sábado, abril 28, 2007

retoque obrigatório na fachada

Ás vezes penso
que o que é dor de tanta gente
a quem não falta saúde nem dinheiro
aparentemente
é mesmo preocupação desenfreada
de adquirir sempre última moda
retoque obrigatório na fachada

depois logo ao sair da loja
encomendas todas sortido variado
ar vitorioso mas cansado
é-lhes revelado
que o último grito já era
que o vizinho o amigo têm já consigo
algo mais vistoso mais recente

desolação tristeza frustração
cabeça cheia de inveja inquietação
o sono vai-se o ego também
e o exemplo mostrado à família
ao bairro às redondezas
nunca é suficientemente inflado
por culpa da pressa
com que a abundância do comércio
se renova

ao menos a natureza renova-se sem pressas
e a abundância existe nela
em cada pormenor

a frugalidade o tempero os matizes
tanto requinte das montanhas às planícies
dos céus das estrelas brilhantes cintilantes
ao riacho pequenino
seco
inundado de silvas e de giestas
que passa na minha terra

só que o que é natural
é bem diferente desta vida artificial
em que todos tropeçamos

renova-se em abundância
à escala universal
e o universo não se cansa com isso
nem fica doente

filho de outubro

Fim de outubro
parece assim o fim de tudo
vão-se as férias vai-se o verão
também os restos que o outono guarda dele

vai-se a apanha da fartura
que faz dos campos
ventre mãe seio abundante
alegria da semente feita pão

parece ser prelúdio triste inverno
aridez de neve de chuva de granizo
agasalhos grossos gripes e frieiras
os primeiros frios
o cair da folha
mais um duro teste
a um tempo agreste

porém o ar naturalmente desolado
da vista da janela
em 1975 é contrariado

um rebento que tem nome de gente
quer que fim de outubro
seja primavera
continuação de abril revolução dos cravos

assim como quem quer
que não haja fim da esperança
quando termina o verão
as férias grandes as colheitas

aquele rebento
que tem nome de gente
teimou nascer
e afirmar ao mundo
que mesmo quando a folha cai
ou no pino do inverno
a vida nasce sempre
e o mundo não pára de crescer

segunda-feira, abril 23, 2007

não gosto de estar aqui

Nos teus olhos próximos vejo como estou
arrepiante
a amálgama velocidade pensamento sem controlo
as dúvidas os medos
tanto dentro de mim
no fundo dos teus olhos

Não consigo mentir
olhos de mim que tantas vezes não sabem que fazer
ordem de aguentar mais uma aula
um dever
esconder-me o mais que posso
só para o professor da matéria incómoda
mal sabida reprimida não me ver

não gosto de estar aqui
lugar de aprender aceitar-me regular-me
porquê(?)

a qualidade nem sempre está na velocidade
na idade na razão
no padrão aceite
mas aceitar isso com alma coração
e fazer de uma qualquer limitação
ali na tua frente
uma coisa natural que acontece
aceitar como normal não ser perfeito
em vez de o esconder sempre que posso

viver bem é fazê-lo com o que se tem
sem falsidade ilusão de agradar aos outros
em fachada desempenho
que dá cabo de nós

que se dane
estou nos teus olhos como estou
se fico se desisto ou se vou
só depende de mim
e do apreço que tenho por mim

Se esse apreço for grande e se não ficar aqui
há sempre tanto surpreender
tanto amanhecer com novidade
que só de pensar que há
apetece soltar em tanto engasgo
gargalhada forte e não ligar

vão-se

Vão-se

prisioneiros que me habitam
abro-vos o portão
definitivamente

solto as correntes
a que vos prendestes
feridas profundas
que transporto
tristezas que restam de outro tempo

Vão-se

o corpo prisão tornou-se livre
depois da revolução
os carrascos já se foram assustados
ficaram sem trabalho
guaritas sem guarnição

saiam medos e afrontas
pensamentos violados
mil registos de tortura
o vento que sopra é forte

vão-se

que agora sou eu
quem tem o leme do vento
que sopra forte e avança
derruba muros amarras
tanta dor de sepultura

vão-se

porque eu livre sou gigante
sou forte não tenho medo
nada nem ninguém me vai deter

sábado, abril 21, 2007

a tensão sai expiração

A tensão sai expiração
o corpo canta
qual sinfonia estranha
que habita
nas entranhas
do ser interior

parecem rãs agitando-se num tanque
ruídos lixo que guardamos
passado ausente ainda dentro

parecem sons de prisioneiros
gritos
que vão da garganta ao intestino
quem sabe detritos entalados
medos acumulados
que pedem atenção à nossa mente
para serem libertados

a vida é cheia de entalanços
de nós mais ou menos apertados
e o ser completo
dos pés até ao tecto
regista de forma bem diversa
os pormenores que enfrenta

uma simples palavra
ouvida ou dita antes
uma situação qualquer
por reflexo
pode revelar-se neste tempo
em acto quotidiano
de experiência vivida em outro tempo

talvez por isso
em tantos sítios situações
estamos bem
em outros não
sem que aparentemente
se vislumbre explicação

a vida princípio e fim

Marcamos a vida princípio e fim
um espaço finito
em que pensamos
que tudo acontece

acreditando na vida limite
tudo o que fazemos
tem um sabor a perda
nem o gozamos

veio logo se foi
comprei logo vendi
amei logo perdi

entenda-se a vida
sem princípio sem fim
onde flúem as situações
em ciclos eternos
matéria espírito que se renovam

afinal como as estações
como o nascer e o por do sol
como a noite que segue ao dia

queremos possuir agarrar
o que não é para agarrar
que nasceu para ser livre
fluir

conceito curto e mesquinho
que tanto nos faz sofrer
possuir sem entender
o evoluir da eternidade

que nos deixa ter usar
mas quando o ciclo se cumpre
há que saber largar
libertar
para que a tudo se renove

segunda-feira, abril 16, 2007

às vezes vou senão rebento

Ás vezes vou senão rebento
respondo a qualquer ordem escondida
do meu relógio biológico

enquanto vou animo e alivio
qual birra de menino pequenino
que não tem equipa para jogar
e tem que jogar sozinho

as falas dos outros não interessam
são sempre banais pouco atraentes
murcham os sentidos
nos intervalos grandes
entre tantos e tais enganos de um prazer maior

como que o dever esmaga
no dia a dia trivial adivinhado
na postura correcta fugidia
que esgota o ar e o olhar cansados

resta a solidão o desatino
como opção
opção que vira ritual relógio biológico
porque parece que ninguém nos compreende
nem existe à nossa medida

como nuvens espessas negras carregadas
que anunciam trovoada
que se não rebentam em trovões
clarões
águas de enxurrada
o ambiente fica denso tenso

e se não acontece nada
parece que não se aguenta
tanta energia acumulada

ontem regressava de um lugar

Ontem regressava de um lugar
outrora intenso cheio de futuro
agora não
um sítio que entristece

as dunas são as mesmas
até mais arranjadas
os acessos mais compostos
há frenesim e gente que as procura
em transito de abril sonho antecipado de verão

só que a minha alma vê a luz de cima
o areal imenso
que quase não termina
sente música de amor em cada arriba
mas sente pena

a pena que é dizer adeus
nas lágrimas choradas
outras tantas por chorar

valeu teu rosto virtual
mas actual
presente e lindo
que me salvou da neura entardecer domingo santo

com ele na mente também no coração
raio de luz na sombra do passado
regressei a este momento
conduzindo o carro velozmente
mais concentrado
e saí a pouco e pouco da armadilha
ilusão passado

animou-me até a ideia tonta
mas feliz e deste tempo
de no próximo dia em que te vir
rosto actual presente e lindo
te pedir uma fotografia
para trazer sempre comigo
para onde quer que eu vá

quinta-feira, abril 12, 2007

o que é bom é bom mais nada

Eu quero ousar e descobrir
em cada canto do Universo
em minha casa
no canto mais escondido de mim
do outro
em toda a parte
o prazer negado logo ao nascer
e que é um bem que se tem

quem nos quer mal
quem(?)
quem diz que é feio e não se faz
o que quando se faz sabe tão bem(?)

quem culpa quem
a mando de quem(?)

o que é bom é bom mais nada
ponto final

quem tem autoridade
de iniciar cedo alguém na sociedade
alguém que está só
cheio de medo
apontando-lhe o dedo
e trocando-lhe as voltas ao que é óbvio
e não pode ser(?)

será que choca alguém ser-se feliz
procurar saborear
as descobertas pequeninas logo grandes
que conduzem ao prazer
incutindo culpa medo
onde há tanta alegria entretimento vida

ninguém é dono de ninguém
só o próprio pode encontrar o seu caminho

há que vencer tanta barreira
que de outra maneira
não dá para passar
a outra geração
tanta raiva acumulada
tanta culpa ensinada

e a tristeza herdada é triste
tem que se dizer
faz cambalear morre-se
ao contrário da alegria e do prazer

por isso companheiro
não te culpes na jornada descoberta
limite dor de amar e não poder
sê de ti o teu melhor amigo
na procura desse bem que um dia vencerá
"o teu prazer"

segunda-feira, abril 09, 2007

poder pessoal e território

Sempre o desafio a competição
o esgrimir raiva com raiva
poder pessoal e território
a selecção na simples brincadeira
a comparação
o ver quem ganha ou não

classificados avaliados
violentados rejeitados
e o ventre longe mãe
já não pode ser muralha
guarida sítio bom
tudo vira campo de batalha

quase mortos de cansaço
feridas por sarar
sobram só réstias de sonhos
quando não temos mais nada
e ainda bem que os temos
que podem sempre ajudar

na noite no amanhecer
há que esquecer ultrapassar
novo fôlego a espreguiçar
na vida a querer ficar
no coração a respirar

pegamos nas forças que temos
a alma ajuda a animar
insiste-se em caminhar

cinzas atrás desalento
prados verdes adiante
farol renascer pulsante

mesmo quase a morrer
luta rija permanente
há razões para lutar
farol luzinha brilhante
vale sempre a pena viver

outras formas de crescer

De que serve tanto ter
a posse a disputa o poder
se feitas as contas da jornada
a porta da fábrica fechada

o stress acumulado com tanta negociata
verte discussão às vezes agressão
em família estátua modelo gasto
casa moldura rol de divisões bem decoradas
completas requintadas
serviços de jantar salvas de prata

tudo a enfeitar um hipócrita parecer
uma vida de sucesso
feita para enganar os olhos dos outros

porque o próprio
ou se arrasta em vidas paralelas
ou se equivoca a inventar negociatas
ou olha simplesmente para si
para a invenção que é
amarrada a uma certa tradição
tão infeliz

que é tempo de soltar asneira grossa
gritar mudar
fazer qualquer coisa boa
acreditar

mesmo que pareça já ser tarde
para trocar
tanta posse tanto ter
o desespero de tudo controlar
pela descoberta simples
da partilha e do prazer

é hora de aliviar tanto desgaste
em si e nos outros
e de tentar
outras formas de crescer

segunda-feira, abril 02, 2007

aqui como na vida

Estou entre o sentir-me pouco
e o sentir que é pouco
a rotina dos passos
a própria escolha dos espaços
o adivinhar quase o que se vai passar

a dança anima o corpo aquece
até transpira
o sorriso aparece
mas ficar com a escolha que resta
entristece

e é sempre a mesma sina
disfarço que chega
disfarço que gosto
e no desgosto
parto na dúvida em voltar

sei que a vida é selectiva
sei que uns são mais fortes nesta guerra
ou disfarçam melhor
mas se houvesse tarefas
mais novidade obrigatória
não se cairia na rotina
na escolha conhecida mais segura

introduzam-se tarefas
objectivos atrevidos
nada que seja complicado
onde a interacção a animação
evitem a multiplicação
de um certo sorriso de plástico

e que dê a todos
para além de tanto que já dá
uma partilha como a da criança
quando brinca

a qualidade então aumentaria
porque a criança sabe entreter-se
para além do disfarce

metáfora dos conquistadores

Se o mar for fundo
e se entender o risco grande
para a tradição de cada um
não vai dar para enfrentar
tão grande desafio

há sempre o Adamastor
as tormentas do cabo Bojador

só depois de ventos enfrentados
muitos sóis volvidos
amainadas as águas vencidos os medos
poderá arribar-se a uma ilha dos amores

uns viram velhos do Restelo
a maldizer a criticar
recusam o mundo a avançar

outros têm só medo do mar
preferem morrer de tédio
do que ir
acreditar

os que embarcam
são os que querem mudar
que sabem de um mundo novo
do lado de lá do mar

mas nem todos os que embarcam
são iguais no caminhar
um fuma muito a bombordo
outro bebe no porão
outro prefere rezar
outro afoga a solidão
olhando o infinito mar

vale o líder timoneiro
para guiar os marinheiros
consoante as horas que são
a nostalgia a euforia
os hábitos a fome e o cansaço
aceitar até a desistência
quando o momento fica sério

a uns chega um porto perto
a outros não
querem mais que ficar perto
esses querem chegar
aos quatro cantos do mundo
são grandes conquistadores
e há que os saber guiar

mesmo depois de chegar
há que bramir a espada
lutar
cimentar novas conquistas

que só após muita luta
noites claras a fio
muita ferida por sarar
chega enfim a recompensa
o merecido festejar

comem bebem cantam dançam
os bravos conquistadores
ondas do mar altaneiras
terra nova tão exótica
lábios ninfas risos de anjo

corpos quentes seios nus
peitos arfando gemendo
não da peleja mas de êxtase

há tambores índios amores
uma alegria tribal
na raiz um mundo novo

benditos conquistadores
que dizem não ao pecado
à moral ao proibido
vida em dança abundância
emoção para lá do medo

homens que vêem mais longe
e por isso vão mais longe

e por assim verem tão longe
e irem assim tão longe
mudam o mundo
fazem história

enfrentar os nossos medos

O aprofundamento na vivência é desejável
enfrentar a dificuldade interior
os nossos medos
que transbordam para fora
e nos fazem sofrer

sentimo-nos sempre pouco
indignos pecadores desajeitados
que não merecemos o que temos

há pois que libertar ousar
aprender mais sobre quem somos
onde estamos
o que queremos
de que gostamos

só que aprender custa
obriga-nos a mostrar
que uma vida não basta
para sabermos pouco

então parecemos trouxas burros
que não sabemos o que queremos
(e quantas vezes não sabemos)
pois importa esconder dissimular
o pouco que sabemos

fica difícil pedir trocar
descobrir a maravilha da diferença
voltar a ser essa criança
que tudo queria ver saber experimentar
e que perdemos ao crescer

ah se a criança quando o era pudesse aprofundar
se a deixassem correr saltar brincar
exteriorizar as malandrices todas
na intuição nas lágrimas nos gritos nos desejos
se não a matássemos
com regras julgamentos proibições
e não a transformássemos em adulto entristecer
sem o ritmo certo de voar
tocar gostar saborear

se não a transformássemos
no adulto sórdido chato oblíquo que somos
bem distante da raiz e da criança interior

Família espontânea


Só por medo de estragar
a esta família espontânea
não se pede para ousar
mais do que é habitual
a dançar a descansar a tocar a cochichar
de mão dada a rodar

porque apetece inventar
brincadeiras de brincar
outras sérias de agarrar
tudo para aprofundar
este encontro em que ficamos

e porquê não escrever
declarações de intenção
o que ando cá a fazer
o que quero receber
e dizê-lo por exemplo
numa cartinha de amor

só não se fazem mais coisas
neste nosso partilhar
porque gostamos tanto
que tememos estragar

se lhe dissesse o que queria
o que iria pensar
nunca mais a veria
porque nenhum ousaria
voltar aqui outra vez

melhor é não se inovar
só que sabe sempre a pouco
de tão bom que é dançar

que apetece continuar
ou com todos
ou com alguém em particular

poderia virar clube
uma família talvez
com uma sede uma casa
para onde a gente pudesse
correr para se abraçar
quer quando a vida doesse
quer quando apetecesse
dançar

mas são tantos os empenos
vidas mais vidas feitios
que juntar sessenta queridos
num sítio em comunhão
seria grande o desafio
e maior a confusão

para já com o que temos
para aumentar a descontracção
pensemos
nuns bilhetes intenção
com brincadeirinhas ou não

numas cartinhas de amor
nuns recados bem quentinhos
e aprofundemos os laços
salvemos o coração

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Livro "Mais poemas que vos deixo"

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