segunda-feira, abril 03, 2006

joelho inquietante

Fiz uma série de exercícios continuados
Rijos intensos transpirados
A respiração entupia acelerava
O coração batia
A exaustão chegava

Pousei assim no chão
Em clima de cansaço
(cansada a mente inquieta cala mais)

Em círculo depois de seis ou sete
Eu compunha o corpo no espaço que podia
Fiquei em transe de luz
Olhos fechados
Trocava mão com mãos em toques suaves
Meu Deus como eu tremia

Tremia tanto que um joelho mal assente
Parecia cana verde abanando ao vento
Não sabia se deixá-lo cair
Em perna que sentia
Se quiçá deixá-lo levantar voo tal era a tremedeira

Sorri por dentro mas foi-se o transe
Porque a minha mente acordou
E resolveu ela o problema
Ao decidir pousar o joelho na perna boa que sentia

Foi pena acontecer tal embaraço
Num tempo bom em que o sentir ultrapassa o poema

Mas aprendi não ser fácil saber o que fazer
No simples incómodo de um joelho inquietante
Porque se uma força nos impele para diante
(Vai sente arrisca escolhe)

Há sempre outra a conter-nos o instinto
E nos faz resistir a ele
E nos encolhe

vontade de dar

Ajoelhei junto a ti em gesto humilde
Queria dar-te alguma coisa que quisesses
Mas como saberia eu o quê
Que coisa dar-te
Que coisa alguém como tu poderia receber
Que não tivesse recebido já

E o meu coração
Por querer dar muito
E não saber dar nada
Ficou triste
O meu rosto murchou

E ajoelhado ali ao pé de ti
Uma lágrima rolou
Tinha tanta vontade de dar
A oportunidade também
E não sabia como nem o quê

quinta-feira de Dezembro

Todos juntos vidas separadas
Uma emoção grande que nos traz aqui
Uma mão um olhar que se desejam
Um abraço urgente que nos chama
Uma pequenez que cresce neste espaço

É tão bom que parece que voltamos à idade dos porquês

E atónitos exclamamos:
Diante de mim o quê?
Que faço? Que dou? Que peço?
Desfaço-me e choro e desespero
Confirmo a minha solidão num “não encontro”?
Ou dou graças a Deus por me dar tanto?

É como um sonho bom que nos abre a porta
Porta/coração/amor imenso
E jorram ilusões também verdades
O círculo existe e a candura breve
Unimos coração com coração
Abraço com abraço
Saltamos rimos
Também choramos

Que a tristeza às vezes dói e a vida cansa

Mas o ritmo ajuda
A alma se alevanta
Dói muito mas é mais o que não dói
E a vida avança
O sonho existe mesmo e se o sentimos segue a dança

Só que o tempo aqui é escasso
Tudo começa e tudo acaba num instante
O círculo vai parar
Vai descer o pano
E tantas mãos que se apertaram se tocaram
Tantos corações unidos no balanço
Vão sair de cena
E regressar à mediania da cidade grande
Ao ter que ser de cada vida obrigatória

Apetecia mesmo construir uma casinha
Onde os sonhos que trazemos coubessem todos
Com as lágrimas e os risos e os abraços e os ritmos
Uma casinha flor de Primavera
Branquinha
Onde os nossos sonhos lindos não terminassem nunca.

despe os trapos que arranjaste

Na tua pele e sem disfarces
Sem aquela imagem cinzelada que criaste
Renasce

Esquece os desaires que enfrentaste
Os atalhos velhos que passaste
Os faz de conta
Despe os trapos que arranjaste
Os refúgios onde quem sabe
Perdeste o melhor com que sonhaste

Hoje estás nu
Completamente aberto ao ar ao vento
À rua ao céu aberto à vida florida e não das árvores
E do resto do mundo
Que acompanham as estações

Hoje não chames nada a nada
Nem entendas só o sítio pelo sítio
Cada espaço é grão de areia numa beleza maior
Mais abrangente
Sente essa beleza plena
Fixa o instante

É possível que haja ruptura
Mas deixa que haja
No que te habituaste a ver e contar com mil palavras
Talvez até te assustes com o êxtase novo
Na tua nudez tão completa e boa
E te faltem as palavras

Não faz mal
Há um tempo que está para além das línguas
Dos conceitos aprendidos
E o que se sente é tão autêntico
Tão intenso tão arco-íris global
Que a tua mente pára

Não há palavras

Fecho a caneta com que escrevo
Às dez da noite
Fico só no sentimento
Na descoberta interior
Na atenção plena
Na vida total e abrangente que percebo

caminho de amor e de esperança

Trago comigo os ontens e os nadas
Os porquês sem respostas
Os nãos
A incompreensão dos outros
O que falta fazer em mim

Que mal pareço
Que olhar que faço
Que sentimento descontente que vivo
Que vazio
Quase parado no tempo no espaço
Sem saber se vá em frente
Se continue no antes disto
Ou pior ainda se desista

Sinto este impasse tremendo
No ponto decisivo da rua sem saída
No limiar da porta de entrada

Quase não vejo nada
Quase não sinto nada

Mas a vida prega-nos partidas
E neste holocausto de vida
De esperança perdida ou quase
Ouço uma voz amiga
Que soa dentro da porta de entrada

“Entra e partilha o que trazes contigo”

Eu que não trazia nada
Ouço a voz esforço o passo e mexo
Levo o corpo tão perto quanto posso
E a voz amiga toca-me o ouvido
E entra cá dentro

Remexo exausto em conflito
Entre palavras metidas na cabeça
E o rolar cantado e morno que ouço
Como que uma dança
Por detrás da voz que me chama

Espreito
Atrai-me o que vejo e rejeito ao mesmo tempo
Rio e choro de ansiedade
Sinto medo e tremo
Quem me acode




O medo é mesmo isto
Querer e não querer ao mesmo tempo
Ir e ficar ao mesmo tempo
Estar e partir ao mesmo tempo

É então que uma mão movida pela voz
Talvez a mão da mesma voz não sei
Se estende
Me toca e me acalma

Venço o medo
A solidão também
Tremo nos primeiros passos
Mas ganho alma e entro

Agora sei
Que não volto para trás
Perante um caminho de amor e de esperança

vindimador de cidade

Atino o passo o mais que posso
Com aquele aprumo solto tão difícil de se ter
Desequilibro o aprumo já se vê
Quando caminho
E mais ou menos descomposto lá prossigo

Animo e desanimo nos olhos que me vêem
Tal como em menino em tempo de vindimas
Eu olhava os cestos os cachos as videiras
As raparigas desenvoltas e os seus risos
As escolhas amorosas que faziam

Eu era então videira pequenina
Cabia-me aprender que eu não sabia
Não se pode nascer fazer logo vindima
Sem aprender a equilibrar os cestos fartos na ladeira
Aguentar os pés firmes nos desníveis da encosta

E o rancho era de gente de trabalho
Muitos Verões Invernos semeados
Muita dor e amor nos sóis andados

Tempo adiante
Ou tempo de antes
Pouco importa
O que importa mesmo
É acertar o passo agora

E mesmo que não dê
Para ser bom vindimador como os do rancho
Ao menos que se aprenda
Com humildade
A firmar o passo e a colher uns cachos

estou tão sozinha

estou tão sozinha
dizia a bola vermelhinha num cantinho do ginásio
na verdade tinha frio e o espaço estava tão vazio
que se sentia morta por dentro e por fora

as outras bolinhas não brincavam com ela
talvez não se usasse brincar pensava ela
e teria que se acomodar como as outras
a vegetar naquele cantinho
ou a ter que sonhar para não morrer

os dias passavam tristonhos
a vida parecia não ter fim
nada para fazer nada para contar
ainda por cima era Inverno e estava tanto frio
que custava a aguentar

mas “Deus não dorme”
e numa quinta-feira
alguém se apercebeu da sua solidão
foi ter com ela
as suas mãos tocaram-na
estava flácida arrefecida em desconforto
triste mesmo
triste como um doente bem doente
e o milagre aconteceu


entre vozes sorrisos muita música
assim como num conto de fadas
no mundo imaginário das pessoas
a bola vermelhinha acreditou
girou rodou saltou
qual passarinho feliz e livre
brincou brincou
tão contagiante ficou em movimento
que todas as bolinhas que pousavam tristes como ela dantes
sentiram o impulso a magia da corrente
vieram todas
verdes brancas azuis pretas amarelas
todas diferentes

e formaram com ela
na vertigem do momento
um arco-íris perfeito vestido de vida

balanceando o corpo

Confiança de alma em corpo brando
Suavidade imensa
Calor com calor que bom que é

Fecho os olhos deixo-me embalar
Baloiço vai
Baloiço vem
Sobe que sobe
Cai que não cai
E no balanço sinto-me tão bem

Amparado cuidado entregado

Se o segredo da vida está nas mãos
No toque
No balanço
Se as mãos e o toque dão tanta confiança
Apetece perguntar

Porquê não estamos sempre
De mãos dadas numa roda
E não se toca no outro
De uma forma continuada

Sobe que sobe
Cai que não cai
Neste balancear percebe-se
Que a felicidade está
À distância de um toque
Empurrado pela alma

a descoberta do outro

Fechei os olhos deixei de ver quem via
Tremelicando desequilibrando a espaços
Partia para o escuro dos outros
Assim como quem dava os primeiros passos
A luz escurecia
E maravilha!
Que contornos que traços percebia
Que luz
Parecia de repente
Tudo ter ficado em outra dimensão
Quem seria que estava ali
Tocava-se aceitava-se
Descobria-se
Tudo acontecia porque se partia do nada
Até tropecei no escuro de um parceiro
E que riso ouvi
Em nada parecido com um riso corriqueiro
Logo a seguir ao desatino do tropeço
Uma mão
Devagarinho
Talvez com medo de estragar
Contei nela todos os dedinhos
(cinco)
Quando cheguei ao último
Meu Deus o que sentia
A minha mão perguntava à outra
Se estava bem na minha
Ao que a outra respondia sem falar
Apenas apertando recuando e dando
E a conversa acontecia
Sem luz artificial mas com mais luz que em sítio nenhum
Que encontro
Entre duas mãos descobrindo-se no escuro
Tão bem estavam
Que perderam o sentido dos donos
Queriam lá saber dos donos
Queriam era ficar ali
Cuidando-se
Conversando rindo
Tocando tudo o que tinham para tocar
Porque elas sabiam
Que quando os donos abrissem os olhos
E as levassem dali
O mundo que as esperava
Era um mundo diferente e não havia mãos assim

cuidar do outro

Cuidei quanto pude quanto eu sabia
Vénus luminosa e linda por cuidar
Percebi ali o escultor apaixonado absorto
O traço o toque o ar estupfacto
A beleza que é
A mulher estática e dada
O fruto perfeito
Para o homem sensível devoto suave
Que habita o génio


Como escultor que não sou
(Falta-me génio e arte)
Eu fazia o que podia
Os dedos tacteavam percorriam
Sufocava sem saber aonde ia
Tinha medo sofria
E como eu tremia meu Deus


Era muita a água que corria
Fonte mulher que me fazia sede
Encolhi o tacto evitei o gesto
Tive medo de beber
Ser condenado

Pobre coração delicado e ingénuo
Porquê tanta contenção
Porquê a razão nos faz uma coisa destas
Porquê o amor tem de sentir-se condenado

Apetece dizer que somos mais do que parecemos
Apetece ensaiar uma conduta diferente
Apetece vencer amarras preconceitos
Porque o medo é implacável com quem se deixa intimidar

E eu só posso dizer
Porque não sei fazer melhor
Vénus mulher perdoa
Sou pouca coragem para tanto esplendor

o céu que és

Era tempo de cuidar e eu cuidava
Mulher linda estática quase inerte
Abandonada em graça para mim
Os meus olhos fechavam-se e abriam
Deslumbravam-me a mim com o que viam
Semicerrados em penumbra inebriante

Eu respondia
Pondo alma e coração em tudo o que fazia
E em movimentos largos
Outros pequeninos
Erguia o corpo e os braços

Crescia tanto
Que sentia curto o espaço
Para a minha nova dimensão
Depois descia
Flectia para baixo
Percorrendo caminhos de sonho e de magia

Ela continuava em sentimento
Estática abandonada
Linda
(Sol que eu tocava quente quente)
E meu Deus como queimava

Eu tremia
Transpirava
Suspirava
Inspirava
Expirava
Mas lá ia
Tacteando sempre
Qual ceguinho em noite de luar de prata a descobrir

E nos passos que dava
Incertos vagos inseguros
Ensaiava
Um momento tão intenso tão bonito
Que só posso dizer
Um momento assim
Será abraço terno com sabor a sempre
Que não esquecerei nunca

uma luz de abraço e de sonho

Há dias assim
Parece que não acontece nada
E acontece

Lá fora Inverno frio
Fevereiro
O Céu cinza o mar o espelho dele
Ruas desertas um barulho solitário
Um vazio enorme que até arrepia a alma

E quem diria
Não longe desse Inverno frio
Desse Céu cinza e mar igual a ele
Que havia um dentro
Um aqui
Uma luz intensa a iluminar-me todo

Uma luz de abraço e de sonho
De carícia
Que fala de flores de amores de Primavera
E basta sorrir
Pôr na face uma cor de laranjal e mosto
E tudo fica quente e consolado

Corpo mulher olhar rubor e sentimento
Divino interior
Que transborda e envolve
Tão divino
Que apetece entrar e ficar nele

Abraça-me e aquece-me
Guarda-me se puderes
Porque se o fizeres
Não haverá coisíssima nenhuma
Que me apoquente

Nem frio nem medo nem má sorte
Nem pesadelos
Haverá apenas um som suave
Um eu e um tu fundidos
Num tempo eterno a passar
Sem se dar conta

vou não vou

Tremendo a voz tossindo entupindo
Vou não vou
Devo não devo
Sou não sou
Que dou que tenho
Assim vou eu

Na última curva que faço
O embaraço cala ainda mais
Aperta o peito
Dói se dói
E repito

Vou não vou
Devo não devo
Sou não sou
Quem sou que tenho

Serei mesmo eu quem vai aqui
Ou um artifício que nada tem a ver comigo

Mas enfim o carro pára
E é entre noite e claridade
Que esta mente crítica céptica
De um momento para outro vira festa

A minha imagem esvai-se
Cala
Fico eu
Autêntico criança brincadeira
Em abraço mais abraço
Roda com roda
Um beijo um rosto uma carícia
A roda cresce
Há companheiros

Sorriso aberto em ti mulher que és vida
Flor amparo ninho
Novidade permanente em manhã celeste

Agita-se fogo em fogueira grande
Há arraial há gente
Há música no ar
Há amor
Caminha-se a dançar
Dançando se caminha

Há perfume de flores
Há campos prados giestas
Sente-se o mar quando se sente
Ora calmo ora agitado
Ondas redondas
Sal
Sensualidade

Ai que embalo que sinto companheiros
Que mimo
Que mais parece um regresso verdadeiro
Ao colo de menino

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