equivocar
para viver o sonho sem acreditar
para olhar para ti tão simplesmente
como pomba que pousa num beiral
uma andorinha
até alguém a assustar

só um instante naquele lugar
o teu lugar
depois partir
aceitar
que o lugar passou
que outro alguém apareceu
para o ocupar

mas seria injusto não admitir
que vou ali só para te ver
que vou e venho
volto a ir e volto a vir
como o sol como o dia como a noite
afinal como tanta coisa que existe

ainda bem que contigo a esperança de voltares
subsiste

por isso não tenho que ficar triste
como se fica quando alguém parte
e não volta mais

mas sou eu que sou assim
exigente impaciente

e quando te tenho ao pé de mim
neste vai vem que faço
fico tão diferente

que tenho que dizer para mim
sem to dizer

que preciso de ti

que ao menos de quando em vez
venhas e pouses no beiral
que fiques nele
até eu aparecer para te ver

sexta-feira, setembro 14, 2007

equívoco paz que foge

Porque me movo neste equívoco
nesta paz que foge
neste desejo incontrolado
que põe os sentidos baralhados

que lugar
que gente
que tempo
criou na minha mente
este espaço desconforto
que sinto tantas vezes(?)

não sinto culpa nisso
mas sinto dor
porque repito insisto
e nada aprendo com tal repetição

nem a conviver com ele
nem a largá-lo de vez

ao menos
que tanta estupidez
valha alguma coisa
na minha aprendizagem

que prazer

se é isso que tal experiência me quer dar
é coisa que não dá
não passa de um equívoco
que vivo
e que me custa aceitar

que não me deixa de vez
para sentir mais paz

sexta-feira, setembro 07, 2007

quero posso mando

A mente estrutura-nos socialmente
veste-nos a gosto
para o papel a representar
no nosso ambiente

dá-nos poder capacidade
uma habilidade interminável de jogar
mexer os cordelinhos
no meio social

fazer equações deduções
raciocínios lógicos
fazer o bem e o mal
capaz de deixar o ego
simultaneamente extasiado
com tanta inteligência
e logo a seguir frustrado de impaciência
de impotência

poderosa mente receptor de tudo
o que vem de todos os sentidos
depois coitado do indivíduo
com a sua intransigência
"quero posso mando"

a mente é assim
como o trigo e o jóio de mãos dadas
dá estruturação é inteligente
mas bebe o que de melhor
têm os sentidos

e o indivíduo
(que o diga o coração)
com tanta inteligência
perde a noção da sua essência

equívoco na esplanada

Estava quente era manhã já alta
eu não era suposto estar ali
mas estava
soprava uma suave brisa na esplanada
eu aproveitava
pondo o rosto na direcção da brisa
cerrando os olhos

por um lado para aliviar a pressão
da dispersão que me rodeava
por outro para fazer bem a uma enxaqueca
sobrada da noite mal dormida

consolado
revirando o rosto aliviado
abri lentamente os olhos

e na minha frente sem esperar
sol e pátio e flores e risos
um vestido liso
solto e fresco
emoldurado de um sorriso

um rosto de mulher quase descalça
com os pés nus numas sandálias leves
em jeito livre que eu bem conhecia
linguarejar diferente
como é cada vez mais frequente
nesta Europa

encontrei os olhos dela
e em espelho projecção do pensamento
vi-os chamar meu nome que tivera dantes

fiquei nela quanto pude ficar pois estava acompanhada
mostrei-lhe os sítios todos do meu sítio
prometi-lhe tudo dei-lhe tudo
fui todo dela no instante breve
amei chorei fui o impossível
tive ciúmes quase morri
até o namorado a levar dali
provavelmente para nunca mais a ver

repto a todo o cidadão

O que aguça o apetite no leitor e ouvinte
tem que ser coisa chocante
feia

mundo cruel miséria humana
que se alimenta da desgraça alheia

um ciclone ou um tornado
chamam a atenção
metem medo assustam
mas uma violação
um sangrento atentado
um tsunami devastação
são produto bem mais atraente

e o que temos(?)
leitores telespectadores alienados
intoxicados
esquecendo o essencial
o que faz falta
o muito por fazer no mundo pessoal e no global
a horrorizarem-se em perverso interesse debochado
co-responsáveis pelo sucesso de tanto mal

a quem me lesse
a todo o cidadão
eu lançaria um repto
não vejam as notícias de horrores na televisão
nem comprem revistas e jornais com esses casos

porque se não
isto mais parece um circo dos romanos
mata esfola mais e mais
e é sempre pouco tanto mal
a alimentar incautos vampiros canibais
em que transformaram cada um de nós

tanto é macabro o negócio mediático de horrores
como é perverso o seu consumo
por tantos leitores e telespectadores

alimentam-se assim presas e predadores

terça-feira, setembro 04, 2007

um hoje determinado

Para qualquer mudança
é necessário parar primeiro
estar atento
à situação real presente

seguir naquele momento
sem hesitação
um rumo diferente
dar o passo certo
deixando em aberto futura correcção
do rumo certo

porque nada é estático
e a mudança é necessária
há que fazer a escolha certa a toda a hora
aceitando com querer a conjuntura
que resultou da evolução da estrutura

agora é assim mais tarde não
evolução revolução
crenças mudadas
há que rever continuamente a situação

entre nada fazer para não errar
e fazer correndo o risco de errar
mais vale arriscar
e avançar
aprende-se com o erro
ganha-se com o risco

e é assim que se caminha
que se constrói cada amanhã
num hoje determinado

sábado, setembro 01, 2007

razão velha ou ser feliz

Pelas frestas das janelas
pelas ombreiras das portas
por todos os espaços entreabertos
da casa austera de família
entravam sons que incomodavam
megafones algazarra

liberdade liberdade
gritava-se

penso que as telhas velhas do telhado
o caruncho dos cantos altaneiros
os móveis tão antigos
a escadaria
que leva ao pátio ao jardim à fonte
ao portão magnânimo de ferro
ladeado de leões
tremiam

terramoto vendaval nomes antigos
que deixavam de fazer sentido de repente
gestos aprendidos que acabavam
mordomias chapeladas elitismos

o lado de dentro e o lado de fora divididos

tive a sensação ali
abrindo mais e mais uma fresta da janela
aumentando assim os decibéis da algazarra
e espreitando a multidão emoldurada de bandeiras

que ou ficava ali com uma razão velha
ou vencia a fronteira os pergaminhos
e ia para a rua
aprender a viver de outra maneira

domingo, agosto 26, 2007

memória a incomodar

Tenho aqui e ali no meu passado
manchas melancólicas
carregadas
quais nuvens trovoadas
espessas pesadas

que em alturas
tensas duvidosas
tombam mesmo água

pergunto então
aos meus olhos espelho coração
se vale a pena tombar lágrimas
sobre o que já passou

escuto em atenção
mas na hesitação de uma resposta
acabo por chorar

estremece-me a face
não sei se fico mais forte
se mais fraco
com este desabafo

sei que resisto
que tento não chorar
mas é nas lágrimas que encontro a resposta
memória aqui a incomodar
e que me faz chorar

deixo as lágrimas tombar
pois não vale a pena resistir
a esta memória por sarar

algo que doeu e ainda aparece

lentamente vou-me recompondo
tomo consciência do presente
onde estou e de que gosto

e serenamente a humidade do rosto
vai secando
com o sol do meu país quente em Agosto

gratidão ingratidão

Já fui neto já fui filho
já fui pai empregado e patrão
fui também revolucionário
engatatão

fui cobarde valentão
disse sim quando devia dizer não
e disse não quando devia dizer sim

vida encontro desencontro
gratidão ingratidão

para nós são todos sempre pouco
aquele dá pouco
o outro não dá
e o dedo encontra sempre
o acto responsável
a pessoa responsável
da vítima que somos
fora de nós

ai o ego sempre o ego!

nem nos passa pela cabeça
aceitarmos
que o falhanço que somos
ou que achamos que somos
tem quase sempre
o principal responsável
dentro de nós

entre amigos

Há qualquer coisa que quero
e que não tenho
entre o que tenho e o que não tenho

por isso venho aqui

mas no final
quando o espectáculo termina
e cai o pano

saio daqui
na dúvida se há aqui
o que quero e que não tenho
entre o que tenho e o que não quero

segunda-feira, agosto 20, 2007

o peito e o relógio

A nuca encostando para trás
os olhos fechando regalados
com o ar entrando pelas narinas
e o peito consolado
com o movimento ritmado
de tanta vida que se passa ali

centro-me aí
com toda a atenção
lugar pulmões e tanto coração

como quem em tamanho pequenino
se senta ali
numa cadeirinha
a vê-los funcionar

pulmões e coração

observo-os e é como comparar
num relógio o ponteiro dos minutos
e o ponteiro dos segundos

um mais calmo
distendido
a encher a esvaziar mais devagar
o outro mais inquieto
tic tac tic tac
sempre a pulsar

eu sentado na cadeirinha
a olhar e a pensar

um relógio pode parar
porque é fácil de arranjar
mas o peito se parasse
o sangue o ar
o que iria acontecer
sem ninguém para o consertar(?)

um hoje positivo

Tanto que temos
só é preciso percebê-lo
vê-lo e gostar

sentir gratidão em tão farto merecer
depois harmonizar
a crítica natural
o que se pode mudar
fazer melhor

sempre com a divisa positiva
tenho tanto quero mais
e acreditar

cada gesto mesmo tímido
desde que seja confiante
acrescenta qualidade ao mundo
e é vê-lo sempre mais
com o mais de toda a gente

a crença do eu do tu de toda a gente
na onda positiva
é o contrário do carpir o choradinho
tantas vezes repetido
sórdido sem sentido

lendo um pouco de história
bem que isto se comprova
nunca vi na evolução global
nenhum presente
em cada tempo
que não desse acrescentasse
mudança evolução ao passado antecedente

a novidade inova
muda
cada hoje a nascer é sempre novo
é o sonho de ontem feito realidade

em vez de resistência
pessimismo
o já gasto e medíocre choradinho
trabalhe-se o EU com eficiência
o ser positivo

abra-se-lhe a porta a toda a hora

quarta-feira, agosto 15, 2007

parlamento

Em som monocórdico debate de orçamento
um deputado desfiava um rosário de contas
rosário de desgraças já se vê
que adormecia o justo e o injusto

quem olhava para ele sentia dó
tão deprimido que estava e só
dava-se a desgraças comparadas
com mais números que palavras

a plateia fechava mais e mais os olhos
o deputado continuava a história
o silêncio no meio das contas
ajudava
a não entender nem ouvir nada

ao meu lado sentava-se um par de namorados
que como eu assistia ao debate
com profundo aborrecimento já se vê

e depois de passarem pelas brasas
depois de tentarem ouvir sem perceber
de tentarem o encosto e o desencosto
encontraram maneira de passar o tempo
sem passarem pela vergonha de sair

ele metendo a mão nas perninhas dela
ela metendo a sua nas perninhas dele

sem preparação nenhuma
sem números avulsos
o milagre do prazer acontecia
qual ilha tropical
no silêncio dos mortos

nem uma ideia sequer
a despertar a alma!

terça-feira, agosto 14, 2007

palavras de ocasião

Estou praticamente empacotado
silêncio nostalgia de porto de embarque
à minha volta ouço vozes quase surdas
extemporâneas
a contrastar com um sol que espreita lá fora
do lado de lá dos andaimes
do prédio em despedida


não estou contente nem triste
apenas estou
e estar é o contrário de não estar


assalta-me às vezes a ideia de partir
sair dos circuitos necessários
dos gestos obrigatórios
dos lugares cansados


mas se partisse
não saberia para onde ir
nem sei se aguentaria a caminhada


se partisse
talvez tivesse saudades deste porto deserto
deste sítio inóspito
onde apesar de tudo
estou
e tenho abrigo


por isso fico
mas fico também
porque tenho medo de partir

segunda-feira, agosto 13, 2007

sexo e modernidade

Era grande a ansiedade
inquietação desmedida
que de repente acontecia
na vida de Afonso Guerra

funcionário de um banco
fora sempre admirado
pelas qualidades que tinha

só duas nódoas manchavam
a exemplar vida deste homem
os cigarros que fumava
e um copito que bebia

com a vida equilibrada
filhas já na casa delas
algo insólito acontecia
no aconchego de Afonso

o coiso ficou sem força
o sono logo alterado
pesadelos mais que muitos
de tal maneira cansado
que já nada apreciava

não sabia que fazer
pois se a mulher era sonsa
discreta no seu viver
nunca Afonso percebera
a vantagem da mulher
de não precisar de mostrar
o que o homem tem que ter

Afonso não aguentava
tanto mimo da mulher
sempre muito preocupada
aninhada em volta dele
o que só lhe agravava
o desespero que sentia

e foi muito às escondidas
que certo dia sem querer
um remédio descobrira
que ajudava a subir
o que nunca mais subira

foi a reviravolta total
nesta fase complicada

e a sonsa da mulher
toda gozada com a folga
nem podia acreditar
ele tomava um comprimido
e era um nunca mais parar

era tal o desempenho
renovada a alegria
que o director do banco
com tamanha eficiência
tanto vigor demonstrados
logo de mão beijada
lhe confiou a gerência

a mulher atordoada
coitada
aguentava como podia

tanta era a violência
do que agora experimentava
que em muito ultrapassava
o que a mãe lhe ensinara
e as telenovelas que via

e Afonso acelerava
ela quase enlouquecia

segunda-feira, agosto 06, 2007

Olhão em quadras ternas


Olhão não mates meu sonho
a Faro eu quero ir
Algarve terra distante
Brancanes quero sentir

sob toda a realidade
em que assenta a minha vida
tu és uma raridade
meiga bonita querida

é tão terno o teu olhar
tão suave a tua voz
dá vontade de ficar
contigo olhando o mar

nunca fiz amor contigo
nem preciso de fazer
para encontrar abrigo
no teu corpo de mulher

basta-me um largo sorriso
um olá com suavidade
e logo sinto um aviso
de uma imensa felicidade

mulher

Eu sei que não
nem sempre a vida é gajas boas
nem sempre se diverte o corpo num bagaço
ou numa pipa de vinho

a vida passa
a vida dói
a guerra tira um braço
a doença leva quilos de saúde e cor
e traz cansaço

a morte espreita a cada um
como foice aguçada em cada esquina
e o desalento
quase ocupa a parte grande do tempo

eu sei que é assim

mas quando os meus olhos se descuidam
e desenham com trejeitos tremeliques
um corpo lindo de morrer
fresco como a horta em madrugada
quando sobre ele cai formosa e branca a geada
em contornos que deixam adivinhar
céu purgatório
fogo inferno

mulher

que pele tão lisa
que nudez pouca para quem te quer ver toda
andar singelo perturbante
pernas esguias
num compasso que desafina qualquer sinfonia

mulher

tu desatinas
o mais puritano dos paroquianos
que sem querer e ao lado da mulher
não deixa de visitar
os teus seios
o teu colo
o teu traseiro

nada mais vivo e estimulante
nada que faça simultaneamente
tanto mal e tanto bem
obra de deus e do diabo

mulher

como compreendo o padre da minha terra
que um dia ao ver uma assim
apetitosa e bela
não se aguentou sem experimentar

ergueu então a fronte aos céus
e tremendo delicadamente
disse:
“perdoai meu Deus por amar esta mulher”

Rolando Toro (84.º aniversário)


Num mundo complexo violento
alguém sonhou ousou implementou
que sensações e sentimentos
fossem retomados

que o racional o tem que ser
pudessem ter a contrapartida necessária

um ritual de festa
sabor a gente
em movimento e ninho reunidos
com ar rosado de alma confortada

o olhar que fica onde se fixa
sem ser preciso pedir nada
e com ele a emoção que anima o passo
na essência que volta
aos gestos reprimidos
esquecidos

dádiva vida abraço

e é ver a esperança renascida
no cuidar e ser cuidado
na emoção perto do sonho
bem diferente dos mitos ensinados
bem diferente dos hábitos incutidos

alguém sonhou tão simplesmente
que as pessoas não se ignorassem
se olhassem se tocassem
se dessem conta do sabor da VIDA
e a celebrassem

que percebessem dançando
o poema vivo que a vida é

estreiteza de horizontes

Caminho apertado via definida
de um lado silvas
do outro altos muros
propriedade privada proibida

debaixo dos pés
a dureza das pedras milenares
de calçada romana
lembrando-me que posso tropeçar
na sua uniformidade
se não seguir atento obediente
assustado

como convém aos donos proprietários
que nos enxotam
com cães ladrando ameaçadores
atrás do arame farpado

ah se o vento dissesse àquela gente
que a utilidade das coisas passa
que não há protecção que vença a morte
e a liberdade ajuda tanto a usufruir
a partilha a felicidade

mas o vento sopra e não ensina nada

num sítio tão bonito
pitoresco
debruado em flor de amendoeiras
videiras oliveiras
com um rio que não é grande
mas que tem tanto amor no barulho que faz
ao deslizar
um caminho que podia ter amoras
outros frutos
aventura

e não passa de um túnel sem paisagem
que desemboca num rio pequenino e triste
porque ninguém gosta dele
nem querem saber dos horizontes grandes
aonde as suas águas pequeninas levam

vizinhos e caninos

Visto assim de longe
por quem desemboca a passo
num espaço grande
vindo de um beco estreito
o que se via
parecia um ajuntamento de cães

se fosse gente
falar-se-ia de comício inauguração

mas não
era mesmo um cacho de caninos
e quanto maior a aproximação
mais conseguia ver o filme que rodava

vindos de prédios novos
ricos luxuosos
acorriam os vizinhos
uns com canzarrões
outros com modelos pequeninos

uma rapariga bem novinha
segurava pela mão com dificuldade
três desses exemplares
um senhor careca duas cadelas grandes
pela trela
uma jovem mãe em alvoroço
coitada
puxava um carrinho de bebe com uma mão
na outra segurava um canzarrão

e o stress dela aumentava quando o cão pousava
cocó fresquinho bem na frente de montra chique
onde uma senhora
que olhava a montra em elevada compostura
se importunava com tanta porcaria

mas educadamente
evitava pôr o olhar sobre o cocó que via
concentrando-se mais
no tamanho do pêlo que o cão tinha
escondendo como podia
o trejeito facial do nojo que sentia

à parte o devaneio
percebi naquele espaço grande
ajardinado urbanizado
uma maneira nova de confraternização

com a falta de ideias e de filhos
que tiram aos vizinhos
motivos de conversação
ao menos ali naquela roda
sentia-se enorme animação

neste caso promovida pelos caninos

relação bizarra

Sei que tens caprichos
que lês a vida qual telenovela
com heróis e sonhos
pesadelos também

uns dias viras anjo
amor candura
uma mão cheia de vida
outros não

envolta em devaneios
fantasias
quimeras de riqueza cinderela
já nem sei quem és
se puta
se mulher casada honesta
ou simplesmente uma criança
que não sabe o que quer

tu que não tens palavras finas
nem jeito para a cultura
chego ao pé de ti querendo afecto
talvez sexo
e só me dás assuntos complicados
deprimentes
que tu própria não entendes
nem são do teu agrado

ou fazes de mim parvo
ou és tu uma parvinha

afinal que queres de mi
atenção à tua cultura(?)

vou tentar
não ficarei tenso sem afecto
ou mesmo sexo
e se por acaso o que eu quero então vier
com tamanho frete
gritarei
viva a "cultura"

domingo, julho 29, 2007

confusão de nacionalidade (ou um Nobel baralhado)

Na vida há que ter laços ligações
amigos
saber a quem pedir
ser fixe abrir

estar lá quando é difícil
dar
também recuar
se for preciso

praticar a troca
e o sentimento que faz a força dos amigos

vender-me ou render-me não preciso

tenho um nome
uma história um caminho
fui pobre navegante rico nobre
vagabundo também

andei perdido andei
mas sempre me achei
e já lá vão novecentos anos

no chão que piso
nas pedras e nos montes
nas cidades norte e sul

nos rios e nos mares
nas ilhas água tão bonitas
chamadas de madeira e dos açores

na língua que me entende
sou eu quem manda

na minha casa
é bem vindo quem vier por bem
quem não vier
terá sempre que se haver comigo

sexta-feira, julho 27, 2007

o rio começa o rio termina

parece que há um limite para tudo

para a presa que foge e chega o tempo em que desiste
para quem sobrevive até que se cansa
para a dor que se aguenta até ser mais forte que a resistência
para o vento que não sopra sempre
para a ave que não mantém voo permanente
para o fim inevitável da linha do horizonte
para o espaço que não dá para ultrapassar o limite

não fora a ficção o sonho a imaginação
e o realismo absoluto seria o caminho certo

vida é vida e morte é morte
o que se vê é o que é
não mais que isso
o rio começa
o rio termina
andamos sempre perto
do princípio e do fim

não fora a ficção o sonho a imaginação
tal como o rio
princípio e fim
não haveria além dos limites

um primeiro encontro

Vou ter contigo
e estou sem jeito
o meu tino desatinado
os meus sentidos temerosos

estou inseguro como nos primeiros passos

as palavras às vezes são madrastas
o tom com que se dizem
a extensão
o som inexacto que transmitem

e o coração desiste
sem saber o que faz

por isso queria
que o que eu quisesse
e o que tu quisesses
acontecesse sem dizer nada
que os meus olhos e os teus olhos se entendessem
tivessem a resposta certa

porque te desejo
vou calar-me o mais que posso
e Deus que nos conhece
fará a síntese correcta
do que eu quero
do que tu queres

sábado, julho 21, 2007

olhos de amor

Respirando com toda a descontracção
também concentração
percorro pequenos lugares do meu corpo
em atenção

descubro locais com registos anteriores
sintomas mal estar aqui e ali
males menores e males maiores
que houve aí
e se acostumaram ao lugar

sou levado a pensar
quando liberto tensão
e entra a paz com o ar inspiração
que o amor aumenta quando a paz cresce

vê-se no brilho do olhar
na postura mais amante
dos sentidos

como que olhando os outros
neles desaparecem
coisas que víamos antes
e deixamos de ver depois

os traços dimensão agressividade
a inquietação o medo a agitação
os olhares esgazeados
a hostilidade

após a desobstrução do mal estar
aliviando zona a zona
com o bem maior do universo
o ar
em inspiração expiração

pude constatar
que em tamanha paz
são olhos de amor quem vê por nós

estrelas faróis lacrimejantes

Os teus olhos andavam perto muito perto
podia quase agarrá-los
falar com eles
contar-lhes tudo sobre mim
sem dizer nada

ficaram receptivos
brilhantes grandes
estrelas faróis lacrimejantes
entendendo os códigos dos meus

um gesto intuitivo rápido
podia fazê-los ficar comigo mais um tempo

mas embora conversando
bailando
pedindo suplicando
colando
foram-se afastando
na separação inevitável a que a vida nos condena

vi-os desaparecer
olhos meus viajando nos teus
e os teus nos meus
cobardia e tanto querer ao mesmo tempo
naquele engano de ilusão e nostalgia
que nos prega ao chão
sem saber o que fazer

quem sabe não volte a ver-te um dia destes
quando eu estiver triste
distraído aborrecido
e apareças com o teu olhar
para me encantar

e nesse outro encontro
que está por acontecer
eu não esteja mais capaz
mais preparado
mais audaz
para te agarrar te conquistar

dia vazio de eleições e de domingo

Acordei triste
em dia vazio de eleições e de domingo
quis perceber se tal tristeza
seria só por isso
se também pela chuva insistente que caía
em Julho alto sonhos de Verão

isolei-me então
quase não sentia nada na garganta
seca como o peito
e nenhuma fonte perto

a cabeça estava como o resto
sem pinga de oásis
e apenas uma nesga da cidade
em baixo aparecia entre as árvores
e assim me situava

tentei então
entender o que se passava
na minha solitária atenção
muito concentrada em meditação

vi uma folha de romance por sarar
estava em branco
mas agarrada ainda á contra capa
de um livro outrora escrito

tinha deitado tudo fora
num promontório cimeiro ao mar
desapareceu o resto
menos essa folha em branco
que segurava a contra capa
pendurando-a num arbusto do lugar

e era ela
folha em branco romance por sarar
que neste dia vazio de eleições e de domingo
me estava a incomodar

terça-feira, julho 17, 2007

um lugar bom

Sonhava um lugar bom
um recanto de amor
e encontrei
estive nesse lugar um tempo
amei

tive a momentânea ilusão
que seria possível guardar o lugar
tratá-lo
como quem trata uma flor

com carinho
dedicação
cor
sol
coração

como quem descobre em cada pétala
todos os dias
um arco iris
uma carícia de veludo
um sentimento bom que só se sabe que o é
porque se sente

mas foi tempo sem regresso
foi amor eterno que durou pouco
foi sonho que acabou ao romper da aurora
foi o impossível que ganhou

hoje aqui estou
deitando contas à vida
sei que o zero é um ponto de partida
sei que o zero é um ponto de chegada

opção difícil

Ontem ela disse-me
"sinto-me em baixo preciso de suporte"

como era coisa de minutos
e a rapidez exigida nada tinha a ver com nada
já que nem eu nem ela podíamos faltar a compromissos
e implicava cedências só da minha parte
dei uma nega e não fui

senti que iria rebaixar-me
que iria não ter tempo para o abraço necessário
que seria o bobo roçando os limites do aceitável
que olharia para mim nos degraus da porta dela
e não gostaria de me ver lá

não era para mim aquele papel
de acarinhar quem procura outros carinhos
de fingir estar bem quando nada está
de prolongar um amor cheio de dor
um deserto quase permanente
uma ilusão de chama que não passa disso

então fiquei e não fui
e acho que fiz bem

optei por guardar o sonho que inventei

sexta-feira, julho 13, 2007

conversa de amigos

As palavras viajavam pelo tempo
entusiasmavam deprimiam
perdiam-se nas curvas das noites
e dos dias
das coisas
que fizeram tanto sentido


que marcaram lugares dias horas
atitudes
no movimento imparável dos relógios


depois feita distância
toda a lembrança perde intensidade
sobrepõe-se o enfrentar da realidade
no presente


nas memórias idas
conjectura-se no mundo dos SE’S
das escolhas feitas
das dúvidas
nas tantas opções que se mostraram


tudo tão absoluto em cada altura
tão esmagador omnipotente
que tira o sono a felicidade
e gera até dificuldade
em vislumbrar futuro


afinal de contas
em tantos milhões de curvas
opções
em termos de vida toda
pouco conta a omnipotência das coisas
o impacto que causaram


que o tempo paulatinamente
passa
e ao passar
vai resolvendo tudo sem se importar
com o que importa muito ou não importa nada


simplesmente passa


somos obrigados a pensar
que mesmo o que parecia insondável
inquestionável insubstituível
inegociável


afinal de contas
aqui e agora
que importância tem
a importância que as coisas tiveram
ou não tiveram


fica tudo o que passou tão relativo
agora
quando as nossas falas
reacendem a fogueira dos SE’S
tão sem actualidade cor sentido


que apenas podem ter
o sentido que pode ou não fazer
queimar tempo actual
com tempo antigo

abandono quietude meditação

Compreendo quem opta por extremos
abandono quietude meditação
a paz o odor que se experimenta
sentir o ar a preencher o corpo
levar a quietude ao interior
doseá-lo quase como se quer

parar a paz

pôr em cada poro
o colorido que se escolhe
o caminho do prazer
transe viagem interior
na quietude dimensão tão integrada
que quase se confunde
com esquecimento ausência outro mundo

mas há um regressar

assim como uma viagem de sonho
que se faz nas férias grandes
depois acaba

o burburinho da vida chama
o regresso ao habitual
os deveres do dia a dia dificuldade
o tropeção no desconforto mundo cão

compreendo que é bom viajar na imensidão
do sonho êxtase
mas quando se abrem os olhos
em devagar contacto
primeiro com o tacto
depois com os outros órgãos dos sentidos

a diferença é colossal
entre os dois mundos
estranha-se tudo
até o susto do contacto próximo

qual ser desadaptado
que a todo o momento pode ser tentado
por uma viagem sem regresso
seja por convicção de estar ausente
ou pelo simples medo de estar vivo
e presente

quarta-feira, julho 11, 2007

gosto de ti

puto curioso autêntico traquinas
do ar de vitória que pões
quando apanhas do chão
uma pedra e a atiras
ao tronco das árvores mais finas
e acertas

gosto de ti

do teu ar de medo
em correria
quando atrás à frente e aos lados
um coro de cães te ladra
com ar assanhado dentes afiados
é tanto o medo
que os tornozelos e os joelhos
de tanto correrem e se tocarem
quebram em sangue e tu não te importas

gosto de ti

quando desafias sozinho no campo
um exército de formigas
cortando-lhes o caminho
o quanto aprendes a vê-las
tontas inquietas perdidas
buscando o retorno ao caminho
quando olhas as cegonhas nos charcos
espelhados de juncos e de céu
boquiaberto
e as achas tão bonitas

gosto de ti

quando te entristeces com o enterro que passa
e foges automaticamente
daquele som colectivo tresandando a morte
e te refugias nas guloseimas
sabor a vida
no colo da mãe tão seguro
nos trabalhos da escola que lembram amigos
rumo futuro

gosto de ti

quando especado comendo melancia
bem revirado para a outra banda
vês concentrado as raparigas de Espanha
vindas à feira de Almeida
que se afastam sadias cantando
“enamorada”

defesa central apessoado

Defesa central apessoado
lá na terra era herói
com os pés quando chutava
a bola ia tão alta
que quase a vista a perdia

o mulherio gritava

e se o adversário passava
e a baliza ameaçava
era a ele a quem berrava

dá-lhe força agora

e Abílio respondia
com denodo e valentia

com o dinheirito do emprego
e o desempenho na bola
dava largas ao machismo
raparigas não faltavam
namoriscava as que queria

só que um dia calhou
que por falta de cuidado
uma delas engravidou

e pressionado pelo povo
logo com ela casou

uns cabelos lhe caíram
a força foi-lhe faltando
apareceram brasileiros
que o foram substituindo
em jeito fama e proveito

e Abílio foi ficando
uma sombra do que era
a mulher a engravidar
ele vai-se emborrachando

disseram-me no outro dia
que anda sempre em Lisboa
diz que vem ver o Benfica
mas qual Benfica qual treta
é só desculpa de Abílio

em vez de ir ao Benfica
é nos bares que passa o dia
e como vem lá do norte
dá para ficar de noite
regressar ao outro dia

e veja-se a ironia

se na terra brasileiros
lhe causaram desconforto
são agora brasileiros
neste caso brasileiras
quem em Lisboa cidade
lhe empresta algum conforto

domingo, julho 08, 2007

sintomas esquisitos laterias

O incómodo que sinto
agora que me concentro
consigo detectar-lhe o epicentro

é logo por baixo da garganta
que o ar em inspiração alivia
quando entra
fluindo suavemente para os ombros

mas há como que um cilindro oco
que vai do estômago ao pescoço
que nem deixa respirar

nestas alturas
o peito parece peito de ave
franzino
ângulo agudo
pouco

de onde foge a espaços
o coração grande

pergunto à minha mente
o porquê disto que sinto
um sufoco um tremendo mal estar

ela responde na linguagem habitual
que aprendeu e que conhece

diz que dormi mal
que é cansaço
que a adaptação matinal
é sempre um difícil passo

eu dou-lhe razão
porque sinto mesmo esse cansaço

mas acredito
que há sintomas esquisitos
laterais
que fogem ao controle do entendimento

vou sem ir fico sem ficar

Na vertical do meu espaço
quero perceber porque me disperso
porque quero ouvir-te só a ti
e ouço tanta gente

porque quero ver apenas o objecto
onde ponho os olhos
e o objecto esgota a vista
por se quedar tão pequeno
perdido na roda movimento
em toda a volta

tento num copo de vinho
aumentar o relevo do meu espaço
concentrá-lo
mas o efeito é o oposto
só aumento a concentração na vertigem circundante

só aumento o desconforto
de querer estar experimentar um outro sítio
estar noutra viagem
noutro lugar

então vejo-vos passar correr cavalgar
e eu ficar sentado a magicar

nem fico ali nem vou convosco
e sofro
como que quero estar noutro lugar
partir
e ao mesmo tempo
estar feliz ali
ficar

só olhando para ti
só te ouvindo a ti
só te vendo a ti

o possível e o impossível de mãos dadas
no mesmo espaço
ao mesmo tempo
a desilusão em tanta oportunidade
a ilusão também

refugio-me então na minha solidão
vou sem ir com toda a gente
e fico sem ficar
entre um prego no prato e um copo de vinho

escrevo palavras
para falar com a vida que vejo
que abraço
que quero agarrar e que passa
a um passo de mim

quarta-feira, julho 04, 2007

fogo que arde labaredas

Enquanto alongava e encolhia o coração
gesto rubro em sentimento
ajudado pela respiração que enchia
esvaziava o peito
dei por mim
apertando derretendo em suor
com os braços em volta de ti
e quanto mais apertava e te sentia
mais apetecia apertar
e apertar

que grão alimento grado
suculento
que fruto bom que mata a fome
que céu e inferno
que és ao mesmo tempo
mulher

em volta havia gente
não liguei
momentos assim acabam mal começam
nem sequer chegam a durar
e eu por experiência
sei

por isso cerrei os olhos
continuei a derreter a transpirar
quis aproveitar o instante breve
o mel dos meus sentidos

corpos atracção que se entendiam tanto
abraço incêndio em labaredas
aperto sem doer totalidade
fogo sem se ver mas que arde
arde

leva-me contigo um dia destes
quando não tiveres mais nada para fazer
eu serei gato passarinho
um cão vadio se quiseres
mas leva-me e dá-me o teu conforto
põe-me no regaço no teu ninho

cuida do fogo que arde em mim
da sede e do sufoco que são tais labaredas

põe a minha alma sossegada de vez

mestre Tó na oficina

Empregada de escritório
em oficina de carros
Anabela sabia
que os homens que atendia
em momentos de avaria
estavam frágeis
stressados

por um lado não sabiam
quanto iriam pagar
depois tinham que aguardar
o tempo que levaria
o concerto a arranjar
e o quanto custaria

nem o cigarro fumado
disfarçava a ansiedade
e Anabela adivinhava
quase com toda a precisão
o que se passava então
na cabeça do cliente

Foi num dia de Fevereiro
frio chuvoso cinzento
que Tó apareceu encharcado
em descapotável de marca

Tó bebia já o sabia
de outras visitas ao stand
mas naquele dia parecia
seriamente preocupado

vermelho roxo inchado
parecia que rebentava

Era pânico que sentia
pelos problemas que tinha
pelo tempo que fazia
pela vida que levava

Anabela percebera
que chegara a hora dela
e solícita atendera
mestre Tó que mal falava
e ela tudo fazia
para ser aos olhos dele
o colo que precisava

e recebeu-o tão bem
nesse dia de Fevereiro
que a coisa resultou


reparada a avaria
o romance começou

desculpas do ego

Sabe bem aliviar responsabilidades
dizer que não se é fulano tal
importantão
porque outro não deixou
ou porque a circunstância tal e tal
o prejudicou

que não fez e aconteceu
porque ninguém o ajudou

qualidades nunca faltam
que mais não seja para encobrir dificuldades

e cria-se uma vida só de SE’S
em que o sentido único
do tráfego mental
aponta sempre um responsável pelo mal

o ego sobrevive em falsidade

e de tal maneira se enraíza no processo vital
entre família colegas e amigos
que mais tarde quando dava jeito
reencontrar-se na verdade
conhecimento pessoal

tal seria mais violento
em aceitação pessoal
social
ter que dar a volta à mentira choradinho

do que viver o personagem virtual
do coitadinho
que não foi porque não o deixaram ser
e continuar assim até morrer

na mesa do restaurante

Estou aqui e estou ausente
tropeço no pé da mesa
em que almoço
acontece um estardalhaço
quando a mesa treme
e tomba o delgado e alto copo de cerveja

acordo no alvoroço
regresso da distância
e vejo olhos de outras mesas circundantes
fitarem-me
oblíquos frios acusatórios

olhos que acolhem em coração
um gato triste um cão abandonado
mas a mim talvez por ser humano
e não ser perfeito como eles não são
não perdoam um deslize
um simples tropeção

solícito acorre o empregado
mudando o lugar alterado
com pequenos estilhaços de vidro
mais o derrame húmido da cerveja

acabo a refeição intimidado
pior
esvaziado
entre a ausência inicial de ali
interrompida
e uma presença no momento ali
indesejada

felicidade e vocação

Liberto diariamente
(correcção de erros cometidos)
conceitos feitos
aprendidos
impingidos
nem sempre actualizados
adaptados aos meus sentidos

a ideia é nascer em cada dia
como se pudesse escolher
viver deixar viver

descubro que posso desenhar o meu espaço
o que quero fazer
dentro do que gosto

assim devia ser no tempo mais tenro
de aprender
deixar soltar a vocação
o entendimento maior da vida
mais a contento
que se tem

nunca seguir a frustração
o ter que ser
por cópia alheia
por aparentar melhor futuro
e mais seguro

não se copia a felicidade
agarra-se
e é nesse tempo tenro de aprender
que melhor se pode perceber
o que se gosta
e melhor se sabe fazer

depois seria só
fazer um esboço
desenhar
seguir os contornos dos traços
e percorrer o espaço vida mais a gosto

terça-feira, julho 03, 2007

coração e bateria descarregada

É com calor também alguma dor
que ultrapasso as carências do meu ser
e ponho amor em ti
em vós no mundo
quando tantas vezes sinto falta dele
ou é muito poucochinho

mas é grande o peito interior
a vontade de ter mais para levar
dar tudo e tanto a toda a gente

só que lá fora
a realidade é cerrada exigente
amarelada de fígado doente
frustrada
alheada

e o dar muito sabe a menos do que é
o dar pouco morre ainda antes de se dar

fica a vontade do sentir interior
de querer amar
quando sai para o exterior
para essa realidade cruel
ausente fria
carente descrente
norte sul tão diferentes

depois ou se desiste e se fica conformado
numa pseudo felicidade isolada
inventada
inútil
um amor assim metido para dentro
que não leva a nada

ou se se insiste
entre tanta vida pálida
mal amada
violentada alheada

não dá para aguentar

e o coração fica
como bateria de automóvel abandonado
ao vento à neve ao frio à geada
descarregado de vez

sexta-feira, junho 29, 2007

o bolo esgota

Não a vida não pode ser sempre isso
a espera do bolo bom
e doce
que há-de chegar dali daqui e de acolá

o bolo seca
o bolo existe em ficção
o bolo esgota
o bolo já tem dono

e o ar patético que põe nas nossas caras
a ansiedade também
põe-nos doentes
e esgota a paciência

porque a cidade é grande
a gente a comer é muita

e se não aceitamos a parte que nos cabe
e que a vida é assim
o humor desce
e tudo fica murcho

qual criança que espera um rebuçado
e só tem amargos de boca

menina rezando ou talvez não

No ecrã da televisão
pela noitinha
uma menina rezava
não sei o que dizia
porque à medida que falava
ou que rezava
não cheguei a perceber
tirava uma a uma com os dedinhos
mexendo nos botões
as pecinhas de roupa
que vestia
e de dentro da roupa saíam
os dotes todos que escondia

e ficou nua

não sou moralista nunca o fui
e tal programa longe de me ofender
trouxe inovação à minha mente
passei a imaginar perfeitamente
um político em comício rodeado de saiinhas
uma rodando mostrando as cuequinhas
outra dançando nua de uma para a outra banda

e porque não o político da oposição
ensaiar em comício ao lado
um sex-show?

que maneira inteligente
de pôr o povo feliz
de o poupar a discursos deprimentes
com números avulsos
essa poeira que justifica tachos cada vez mais fartos

porque meus senhores
pode não haver pão
saúde habitação
nem dinheiro pr'á reforma
mas enquanto se tiver olhos
com programas assim na televisão
e políticos a seguir a dose
ao menos não faltará animação
e sexo a substituir o pão

quarta-feira, junho 27, 2007

chamei-te flor

Chamei-te flor
senti amor
senti ciúmes
almocei contigo
fiz-te promessas
cantei contigo

toquei teus lábios
e quis beijá-los

descobri teus seios
e quis senti-los

o teu corpo era lindo
perdi-me nele

lembrei as vindimas da minha terra
porque sempre gostei delas

e a semelhança que vi
entre o provar do mosto
e o provar-te a ti
inebriado
tonto
feliz

tu és a vindima que já não tenho

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...