segunda-feira, março 30, 2009

nas minhas mãos um rosto


Nas minhas mãos um rosto
aparecido macio
rosa encarnada
mil sorrisos
em entrega aberta

o meu peito tenso
crente descrente
temente
atrevido arrepiado
preocupado
pela dor sem aspirina
de minhas mãos trementes

que desenho vivo grado
transbordante farto
eu tocava!

globo multicor de escola primária
terra mágica em cores berrantes
perfeita para a atónita criança
feita aqui forma feminina
deslumbrando-me a mim

no toque suave nela
embeveci pasmei
senti pensei humedeci
sequei transpirei insisti
sorri
dei recuei animei entristeci

mente e entendimento
tão complexos
intensidade a mais
impedimento
de ser simples conciso
preciso intuitivo
dado amante amado

bastaria no momento
abrandar a intensidade
formal mental
e tudo aconteceria
no mais tonto movimento
pueril primitivo rasca
tribal
de quem não pensa tanto
e vive mais

sexta-feira, março 27, 2009

estou onde estou


Seguro tuas mãos
sinto calor
e calo
porque o que sinto
é maior
do que o que tenho para dizer

o ar que entra
o ar que sai
na tua presença
é sublime hipnótico
não importa muito o lá fora
o dantes o depois…

fica tudo tão intenso
tão verbo no presente
que estar assim
nesta inspiração expiração
sossego de ti de mim
é tudo o que há
verdadeiramente

o resto
o lá fora
ficam para depois

esse conjunto de fogueiras
desafiantes obrigatórias
desgastantes
que acendemos
ou apagamos
consoante as coordenadas
em que estamos
e as possibilidades
que temos

mas agora pouco importam
coordenadas
possibilidades…

estou onde estou
com quem estou
e estou bem

de fina traça e graça


Tudo o que era velho na casa renovada
da cidade
pôs na casa de província
abandonada
de fina traça e graça ainda

coitada da casa antiga
ninguém lhe liga
parece agora fiel depositário
de carqueja

teve gente vida envelheceu
agora em vez de aproveitada
para novos tempos
novas missões…

cai-lhe velharia
que acentua a sua idade

olhando para ela
alvenaria
paredes grossas nobre extensa
bem enquadrada na ambiência

merecia não estar como está
indivisa
perdida no destino
á espera quiçá da última estocada

resta-lhe olhar observar
mais a chorar do que a sorrir
as zangas dos familiares
pela sua oblíqua disputa
por indivisa

um despeja outro vai lá
(luta inglória)
nervos em franja com o que vê
porque ainda lembra pai avó
e do insulto que o espectáculo é
á sua memória

devia defender-se o património
casas antigas palacetes
e talvez o Estado
se quisesse
pudesse impedir tanto lixo
no lugar errado

quinta-feira, março 26, 2009

cresci nessas serranias


Vamos defender o que é pequeno
dar-lhe incentivo
defender as hortas os quintais
os galinheiros
as couves os porcos nas marquises

as tascas onde se bebe
se arrota se desabafa
mas onde em cultura
nada se faz que faça Portugal

vamos ficar nos matraquilhos
na saudade de ser pobre
xaile preto medo espera
guerra
serranias vazias de um país adiado

cresci nessas serranias
nessa guerra sem sentido
nesses tempos onde
pobreza convivia com desespero
fome medo morte

onde para ler a carta do exilado
do emigrante do soldado
era preciso correr espaço
pedir a leitura por favor
em obediência lágrimas e dor
a um qualquer letrado
dos poucos que havia neste país arcaico

continuemos assim vá
uma enxada ao Zé
uns servicitos à Maria
uma empresa pequenina
que por ser tão escassa
nem se vá manter de pé

é continuar o Portugal com medo
condená-lo a ser pequeno
pobre inculto
incapaz de merecer
o que merecem os melhores

é ouvir a voz do dono
o sabichão que ordena
sem visão maior
ou horizonte
que não seja o seu
e dos que reinam na incompetência
dos seus pares

dê-se ouvidos a quem vê mais
que o fado triste
a aldeia pobre inculta gasta
pobre porca
os caminhos de cabras
os burros a enxada
os pescadores sem barcos

cresça-se sonhe-se com a Lua
com o saber a tecnologia
a cultura
o mundo dos vivos
o futuro o longe

não se apodreça nas curvas
dos caminhos velhos
salazarentos poupadinhos
onde …

ou se foi perto
ou não se foi a lado nenhum!

terça-feira, março 24, 2009

Rudolfo Nureyev eu


Esticava-me todo distendia
transpirava
os olhos cerrados em dança suave
luz reduzida

esquecia
eu diria que nada pensava
nada existia
só um corpo em chamas
a deixar-se ir

a música ajudava a alma aquecia
a viagem inebriada
o voo

a um tempo erguia
a outro caía

ajoelhava virava
crescia tombava

Rodolfo Nureyev eu
solto
absorto
crescendo crescendo
em salto rodopio
bolero de Ravel
a entornar
a fender a rasgar
a ir
no limite do ser

podia sentir-me sem exagerar
com os pés em Neptuno
um braço em Marte
outro em qualquer parte

o espírito inundado pelas estrelas

fiquei assim até a dança acabar
e a consciência acordar!

domingo, março 22, 2009

caixa de supermercado


Caixa de supermercado
compras q.b.
a fila era curta
o que nem sempre é

enquanto pagava
metia nos sacos
um produto dois três…
e quanto maior o desembaraço
mais me sentia empurrado
pressionado no pequeno espaço

foi então que parei
uma mão num saco
outra no cartão
e olhei
quem me empurrava

seria pressa?
compras sem ser?
reparei que não
vi peixe fresco
garrafas de vinho
coisas com sal presunto chouriço
um naco de porco
um cabaz bem farto

nem era pressa
nem compras sem ser
o motivo de tanto empurrão

mas sim o contraste

é que o meu cabaz
continha leite chocolates
rebuçados bolos sortidos
o que não ligava
com tanto álcool
tanto chouriço e tanto sal

talvez por isso a embirração!

quinta-feira, março 19, 2009

divórcio do vizinho


Homem de tino o meu vizinho
cumpridor
irrepreensível na aparência
exterior
e ao que consta também
na interior

um dia destes
sua mulher regressada a casa
a destempo
deu com ele agarrado a outra mulher

conta quem viu que nada viu
que não pudesse ver-se
um abraço um beijo
apenas isso
mas para a mulher foi o bastante
para fazer tremer o prédio
o bairro o marido
a outra mulher
tamanho foi o alarido

correu brandiu seu grito
nas redondezas na polícia
acabando por matar o mal pela raiz
no julgado de paz
separando-se do marido

ao que se diz
por mor daquele incauto beijo!

fiquei chocado com o facto
vida com dois pesos e duas medidas

na tv telenovelas
exemplares estrelas de cinema
filmes Hollywood e mais ousados
com cenas capazes de arrepiar cabelos de carecas
tudo se faz tudo se troca
beijos sexo parceiros mais que muitos
e ninguém se importa ou morre por isso

o meu vizinho por um beijo
não morreu mas quase
só por ter o azar de ser honesto
e quem é honesto
não tem direito a mais do que o que tem

fico a torcer por ele

e se é beijoqueiro
e tiver talento para actor
este foi o tempo certo
para tal azar lhe acontecer

e abraçar uma carreira
aceite pela plateia
pelos amigos pela família
pelas instituições sociais clericais
quase sem risco
e com muito mais proveito

quarta-feira, março 18, 2009

casa mundo realidade


Uma casa para morar
tem custos a suportar
água luz a prestação
o local
a vizinhança
os anos
cuidados com segurança

pode ser uma morada
em condomínio
de cidade grande
ou mais pacata isolada
seja chique ou provinciana

uma coisa é certa porém
nas diversas situações
há cuidados necessários
atenções
se descuradas
podem gerar convulsões

a água por exemplo
se vier da vizinhança
a luz o gás
(bens de primeira necessidade)
e se a relação estiver deteriorada
com os de lá…

de que serve palácio encantado
um bom condomínio fechado
sem neles haver
o que mais falta faz?

casa mundo realidade
interdependência necessária
desejada
contra postura orgulhosa
isolada

segunda-feira, março 16, 2009

descontentamento crónico


Que onda gigantesca de protesto
pés descalços gente sem cheta?

Não!

feudos de pensamento ameaçados
vítimas deste tempo aberto
tecnológico democrático
metidos em casas de cidades
isoladas estanques
olhando a ameaça que é
o vizinho empertigado
as novas soluções achadas
não entendidas pelos de antanho

esse passa agora em gargalhada
quando no tempo antigo
triste pobre enclausurado
só uns quantos poucos riam

ainda bem que muitos mais são mais
que o “luxo” de estar bem
se estendeu
a gente ex-simples e modesta

estes não são os descontentes
os que protestam
os outros sim
os que não querem entender tanta mudança
agarrados a antigos preconceitos
memórias idas
maneiras de viver apodrecidas

dá para pensar
naqueles que estão a trabalhar
dando duro o dia inteiro
sonhando com uma vida melhorada
pulso a pulso conquistada
porque não lhes caiu do céu
um qualquer mestrado ou fortuna herdada

são esses que vão na manifestação?

olho-os bem de perto vejo que não
as roupas o estilo a abastança
o acerto o riso e o gozo do protesto
vê-se que é gente de bom porte
dinheiro e tempo de sobra
para chatear quem trabalha e quem avança

os que realmente na vida caem em infortúnio
uma doença grave
um problema sério
um acaso que desgasta
não estão lá

sofrem em silêncio e ninguém liga
muito menos os que só se queixam
porque cuidam
que só eles têm barriga!

sábado, março 14, 2009

Europa unida


Um violino uma flauta um piano
notas musicais nos meus ouvidos
Mozart Beethoven Bach
acordes familiares
em Março frio na Europa central

Moldava Danúbio Reno

meu coração perdido na lonjura
português tão europeu tão solidário
com este sonho ousado
continente temerário

Europa nas mãos ágeis do piano
na elegância cultural dos tocadores
no quente da sua alma apaixonada
vertida no meu coração de viajante

que a música triunfe não a guerra

fomos grandes em história separados
seremos futuro exemplar unificados

ódio saloio para quê?
orgulho tolo para quê?
desconfianças xenófobas porquê?
povos que partilham os mesmos rios
os mesmos horizontes
fartos de guerrear por pequenez
para quê?

troquem sol por nevoeiro
nuvens densas por azul claro
troquem mais noite por mais dia
e que a diversidade
norte sul poente oriente
em vez de divisão seja estandarte

como o tocador de acordes
toquemos nosso violino
nossa flauta nosso piano
façamos da Europa inteira
uma orquestra afinada
unida
sem uma única fronteira!

sexta-feira, março 13, 2009

refúgio irreal


Refugias-te no mel dos teus sentidos
suave doce leve
bem melhor que o fel
das obrigações mundanas
desgastantes
amargas racionais arrepiantes

uma maneira de fugir daqui
e de antes
(recordações sensíveis
dolorosas lancinantes)

sinto-o sentindo-te
que voar é bom
fluir sem peso
na imensidão do Universo
encontrar ninho explicação
numa dimensão maior

só que vendo-te assim
frágil leve
só receio
que subas demais em devaneio
e que um qualquer dia ao acordares
podes já não estar aqui
mas num sítio imaginário

se isso acontecer
(que não desejo)
e com os dados conhecidos do saber
diria que o que fazes
é muito mais do que fugir

pode chamar-se …
desistir fantasiar enlouquecer!

quinta-feira, março 12, 2009

ponto final


O que se tem e que se perde
faz falta dói
não evito o apego a dependência
protesto grito
choro vivo aflito
no escuro da insónia
na astenia dos dias

fico um tempo lá

era fruto alimento
e foi-se
acabou
havia e já não há

na ausência sente-se a fome
que esmaga devora
que suga
procura-se amparo
um colo uma mão
mas o próprio amparo
dói como a ferida

até que um dia
o fundo da dor
o limbo do nada nos arrepia
e faz reagir
para voltar a ser

esperar o quê?
que aconteça o quê?
se a porta encerrou
se o caminho findou?

não há não há
terminou foi-se
ponto final

há que aceitar
o que acabou
há que arrancar
para outro lugar outro pomar
que aquele secou

sexta-feira, março 06, 2009

andar para trás


Andar para trás
para o tempo dos ideais
do matrimónio
da disciplina à cacetada
a ler ou a dizer a tabuada
(pimba zás burro toma lá)

tempo só exemplar
na virtude imaginada
de quem hoje tem tudo
e só consegue ver
que não tem nada

para que conste
nas ruas dos ideais
crescia bosta de animais
vivia-se em casas nauseabundas
no estrume dos palhais
fétido ar vida atrasada
dinheiro por haver nem esperança
alimento parco cemitério próximo

que bom que era
a vida porca a falta de progresso
a liberdade ausente
no mais pequeno gesto!

deve ser grande o vazio que dá
a fartura a qualidade que hoje há
para se sonhar com ideais assim!

porque quem já viveu
e quem ouviu contar
viu e ouviu coisas
histórias de pasmar...

doenças por curar
chicote a chibatar
metralha a disparar
fim de vida assim
não de cem
ou de mil…
mas de milhões!

ninguém lembra já o isolamento de antes
solidão sem horizonte
preto e branco serranias
olhos vendados
sol a sol no ganha pão escasso…

meia dúzia apenas de barriga cheia!

só posso rir quando se diz
perante tamanha evolução…

“que mau que isto hoje está”

rapariga bonita


Uns olhos claros rua abaixo
uma saia curtinha
meias pretas
altas
a fazerem ressaltar
umas pernas perfeitas

enquanto em baixo
na calçada
os passos dela
desafiam transeuntes

em cima
entre prédios semi-velhos
com varandas
numa nesga de céu
um bando de pombas
esvoaça

boquiaberto com o gosto
não emito som algum
nem mexo

Lisboa entardecer
que bafo bom
cidade Tejo
mar colinas
eu enamorado por viver
sabor a sol a caravelas
a castanhas assadas

e esta rapariga bonita!

que graça a dela
que graça a tua Lisboa
cidade mulher
qual das duas a mais bela?

eu sempre a olhar sem entender!

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Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...