COnVIDa a assumir...
uma visão biocêntrica da atual crise do Corona Vírus
Hoje preciso assumir a minha necessidade de assumir. Assumir o que se sente em tempos muito desafiantes para aqueles que, como eu, gostam de presença, de contacto com os outros, com a natureza. Considero-me ‘um animal de rua’, pois assim que acordo, depois da minha higiene matinal, levanto-me e saio... Agora para meditar ao nascer-do-sol (quando o tempo permite) e começar o dia fora... tomar pequeno-almoço, lançar-me nas tarefas que são precisas e depois então voltar ao ‘escritório’ (que é em casa) e às entrevistas/reuniões/supervisões, que podem ser em ‘muitos escritórios’. Nota-se nesta rotina ar e diversidade. Algo que o confinamento e o isolamento social não... permitem! Porra, porra, porra!! Ou ‘Não corra, vá devagar’, como me dizia meu sogro em tempos muito idos...
Por tudo isto, preciso assumir que, com todos os recursos que tenho, com a certeza de que tudo passa e com a assunção de que a vida tem altos e baixos, os meus últimos dois dias foram uma... merda!!! Um conflito interior entre duas vozes, uma a puxar para baixo, entregue às emoções, de um corpo que sente o confinamento e a porra do isolamento, e outra a puxar para cima, elevada pelos mestres. O tal conflito corpo/mente de que tantas vezes falamos, exacerbado pelo tempo e pela falta de nutrição, do contacto (como tenho saudades de uma massagem, de um abraço), do olhar e da fala (como tenho saudades de estar na presença dos amigos, alunos, pais, família ecológica e biológica), do movimento e da expressão (como sinto saudades da dança e da criatividade), do mar (como tenho saudades das minhas ondas) e por aí vai, tantas as coisas para serem vividas, em presença e ao ar livre... E assumo isto, sem ‘fair play’, sem necessidade de ter que dar o exemplo que “está tudo bem”, “que tudo vai passar” e “vamos ficar todos bem”, pois isso já o sabemos! A Vida não acaba numa crise que COnVIDa a mudar... A Vida não acaba, ponto! Não precisamos que nenhum político ou governador, mestre ou facilitador ou médico ou professor nos diga isso. Sabemos!!! Ela (a Vida) anda por cá há milhões de anos! Mas está a custar? Está! O que fazer? Como fazer? Era aqui que eu queria chegar...
Muito importante: assumir o que se sente!
Eu sinto uma tristeza enorme! Por não poder sair, não poder relacionar-me, não poder encontrar. Tenho tido os meus filhos sempre comigo! Um privilégio, sim! A curtir, sim! A melhor coisa do mundo, sim! Mas já era assim para mim!!! Aqui nada de novo e, apesar de bom, falta tudo o resto... na realidade, faltas tu e tu e tu e tu e tu! Isso deixa-me triste....
Eu sinto um medo enorme! Do desconhecido, do que aí vem... a dar voz ao meu sabotador interno que me pergunta se vou estar à altura do desafio, se vou ser capaz. Medo de perder os meus entes queridos e separar-me daquilo e daqueles que mais prezo. Medo de perder o meu trabalho como facilitador, porque as pessoas também elas podem ter medo de se voltar a encontrar! Isto deixa-me com medo...
Eu sinto uma raiva enorme! Por tudo o que nos trouxe aqui, por termos perdido a conexão com a Vida, de tal forma que precisemos de um aviso tão forte e tão radical. Não veio uma guerra, mas veio uma guerra. Não precisei pegar em armas (que jamais o faria, ou farei), poder ficar no sofá, mas em ambas as (duas) situações, fiquei confinado, isolado! Estou furioso com as pessoas que, como eu, consomem e esgotam os recursos do planeta, que se separam e desqualificam (eu não!), que discriminam e vivem de forma egoísta e inconsequente (eu não!). Tenho raiva de fazer parte da geração que, em 50 anos, consumiu mais o planeta que todos os nossos antepassados até aqui!!! Isto dá-me raiva...
E assumo as minhas emoções, comovido, com a lágrima escorrendo quente e salgada pelo rosto, porque os meus mestres assim me ensinam. Para transmutar o que quer que seja, temos primeiro que tomar contacto com... Somos humanos, as emoções fazem parte de nós, tal como os instintos, as sensações, os sentimentos e os pensamentos, quiçá tudo isso, levando à expansão da consciência. Quiçá, porque depende de cada um!
Mas o que dizem os meus mestres?
Rolando Toro convida a dançar todas as emoções que te habitam: estás alegre, dança; estás triste, dança; estás com medo, dança; estás com raiva, dança. Como Pina Bausch também dizia: ‘dancemos, dancemos, dancemos, senão estaremos perdidos’. Ou seja, coloquemos em movimento todas as nossas emoções, pulsões, sensações, sentimentos e pensamentos, pois a Vida é movimento! A Vida é expressão! A Vida COnVIDa a ir para fora, ela expressa-se, manifesta-se. Razão pela qual, em Biodanza, Rolando Toro propõe a transmutação da raiva pela criatividade. Colocar uma expressão poderosa ao serviço da criação e não da destruição. Eu escrevo, eu danço, eu projeto, eu estudo; tu podes pintar, cantar, escrever, dançar, projetar, esculpir, moldar e tanto mais... pode ser criado e expresso. Podemos deprimir e destruir, ou sonhar e construir. E o caminho da espécie sempre foi o da resiliência, da transmutação, da superação, razão pela qual não pode ser de outra maneira. Grato a Rolando Toro e à sua metodologia, focada no movimento e na expressão!
Ontem via um post de Ana Maria Silva que comentava o seguinte: ‘Não é curioso que três das disciplinas curriculares menos valorizadas e com menos horas letivas – a Arte, a Música e a Educação Física – sejam agora a melhor forma de manter um certo equilíbrio e melhor saúde física e mental nestes dias tão difíceis de quarentena?’ (Monja Coen) Curioso, não é?
Já Omraam COnVIDa sempre a elevar os seus pensamentos, sentimentos e colocar-se ao Serviço de um bem maior, integrando a personalidade e a individualidade. Ele considera a personalidade a nossa ‘natureza inferior’ e a individualidade, a ‘natureza superior’. Ao invés de negar uma, ou exacerbar outra, ele convida-nos a integrar a duas. Dá até a imagem do cavaleiro e o seu cavalo e a necessidade de ‘domar’ a natureza selvagem, colocando-a ao Serviço de um ‘bem’ maior. Na realidade, poderemos ‘comparar’ estas imagens à integração da identidade em Biodanza. Onde na realidade todas as forças vitais, todas as forças cósmicas que nos animam convergem para a manifestação do divino no quotidiano e para a elevação do quotidiano para o divino. Ou, citando António Sarpe, numa das suas sessões sobre os Deuses Gregos: ‘O nosso corpo é um templo, onde os Deuses habitam e dançam’.
Agora eu sinto a alegria! Alegria por ter transmutado (fazendo por isso), assumido e aceitado as emoções que me desafiam. Alegria, por fazer parte deste momento de transição, rompendo com a geração destrutiva, consumista, egoísta e criando novos momentos e projetos, novas ideias e abordagens, aberto e permeável ao novo, tranquilo e seguro na Vida. Alegria, por não estar só, ainda que confinado e isolado, elevo-me para sentir a presença de todos os que estão alinhados, em ressonância e buscando uma Nova Terra. Alegria, por me teres lido, aceitado e reconhecido até aqui.
E fico ao Serviço da tua expressão, disponível para acolher o que daí vier. Cru, transmutado, vivo!
E agradeço a tua Presença, acolhedora, amorosa e integradora.
Cascais, 31 de Março de 2020
Nuno Pinto - + 351 96 289 43 74
Facilitador Didata Biodanza SRT - IBF - POR 0204
Diretor da Escola de Biodanza SRT do Porto
Diretor das Escolas de Biodanza SRT de Portugal
Prof-Adjunto Escola de Biodanza SRT de Portugal (Lisboa)
Membro fundador da Associação Portuguesa de Facilitadores Biodanza SRT
Membro fundador da Associação Diretores Escolas Biodanza SRT de Portugal e Moscovo
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