sexta-feira, dezembro 15, 2006

recanto de memória

Pousei num sítio novo
tão novo que nunca o tinha visto
(assim como nos sonhos)
havia gente
bastante gente mesmo tendo em conta a dimensão do lugar

era verão e estava um sol que fervia
o pó seco levantava com o alvoroço
e com o vento
que dava ao lugarejo
(ainda hoje dá)
um panorama
desolado
de extrema solidão

havia uma ponte nova
com festa de inauguração
essa a razão por eu estar ali e os outros

mal via a ponte porque era pequenino
e também não era importante vê-la
agarrava-me o tempo de uma margem
que não entendia
alguns adultos pisavam-me
com uma dor que doía
e que ficaria para sempre

só mais tarde compreendi o importante que foi aquela ponte
quando na outra margem vi
com olhos de ver
pela primeira vez aparecer
o meu pai
céus que de tanto olhar quase fiquei sem ver
as nuvens de pó cobriam toda a gente
não sabia se estava vivo se morri

não amei tudo porque não sabia amar
não me dei todo porque tinha medo de me dar
não gritei de felicidade
porque tinha medo de gritar

mas compreendi
naquele fim do mundo
em Barca d'Alva
numa inauguração de uma qualquer ponte
que mal sabia para que servia
que o meu pai
era a pessoa mais importante que havia

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