domingo, junho 30, 2013

Um burro esperto que deixou saudades...


Nosso comentário:


Por ser Domingo, por estar um calor dos diabos, pelo menos aqui para as bandas de Lisboa e Portugal inteiro, vou ser breve no meu comentário e remeter os leitores para um texto escrito por alguém que é filho do mesmo pai que eu.
O burro da história também tive o prazer de o conhecer, pelo que achei a memória "um mimo" e digna de ser tornada pública aqui no blog.
Oxalá os leitores se deliciem com ela como eu me deliciei.
De referir que o autor do texto mora no Grande Porto, que jeito para a escrita não lhe falta a somar a talentos pessoais incontáveis.
Fica então o texto/memória sob o título,
"Um burro esperto".
Desejo a todos um bom resto de Domingo e uma primeira semana de Julho sem sobressaltos de maior.


Fiquem bem,

António Esperança Pereira




“Um burro esperto”


Assim o meu pai mimoseava, com respeito, um asno que adquirira ainda em pequeno. O animal foi crescendo e, bem tratado, tornou-se num belo exemplar. De compleição física média e aspeto saudável, denotava certa altivez e um ar gozão, talvez mesmo trocista. Não imagino se essa qualidade era nata ou copiada do patrão, a verdade é que olhando para ele de frente, se deduzia com relativa facilidade tratar-se de um ser feliz, orgulhoso de si próprio.
O perfil, que pela rama tracei, ficará melhor desenhado com as 2 peripécias que passo a citar:

Quando o animal começou a ser utilizado nos serviços agrícolas, pouco mais fazia do que acarretar pequenas cargas e tirar água à nora. Nesta atividade é que viria a colher louros, desfrutando de rasgados elogios por todos quantos tiveram o privilégio de assistir. Mal era colocado em posição, o bicho arrancava a tal velocidade que as pessoas da rega viam-se aflitas para acudir ao vultoso caudal de água. Considerando que a passo firme se adquire uma velocidade de 6 Km/h, certamente o burrico puxaria os copos da nora à velocidade aproximada de 10 Km/h. Um verdadeiro espetáculo. Mas não esqueçam a esperteza do bicho, que não era subserviente. Duas horas volvidas, o pessoal da rega ficava sem água. Iam ver e o animal estava parado! A princípio tentaram de tudo, mas… nem mais um passo; se lhe pusessem pão-de-ló na frente, não se demoveria. Que nobreza!
Tratando-se de um “irracional”, para cúmulo sem alma, o que pensaria ele? “Tratam-me bem, acho que devo retribuir, mas há limites”. Os humanos foram-se habituando e já sabiam que, às duas horas (mais coisa menos coisa), a nora deixava de funcionar e o burro ia para descanso. E não julguem que no período da manhã era assim e que havia repetição no período da tarde; nada disso, o trabalho do dia estava feito! O meu pai achava-lhe piada e mais o gabava.

Outra caraterística interessante tem a ver com a carga que transportava. Se fosse coisa ligada à lavoura, ele achava que era seu dever ajudar e não se fazia rogado. Se alguém quisesse cavalgá-lo… aí o tipo afinava! Que pensaria? “Estes humanos, que nem aos calcanhares me chegam, vão cavalgar mas é o…”Era respeitador e não nasceu na zona do Porto, pelo que raramente terminava raciocínios malévolos, mas deduz-se o que gostaria de dizer. Claro que também aqui merecia gabanços do patrão.
Estava eu de férias, junto do meu pai e do quadrúpede, quando sou instado a tentar “amansar” o dito, tentando viajar até junto da Ribeira das Cabras (Pinhel), onde tínhamos uma vinha. De certeza que havia malandrice no desafio, mas de boa-fé aceitei, até porque já em tempos tivera alguma experiência (amadora) de equitação. Subi no animal e até ao portão de saída havia uma rampa. Pois sim, nem se mexeu. Para não ficar em pouco e como a distância ao portão (onde tinha de descer para o abrir) era pouca, decidi levá-lo à rédea. Lá seguia atrás de mim e de tal modo apressado que várias vezes me empurrou. Que pensaria? “Este gajo vai para os Rangers e nem andar sabe”. Eu ia satisfeito e muito convencido. Após o portão pus-me a cavalo e tudo correu bem durante cerca de 50 metros; quem visse o par, por certo ficava maravilhado; ambos garbosos e cada qual desempenhando o papel que lhe cabia. No final dos tais 50 m começou a descida, rumo à ribeira. Então o sacana decidiu vingar-se e optou por ir a trote, encostadíssimo à berma da estrada. Seguia pela direita (a ascendência não era inglesa), mas tão encostado às paredes que eu carregava duas preocupações: A de proteger a perna direita e a de não cair, hipótese por demais evidente. Mas nada de muito anormal sucedeu, certamente porque a intenção do burro não mirava vinganças de que a sua consciência viesse um dia a arrepender-se. Agora um parêntesis: Já andaram de burro, a trote? Parece que as tripas andam para cima e para baixo, nada que se assemelhe ao trote do cavalo.
Cheguei à entrada da citada vinha amarelo, mas feliz por ter chegado; ainda mal refeito do susto, logo bolei maneira de sair airoso: Seguia-se uma rampa bastante íngreme, agora é que era! Pois, o bicho não estava a dormir, nem sequer cansado, e também viu a rampa! Nem mais um passo. Desci e levei-o um pouco à rédea. O que pensaria? “Afinal o patrãozinho não é burro de todo, já percebeu”. Voltei a subir e o resultado não mudou! Só tinha uma solução, regressar ao ponto de partida. Tudo correu bem até recomeçar a subida. Aí parou e com o seu ar de gozo deve ter pensado: “Enganei-me, ele não percebeu”.
Conclusão: Apareci com o burro à rédea; o meu pai ria-se a “bandeiras despregadas”.
Um motor de rega viria substituir o animal que, embora com desgosto, foi cedido a alguém de confiança; em princípio, continuaria a ser tratado convenientemente. Deixou saudades.



Leopoldo Pereira 

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