sábado, novembro 14, 2015

A rapariga era francesa ele tunisino


Nosso comentário:


Face aos acontecimentos da última noite em Paris, tenho que revelar uma memória que me apetece recordar. Não nos pormenores, seria maçudo fazê-lo, mas apenas uma nota apropriada e actual.
Apropriada porque tem exactamente que ver com um Tunisino (jovem da Tunísia) que estudava e residia na capital francesa.
Mas já lá vamos.
Eu e um amigo acabáramos esse ano (1966) mais coisa menos coisa, de entrar na Universidade, muito jovens ainda portanto. Eu na Universidade Técnica de Lisboa, ele na Universidade de Coimbra. Em gozo de férias grandes na cidade da Beira Alta que nos viu nascer, Pinhel, resolvemos ir até Paris.
Era Agosto.
Carregados com duas mochilas emprestadas, entre algumas lamúrias de nossas mães, lá partimos levando uns magros trocos de sobrevivência que nossos pais assentiram em dar-nos .
Na altura, há que dizê-lo, fazer isto era muito à frente. Os jovens europeus, raparigas mesmo, já andavam nestas andanças de "auto-stop" havia um tempo. Em Portugal davam-se apenas os primeiros passos. 
Salazarismo, ditadura, país fechado, pobreza, dificuldades imensas até para arranjar passaporte de turista, logo era compreensível esse atraso civilizacional de algumas décadas em relação aos demais.
Bom, mas não é minha intenção nesta memória, nem divagar, nem pormenorizar, nem maçar os leitores com pessoalismos da viagem.
Deixo desta feita à imaginação de cada um as peripécias intensas e inesquecíveis que ficam de uma viagem como essa numa idade dessas
Hoje, apenas quero, após os acontecimentos dantescos de Paris na noite passada , recordar sinteticamente o seguinte:
-Bayonne é uma cidade do sul de França. 
Ela fora, durante a viagem rumo a Paris, um dos sítios onde uma das "boleias" que nos foram dando simpáticos automobilistas nos pousou.
Um grupo de jovens que ali acampava por perto e quando a noite já caía, cumprimentou-nos e sugeriu que poderíamos passar a noite no acampamento deles. Acrescentaram que tinham uma ou outra tenda livre, não era longe e que não nos preocupássemos com nada.
Estávamos cansados, a barba já crescia, Precisávamos de pousar um pouco.
Intuitivamente aceitámos a oferta. 
Fomos muito bem recebidos e melhor tratados. De tal maneira que fizémos amigos. 
Na manhã seguinte vieram trazer-nos de carro ao cruzamento mais indicado de Bayonne para fazermos "auto-stop" e rumarmos a Paris.
Regressaram ao acampamento, num adeus bem cordial, nós ficámos plantados com nossas mochilas à beira da estrada. 
Ora bem, foi nesse cruzamento de Bayonne que travámos conhecimento com um parzinho (um rapaz e uma rapariga) que rumava também a Paris.
Conversámos bastante enquanto pedíamos boleia a carros e camionetas que passavam, Eles estavam primeiro, logo partiram primeiro. Levou-os um camionista de longo curso. 
Durante a conversa, e antes de nos separarmos, tinham tido a amabilidade de nos oferecer alojamento no apartamento em que moravam nos arredores de Paris.
"Quando chegarem lá (a Paris claro) disse-nos o rapaz, telefonem, não deixem de aparecer". Deixaram telefone e morada.
Realmente aparecemos quando aportamos a Paris. 
No seu minúsculo espaço/apartamento, pernoitámos na melhor harmonia e respeito mais de 15 noites que passámos na Cidade Luz.
Ela, a rapariga, era francesa, ele tunisino. Um par encantador aos olhos deste beirão que andava de olhos arregalados a descobrir a encantadora e sonhada Paris.
Pensei muito neles a noite passada, ao ver as imagens que passavam ao pormenor na televisão diante destes meus olhos de 2015.
Veio-me o cheiro desse tempo, toda a esperança e futuro que a juventude implicitamente contém, veio-me o cheiro a morte emanada do televisor deste tempo, Novembro/2015. 
Tanta gente para quem a vida findava ali sem dignidade, sem sentido, sem qualquer merecimento.
Fiquei triste, muito triste.

Fiquem bem, 

António Esperança Pereira




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