sexta-feira, janeiro 30, 2009

inverno do lugar


Tantas vezes cruel
a realidade herdada
inverno frio geada
um ninho lugarejo
com sabor a fel

deambula-se mata-se o tempo
afoga-se o tédio
num qualquer veneno
para esquecer o horizonte escasso
ou a falta dele

a resposta em atitude confiada
perde-se na neblina
das colinas e dos montes
no mar irado de vagas poderosas

fica mais visível o “pequeno” de nós
o medo
a sombra que somos mesmo sem sol

a doença a noite
o cemitério inerte
agigantam-se mais que a bonomia
a vida
o frenesim do sonho grande

foge o entendimento de que tudo é passageiro
o mar irado
a doença a noite
o outeiro enevoado
só se enxerga falta de horizonte
para lá do nevoeiro

e há um lapso de tempo
uma quase eternidade
em que não se consegue ver
(perdidos no inverno)
que uma nova primavera
em um qualquer lugar
está por chegar

segunda-feira, janeiro 26, 2009

encaixe dos contrários


Queixemo-nos ou não
tudo encaixa na perfeição

aquele tem o outro não
ali há aqui não há
uma mão pede
a outra dá

há o que chora
o que consola
o que fala
o que se cala

como que a vida se arruma
pela necessidade
pela troca
pelo encaixe dos contrários

o não justifica o sim
o sim justifica o não

por isso a vida é assim:

o que mata o que morre
o que é rico o que é pobre
o que ensina o que aprende
o curador o doente
o trabalhador o indigente
o inteligente o otário

e assim sucessivamente…

sempre a aparecer solução
para cada situação!

sossego


Instalo-me em meu corpo
olhos sossegados
pratico absorto
leituras em que aprendi
fazer bem parar a mente
nestes tempos conturbados

inspiro o ar que entra fresco
consciente
reduzindo a quase nada
a actividade mental…

depois expiro-o lentamente!

os sons de fora de mim
que ouvia com intensidade
o vento forte
a chuva grossa
os carros a passar
perdem ímpeto
ferocidade

quase consigo assim pousado
a meditar
que o vento pare de soprar
que a chuva deixe de cair
que os carros ronquem
sem se ouvir

só ar
uma presença adiada de mim
no meu corpo
a respirar!

segunda-feira, janeiro 19, 2009

a guerra


Morte destruição
a anti-vida na decisão
dos “inteligentes”
que com toda a habilidade
nos fazem crer que é natural
matar

gases tóxicos bombas
crianças matadas ao nascer
barbárie civilizada
com eficiência requintada
a mutilar e a matar

e assiste-se quase sem palavras
sem quase condenar
ao espectáculo mediático
de gente de corpo e alma como nós
a sangrar a sofrer
e a morrer

acha-se normal a cinza dos destroços
o fim da vida no tiro disparado
o holocausto de sangue
presenciado no local
ou em directo na tv

NÓS
gente que supostamente ama
que tem parentes amigos
que tem coração e sente
achamos tal barbárie aceitável
“inteligente”?!

e condenamos facilmente
sem questionar
qualquer amor expresso
o riso o êxtase o sexo?!

ai poesia utopia ousadia
tanto que há por fazer
para mudar tais “inteligências
sem nexo”!

feridas maiores e mais pequenas


Que mal-estar irritação
nos causa uma ferida bem pequena

um dente cariado
uma verruga
uma unha encravada
um corte mal sarado
um olho que chora
avermelhado

tropeçamos embirramos
vociferamos praguejamos
até gritamos
com a atenção marrada
à incomodativa
minudência

por aqui se pode ver
e compreender
o sufoco que são feridas maiores
aquelas que numa escala de valores
(nota escolar de zero a vinte)
se aproximam bem
da nota máxima

há remédios para algumas
para outras
as mais duras
não há curas nenhumas

é então bem evidente
na grande adversidade
quão inócua é a dor do dente
ou outra similar
que nos fazem praguejar

só têm o valor que têm
(pouco)
na escala de valores
chateiam maçam
mas depois passam

a lei do mais forte


A fera enorme
grossa portentosa
acorda
olhos de sangue
boca cerrada
estica o corpo
afia as garras
prepara ainda quase inerte
a intuitiva habilidade
golpe letal em presa fácil

levanta-se espreguiça-se
agiganta-se
mostra ao espaço circundante
toda a força
a garganta funda
os dentes afiados
o corpo forte
que aonde se desloca
espalha morte

a vítima como sempre
lá está
para acalmar a fúria bruta
do agressor
patética frágil desengonçada
sem saber se há-de fugir
se resistir
se entregar-se

se fugir morre
se resistir morre
se se entregar morre…

tal a fome quente
que inebria a fera!

destino trágico este
do mais fraco
feminino suave pequenino
ante o déspota agressor
enorme feroz e sanguinário
que é mais forte!

quinta-feira, janeiro 15, 2009

subúrbios de mim


A garganta seca na situação
concreta

a boca fala
e com a ajuda da cabeça
articula descreve viaja
salta pula

instala-se o discurso
com deduções fantásticas
perante teu olhar atento
sou detentor inventor
de qualquer conhecimento

político profeta sociólogo
idealista
médico artista
sou poderoso rico
viajado viajante

sou tanto ali
intenso
no absurdo no concreto
nas histórias que conto
nas opiniões que tenho

que o tempo passa
depressa
e a palavra pequenina
que te quis dizer
e que se diz sem se dar conta
de tão breve que é

perdido nas voltas nas curvas
dos subúrbios de mim
dos atalhos de mim
das dificuldades de mim…

não ta disse!

quarta-feira, janeiro 14, 2009

dor e isolamento


Numa situação de mal estar
há que inverter a situação
mudar

pode-se procurar o isolamento
sair da confusão
para parar
reflectir pensar

a vida cansa
o labirinto assusta
a rotina esgota

nunca buscar o isolamento
como fuga
retirada permanente
sabe bem ir estar respirar
usar os sentidos todos
meditar

depois de um tempo
abrir os olhos ver
o peito está mais forte
os passos mais assentes
há que regressar

por os passos no caminho
com coragem caminhar

olhos nos olhos
mão na mão
transformar a ferida de antes
em poema em canção

o isolamento a solidão
são um desperdício
meu irmão!

controle posse infelicidade


As pessoas insistem na mentira
controle posse infelicidade
e transmitem essa mentira
aos outros
como modelo de felicidade

não assumem a essência do ser
de outra maneira
a verdadeira

ninguém gosta só de uma pessoa
a vida sabe isso
basta olhar para trás
para aqui
(passado presente)
e zás
sente-se amor por muita gente

finge-se pois o que não é
em desprimor do que efectivamente é

entre os dois lados
o falso e o verdadeiro
escolhe-se o que esconde
escamoteia a realidade
(energia pura a raiar felicidade)

murcha o peito
encolhe-se a vontade
sente-se e vive-se
a dificuldade
de falar direito
de transbordar felicidade

porque o poder
a organização estática
da sociedade
sobrevive melhor na vida arrumada
no consenso da moda
na mentira embrulhada
de verdade

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Poder perigoso


É prudente o silêncio como resposta
à ansiedade
defende-nos acalma-nos
pacificamos o ambiente interior e exterior

pode evitar-se uma investida
uma estocada
uma arma disparada

as ondas tsunami alterosas
poderosas
que rebentam
podem ser assim aliviadas
contidas
pelo menos adiadas

mas que força bruta incontrolável
a ansiedade!

amaina fica branda
até parece que se esvanece
que o silêncio a derrotou
cai a noite um novo dia nasce
parece uma praia de repente
com as águas em pacífico marulhar
de acalmia!

e de repente…

uma pequena brisa sopra
depois aumenta fica vento
multiplica a intensidade
vira tempestade

silêncio de medo
ao invés de um silêncio de paz
fúria raiva credo ai Jesus
e a ansiedade ataca outra vez!

quem dá colo cura aconchega
este menino tempestade
crescido amedrontado
feito músculo poderoso
que ameaça fere mata
sem saber o que faz?

determinação e gongorismos


Ai que tempo que se perde em gongorismos
da palavra
teorias prolongadas!

era para ir e já não vou
era para fazer e já não faço
era para alargar o passo
e encurtei-me aqui

parei nos entretantos
nas conversas consentidas
vitória das curvas complicadas
das ruelas sem acesso fácil
nem saída luminosa por estreitas

perdi as rectas planas amplas largas
cheias de velocidade e horizonte
e espaço
que num instante
ultrapassam os limites do tempo…
quedei-me num tempo parado na distância
medo noite
falta de liberdade

como quero mudar avançar
se ao mais pequeno contratempo
obstáculo
esmoreço hesito vacilo e paro?

como quero ser grande moderno actual
se tudo faço para ficar pequeno
antiquado retrógrado ancestral?

o sonho mora aqui
onde estou
e se animar com ele porque acredito
e não me quedar em labirintos
jogos de falar para entreter
logo virá o fruto que semeio
oásis novo no deserto de antes

passividade e feminino


Ouvir ficar passivo expectante aberto
mesmo que seja por momentos curtos
passageiros
em atitude atenta e receptiva
quietude
tem o seu quê de feminino

o outro manda dispara
sons palavras discursos
sermões ordens ameaças

quem tiver preconceitos
feridas não curadas
vindas talvez de outros tempos
outra idade
uma necessidade permanente
de afirmar masculinidade…

vai ficar tenso ansioso
quando ficar passivo receptivo
no contacto pessoal
em que para ele não é normal
levar encaixar abrir aparar
porque em seu entender
(cabeça perturbada
lição mal estudada)
isso é mais coisa de mulher

nas curvas contracurvas do viver
quem somos nós para julgar?

há que conciliar
dar e receber
masculino e feminino
no homem na mulher
porque em ambos tanto há
falar arrancar mandar
berrar caçar montar lutar

como há
ouvir ceder fragilizar fender
parar abrir calar

sábado, janeiro 03, 2009

Portugal meu amor!


Com espanto pasmo revoltado
ouço na tv um entrevistado
homem com nome quanto baste
para ir
a programa de informação
com o intuito de emitir
parecer político supostamente abalizado

que medíocre convite da televisão!

fiquei a saber pela opinada sapiência
que o país dele não valia coisa nenhuma
que em trinta anos só pior havia
nada mesmo
equivalia a melhoria alguma

mais dizia
que o país dele não merecia
o que merecem os melhores
as melhorias ficariam na Alemanha
Califórnia ou Japão
ou em Madrid
nunca no arcaico país em que vivia!

interroguei-me seriamente
se aquele ricaço que falava português
não seria americano espanhol ou japonês
pela falta de amor ao país
da língua em que fluentemente
se exprimia

mas não
era simplesmente um ex ministro velho
com saudades bizarras hoje
do Salazar do escudo da carroça
tais eram os insultos saudosismos
e outros ismos que culminavam
no culto de arrepiante pessimismo

no mínimo eu entendia
que o senhor que falava
detestava liberdade democracia
pelo que estas maltratam mordomias

ainda bem que Portugal é grande
e perdoa a portugueses tão “pequenos”
compreende-os ama-os na mesma
mesmo que o insultem o achincalhem
queiram fazer dele o bode expiatório
de invejas e fracassos próprios!

ergue-te Gama ínclita geração
de altos infantes
reis
trovadores
republicanos
liberais
navegadores
gente valorosa deste país enorme
jovens gerações irreverentes
competentes

digamos de vez a estes senhores
que queriam que o mundo português
fossem só eles
mais meia dúzia de lacaios…

que se calem de vez!

e deixem que Portugal se cumpra
com políticas hoje
em sonhos grandes
Camões Pessoa Florbela Alegre
painel infindo gente de valor
língua portuguesa entre as primeiras

país Portugal terra atlântica europeia
meu amor!

sexta-feira, janeiro 02, 2009

o sonho perto perto!


Fiquei frágil estonteado
a conviver
com possibilidade e impossibilidade
no meu fado

por um lado o desejo visceral
o querer

por outro
o mental com a sua frieza
racional

sempre tirando disciplinando
reprovando
qualquer iniciativa
movida pela intuição

no fim de contas
a eterna luta
entre o que sim e o que não

é mal? é bem? é assado?
é assim?
em que ficamos?

faz mal tanto julgamento
na intenção!

porque entretanto
no lapso de tempo em que há disputa
luta inconsciente
a oportunidade vai-se
e nada se agarra
nada se lucra

saio como entrei
pobre e sem vintém
com o sonho em águas de fartura
perto perto
que não agarrei!

quinta-feira, janeiro 01, 2009

tensão e meditação


Deixar ir a tensão
o ar preocupado crispado
com meditação
dar lugar à serenidade
uma postura confiante
esperançosa
em paz radiante

que melhor antídoto
para a agitação que é moda?
a agressão que grassa?
a complexidade que sufoca?

pode ser o recarregar da bateria
o descansar da actividade permanente
a pausa à inquietação
que nos devora

afinal se quisermos
basta estar parar e respirar

que mesmo em grande barafunda
caos
é possível recriar um espaço
neutro
no lugar

onde por momentos
e sem investimentos
a vacina contra o mal estar
acontece!

imitação evolução


Quem não deu já por si
a gizar um gesto conhecido
de conhecimento antigo?

a corrigir um acto
(condená-lo aprová-lo)
com palavras de hoje
ouvidas antes?

imitação natural
produzida em tempo diferente
que é o mesmo que dizer
progresso com diferença
qualidade acrescentada

não se pode falar de fotocópias
pai filho geração em geração
apenas cópias
aperfeiçoadas
modernizadas

tempos novos tempos idos
soma de ritos
repetidos de outra forma
parecidos mas mais evoluídos
na imitação e na sua aplicação

também enriquecidos pelo contágio
circundante
do estágio
cada vez mais avançado
da civilização

um povo armado


Um povo armado até aos dentes
num dado conceito
é forte teme-se
e quem o enfrenta
sofre morre
acagaça-se só de o ver
com os dentes de fora

o forte ataca mata
transforma em sangue derramado
frio
o sangue vida
que era quente

grita-se glória heróicos feitos
celebra-se a possibilidade tecnológica
de matar com grande jeito

os nómadas em parte
perderam assim a liberdade
o céu aberto
tendo a linha do horizonte como limite derradeiro
atrás e á frente

fecharam-se agruparam-se
ergueram muralhas no lugar
na ilusão
de assim serem mais fortes

só que os iguais olhando o feito
seguiram o exemplo sedentário
barricaram-se também
e as fortificações multiplicaram-se
anularam-se

ao medo antigo de errar pela pradaria
em grupos expostos pouco armados
deu lugar o medo novo
couraçado poderoso
mas isolado amedrontado e só

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Livro "Mais poemas que vos deixo"

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