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"O que tem que ser
dito"
Momento de controvérsia: a
propósito do poder nuclear de Israel e do possível ataque ao Irão e da recente
venda a Israel de um submarino, o sofisticado "Dolphin", num negócio
em que a Alemanha assume um terço do preço, o intelectual, romancista,
dramaturgo, poeta e artista plástico Gunther Grass, nascido em 16 de Outubro de
1927, em Danzig (posteriormente Gdansk), na Polónia, e Prémio Nobel da
Literatura em 1999, escreveu agora o poema "O que tem que ser dito",
que desencadeou uma nova polémica e causou mal-estar na Alemanha.
Autor dos livros "O
Tambor" e "A Ratazana".
Recordo que o seu livro "Descascando
a Cebola", publicado em 2006, constitui um autobiografia em que o escritor
admite que tinha brevemente servido nas Waffen SS de Hitler, aos 17 anos, nos
últimos meses da II Guerra Mundial. Foi ferido na guerra (em 1945), preso em Marienbad
(então Tchecoslováquia) e libertado no ano seguinte. É considerado uma figura
importante, incontornável mesmo, e uma espécie de "consciência moral"
da Alemanha, mas é muitas vezes acusado de ser "o eterno
anti-semita".
Sem mais comentários.
Se já conheciam o dito poema,
desculpem a repetição.
Por Gunter Grass*
Porque guardo silêncio, há demasiado tempo,
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.
É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atómica.
Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel] onde há anos
– ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a qualquer controlo,
já que é inacessível a qualquer inspecção?
O silêncio geral sobre esse facto,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coacção que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“anti-semitismo” se chama a condenação.
Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que há a dizer.
Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse facto, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.
Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque há que dizer
o que amanhã poderá ser demasiado tarde,
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa quota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.
Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causante desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controlo permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelense
e das instalações nucleares iranianas.
Só assim poderemos ajudar todos,
israelenses e palestinos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também. [*] Prémio Nobel de Literatura, autor de O tambor e A ratazana.
O original foi publicado no diário Süddeutsche Zeitung , assim como em The New York Times e no jornal italiano La Reppublica. A tradução para português encontra-se em Jornal de Negócios.
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Fiquem bem,
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