segunda-feira, fevereiro 26, 2007

um par de namorados

Varanda sobre o Tejo
envolta em pinheirinhos
a turista oriental
bebendo o sítio Lisboa paraíso
disparando sem cessar fotografias
um atleta correndo
energizando o passeio ribeirinho

em jardins ornamentados
de meninos
um comboio amarelinho serpenteando
percorria
parque das nações século XXI

desligado do circundante transbordar diversidade
entretido abraçado e dado
um par de namorados aos beijinhos

fixei-me neles
e reparei
que havia um avançar da tradição
já nem tudo era proibido em pública alameda
o não se faz
o tem cuidado
o parece mal de antigamente
não faziam sentido nenhum
nem era debochado o que se via

pois à medida que aqueciam
e se tocavam
que o calor no rosto e no corpo apertava
com subtileza ele e ela encostadinhos
revelavam educação

sempre que se apertavam mais
olhavam
ele aproveitava enquanto olhava
abria o casaquinho e tapava
os braços nus e mãos pendentes dela

e quando chegara função momento certo
os olhos deles certificaram
preocupação
um lado o outro lado
para não incomodar

foi então como por milagre
que o trânsito de gente fez clareira no local
uma pausa total

houve um trovão
vertendo em relâmpago clarão
rubor envergonhado feliz apaixonado
e tal como em ambiente carregado tempo trovoada
que tudo fica quedo tenso até que a chuva irrompa
assim ali aconteceu

depois o temporal passou
e o barulho vulgar do sítio
os transeuntes
os gritos de crianças
voltaram ao habitual
como se tudo apenas tivesse feito uma pausa necessária

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

português aventureiro

Luzinha coração em brilho rosa
corpo desajeitado à vista exterior
vagueava só no seu comando
ia até onde podia
e ninguém esperaria tanta distância

mas ele podia mais do que parecia
porque as ninfas e os sorrisos delas
fofinhos perdidos redondinhos
o chamavam
era assim um roseiral vertendo para fora
e ele ouvia o longe aqui
épico romântico poeta português

branco areal praias esquecidas
mar azul tão cristalino
longe tão bonito
ponte barco de Lisboa
corpo inquieto aventureiro
sequioso
um pouco louco
(que perigos não receia mal os vê)
que fez o mundo parecer fácil

e sonhou
foi marinheiro viajou
em barco timoneiro
viu descobriu viveu amou
embarcou português de aqui
regressou português do mundo
e semeou
jardim oceano ilha dos amores

quem dera que o mundo fosse assim ingénuo
viagem poema amor saudade
grito de um povo tão bonito
ir ficar voltar
amar
ponte barco de Lisboa
sempre a partir sempre a chegar

até parece às vezes
pensando Camões inspiração perfeita
que haveria mais flores
mais ilhas dos amores
se o mundo fosse todo português

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

se um dia fores embora

Sinto-te a última fronteira
e se um dia fores embora
(eu sei que um dia vais)
não me deixes descobrir
porque vou sentir a pena toda
de quem se sente morrer

não mais irei plantar
semear
viajar
acho que tudo o que tenho vai
murchar
as pessoas as plantas os lugares

quando fores diz só que vais ali
que vais à loja
ou que vais à fonte beber água
como alguém me dizia em pequenino
só para não ter medo de ficar sozinho
e para não chorar

mesmo assim eu tinha medo e chorava
com medo mesmo de ficar sozinho
perdia a vontade toda de brincar

nunca pude evitar que as pessoas partam
e partir é morrer um pouco
quando não é mesmo morrer

não posso ficar com as pessoas todas
de quem gosto

fico sem coração

Eu queria não querer tanto e não consigo
os extremos paralizam-me
confundem-me
fico um impedimento de vida
uma voz que mal se sente

parece que só vivo se fizer por isso

fico sem coração
sem pulmões
sem imagem
pareço esquecido dos outros

uma ressaca dos extremos de mim

e por mais que tente
reunir equilíbrios
colorir-me a toda a hora
o filme resulta quase sempre
em preto e branco

como que moro nos limites da vida

a mão na mão

Quando seguro a tua mão
sinto mais força e amor
sinto que a tua mão e a minha
e muitas mãos assim
poderiam ser um círculo de paz
e dar a volta ao mundo
para o abraçar

com a tua mão na minha
é mais fácil
resistir viver sorrir

que bom seria
que mão na mão
todos juntos
virássemos canção

e transformássemos
este mundo agressivo
complicado errado
num cântico infindável de ternura

sábado, fevereiro 17, 2007

o caos

Na perspectiva de um céptico
cada passo dado
é menos um passo que se dá

e não fora o instinto
de sobrevivência
a necessidade de amar
odiar
comer
falar
do enunciar dos verbos todos
com as terminações todas
não faria sentido
a caminhada

caminhamos
porque temos de caminhar

o programa que nos rege
aponta no sentido inevitável
do chegar

ainda bem que somos distraidos
que temos tarefas de sobra
e nem nos damos conta disso

porque se a consciência
fosse mais atenta
e se desse conta
seria o suicídio colectivo
o caos
e não haveria Deus

adeus nunca

Hoje mesmo entendi
que é melhor não dizer adeus
do que dizê-lo

nunca mais a tinha visto
telefonara-me depois de tanto tempo
e fizera renascer uma quimera
um estonteante apetecer
mas o rumo da vida estava outro
a encruzilhada de ambos não era encruzilhada
apenas dois nomes e dois olhos que se quiseram muito

e o tempo passava sem sequência
nem partilha
apenas no ar a expectativa gerada
o acontecimento por acontecer

e foi por isso
porque pensava muito nela
o que não acontecia quando não sabia dela
que resolvi dizer-lhe adeus

e disse-o como se houvesse entre ambos
algum grande compromisso
tão zangado
que barafustei aos gritos
e desliguei determinado
pensando assim reencontrar a paz

fiz mal porque fechei uma porta aberta
daquelas que o são para a eternidade
e que vinha já dos tempos de criança

pensando serenamente no que fiz
acho que nem mesmo perante a morte
voltarei a dizer adeus

não me despeço
porque assim
deixarei a porta sempre aberta

vizinha do lado

Chama-se Marta a vizinha do lado
soube-o não porque eu lho perguntasse
ou falasse com ela
é sabido que ninguém fala com ninguém
num prédio grande
mas porque descera-mos juntos no elevador
os andares todos
dez
calados os dois
como é habitual nestas situações
e no fundo da viagem
no hall do rés do chão
uma voz vinda da rua berrasse então
Marta!

era o nome da vizinha e companheira de viagem
saíu esbaforida abraçando o abraço que se abria

e o silêncio que lhe conhecia traduzido em passos
um ou outro ruído breve
virou vida energia correria
reparei ainda
em olhar discreto quando corria
que era nova elegante bonita
feliz e real em carro que partia

eu fiquei ainda a vasculhar
a caixa do correio
e de tão absorto que me encontrava
nem dei conta que importunava
em frente do elevador
uma senhora carregada de compras

que tentava entre mim e a porta aberta
meter os sacos de compras e meter-se a ela
para depois alcançar
o seu casulo abstracto
de um qualquer andar

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

cacho de mãos

Meio levantadas meio dadas
são mãos de um corpo que caminha
em compasso lento pela sala
como quem ensaia os primeiros passos

tímidos desequilibrados
mundo circundante tanta gente
encontramos animamos
tropeçamos desanimamos
corrigimos
sempre muito lentamente
em cidadania civilizada correspondente

e se no cacho de mãos que encontramos
umas fogem

outras não

ficam nas nossas
entendem-se saúdam-se
bebem-se agradecem-se
depois despedem-se suavemente
e segue-se em frente

às vezes quando a balbúrdia aperta
apetece sair do burburinho
ir fora dele respirar um pouco a sítio calmo
ao rio ao deserto à serra

mas logo fica frio e quando o ânimo volta
o coração aquece
e volta a precisar de gente

regressar ao desafio
tropeçar em gente
à presença conforto e desconforto
burburinho

ora apressando o passo sonho abraço
ora temperando o movimento

parando sentindo
quase agarrando o macio dos sentidos
o toque
o singelo bom roçar da vida perto
o momento único que passa
porque é bom mesmo a passar

terça-feira, fevereiro 13, 2007

"sorry americans"

Já lá vai o tempo em que tudo estava arrumadinho
cada um sabia o seu lugar
um nascia para servir
o outro para mandar

havia o soldadinho
guerra por fazer
o que ia para o Brasil
regresso por marcar

depois havia a França para sonhar

havia o são e o doente
a senhora e a criada
o padre o ministro o presidente
a cidade o campo
os estudantes e as ideias deles
a terra e o pão que a terra dava

e de repente
assim sem se dar conta
qualquer miúdo se vira ao professor
qualquer puto traquina desafia a autoridade
e parece que o segredo agora
é sobreviver enquanto se pode
e a vida deixa

será que este desatino
esta vida de falta de respeito
desarrumada
terá que ver com a reviravolta
que pôs meninos a mandarem nos avós(?)

reparem só
no mau exemplo que é
para todos nós

serem americanos
meninos que aprenderam com ingleses
ou mesmo os brasileiros com portugueses
a terem mais poder mais armas mais cagança
que seus ancestrais avós(?!)

por uma questão de lógica
cabe perguntar

será que estão para aparecer
escolas casas e quartéis
com meninos poderosos e altamente armados
a dominarem professores pais e coronéis
amedrontados(?)

um doce já

Havia de ser já mas não é
e isso dói
é tanta a fome e vil tristeza
que todo o tempo
mesmo curto é muito tempo

nada distrai
nem o debate presidencial
nem as cheias de dezembro
nem o atentado impune em que se mata
nada

só a ideia fixa de encontrar um doce
um bálsamo
na dor do tempo
na imensidão deste deserto
nesta luta cada vez mais imediata

e encontrar sentido em pouca coisa
num doce
isso mesmo num doce
faz sentido

num tempo árido e sem voos altos
nem distâncias ou dimensões novas
um doce
mesmo pequenino
é bem melhor que nada

amar por ciclos

Desilusão
equívoco
desatenção
são as palavras que me ocorrem
quando dou por mim
a dar razão aos pragmáticos
mesmo nas coisas do amor
em que nunca a dei

quando quiser amor de verdade
escolho no cinema boa história
que aqui no palco realidade
egoísmo é demais e falsidade
e dar-me assim aos outros
como quem dá o coração
passou à história

venceram os pragmáticos
calculistas
os que pensam entre uma gargalhada
e uma mija
entre um pontapé no estômago
e um "vai-te foder"

consomem
deitam fora
e repetem ciclos destes
como quem semeia
um mundo novo de pretensa eficácia
e total desprendimento

com eles temos de aprender
os que ainda herdámos coração grande
amar e parar
amar por ciclos e entusiasmos mecânicos

um coração grande está fora de moda
e não tem espaço para ser utilizado

constato isto com mágua
mas é já uma mágua mecânica

Portugal agora(?)

Trabalhar produzir pagar impostos
levar trolha também uns rebuçados
país supostamente vivo
Portugal
encostado vexado
vergado

aos senhores da europa aos senhores do mundo

que fazem o jeito (também proveito)
de nos dizerem
a nós portugueses
a nós que nascemos aqui há novecentos anos
que somos europeus
e dizem-no como quem diz

animem-se cuidaremos de vós

que prenda que nos dão...
e apontam-nos o caminho com o dedo grosso
poupam dívidas aos caloteiros pescadores
das ilhas dos açores
aos fruticultores do oeste
aos vinhateiros do douro

qual pai tirano com gesto educativo de bondade

agradeçamos pois
tanta bondade
lá fiéis somos
e bons
e grandes
eu até diria mais
somos um povo que não merece desfalecer assim
numa bondade tão branda e sem glória

ainda não há muito que o Xico da quintã
foi emigrado para França
e o coitado lá deixou tudo até a vida
os filhos
uma espécie de africano branco
a quem a vida deu trabalho árduo
uma língua esquecida
uma pátria negada

acabou ali a história do Xico
trabalhador português
africano branco
num qualquer caminho de França

será assim que vai acabar também
o nosso Portugal(?)
com a felicidade na ponta dos cifrões
e distribuição de sexo nas televisões

os "senhores" vão-se aguentando
e bem...

que importa o Xico
e o sangue português vertendo França
tudo vai calando tanta infelicidade que vai dando
tanta felicidade(?!)

que mais não seja para defender um salário mínimo
pago com muita dedicação
empenho e até afecto
pelos cartolas das multinacionais

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

"inducação"

Confrange a "inducação"
gorda
desbocada
capaz de cuspir na sopa
e escarrar no chão

dona de lugar
barriga cheia
comezainas e dinheiro
marido a ajudar
(coitado dele)
compra por dez
vende por cem

a filha dela
uma rapariga cheia de atributos
frequenta universidade privada
mais por ser burra
e ter escassa nota de candidatura

ir às aulas de autocarro(?)
quem(?)
a menina(?)
isso é que era bom
de mercedes pois então
porque a mãe opina e faz questão
de fazer dela vedeta

a filha tem que ser do jet-set
e aparecer na televisão

ficar ali no lugar
a trabalhar
chegou a mãe

e berra isto em toda a gente
que faz dó
a quem tem dois dedos de testa

mas digo eu
que não tenho nada a ver com isto
aparelha-se o burro à vontade do dono
e tanto dinheiro em tais mãos
senhores
só pode dar borrada grossa
e confusão

ver burro aparelhado de cavalo
sem tamanho
nem dimensão para usar tal sela
e ver que tais vedetas
proliferam cada vez mais
entre os lisboetas

é caso para perguntar

com dinheiro assim
a botar figura
em revistas nos jornais
e outros lugares que tais
para quê um ministro da cultura(?)

separação

Ainda ontem
tinham-se um ao outro sempre perto
os lábios ardiam
sequiosos de se darem
de beberem
porque era seiva fresca
e amor total que ali havia

eram eles a primavera
pétalas de amendoeira em flor
nascentes cristalinas
risos de encantar

e de repente

que foi que se passou
que vento ali soprou
naqueles rostos fechados
zangados
perturbados

terminou tudo
o olhar
a saudade permanente de se terem
o partilhar singelo de uma vida quase toda
e que vinha dos bancos da escola

tudo insuportável agora
o amor
a amizade
o tanto de tudo num tempo grande
desbaratado assim

secou a fonte
sabe-se lá em que labirintos
raivas desamores
sabe-se lá quando e porquê

mas para quem os viu
e agora os vê
para quem foi deles admirador
amigo
é aterrador de ver
o pântano em que caíram
que está a consumir os restos
de um exemplo de amor
de uma partilha de vida

e como sempre
a partir daqui
nada mesmo nada
irá ficar como dantes

sábado, fevereiro 10, 2007

um filho de janeiro

O dia amanheceu diferente
não era que não fosse um dia como os outros
mas algo acontecia
que fugia
ao trivial ao corriqueiro

era janeiro e tu nascias
futuro sequência vida que começa
e se agradece não se sabe a quem
porque é muito o que se quer agradecer
e não há palavras nem gestos para o fazer
fica-se assim como eu fiquei

sério
contente
sem jeito
sem olhos grandes que pudessem fixar o instante
o sorriso permanente que virias a ser

dá para lembrar o céu da minha terra
onde o luar em janeiro é lindo
e a lua cheia encanta a noite
emprestando-lhe calor
nos frios rigorosos das geadas

não vejo esse luar aqui cidade grande
com holofotes
néons
iluminações

mas como nasceu aqui
uma estrela brilhante
especialmente bela
quase esqueci
que da minha rua não vejo a lua cheia da minha terra

a estrela que nasceu em janeiro
Lisboa em ti
vê só
tem rosto e sorri quando me vê

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

estar aqui

Faço viagens a lugares perdidos
onde se pode ficar sem regresso
desponta em cada dia um vício demolidor de repetição
deixo cair veleidades de mudança
em atalhos que nunca são caminho que sirva

e ouso loucuras que se situam para lá do razoável
repetidas sempre até à exaustão

que teias que labirintos
que escuridão que desperdício

eu sei que há sol a nascer todos os dias
e que coisas bonitas e sonhos não faltam
sei que há orvalho e madrugada e amor
aqui mesmo à minha frente
que da terra despontam vidas e abraços
e das colinas pode acenar-se para o céu e ver azul
e ver-se longe e alto

que ingratidão que sou
falta-me força para ver tão longe e alto
e esmoreço e fico fraco

subúrbios da cidade regatos nauseabundos
lixeiras fedorentas entre a colina e o céu

apetece gritar sair daqui
cada vez há mais subúrbios

e tempo que passa sem me ver

que extensão de vida que sou
que não tem nada a ver com isto

terça-feira, fevereiro 06, 2007

corpo e espírito

O corpo é tão pequeno
um metro dois um pouco mais
todo tão perto
todo sem distância
cabe quase no buraco de uma agulha

e se visto com outros misturado
em Cantão
na Índia
ou Saigão
que triste sensação de pequenez
de apoucamento
cem famílias em modesta embarcação
várias outras em parco apartamento

ajudam esta pequenez é certo
os barcos os carros os aviões até as bicicletas
que o transportam um nada mais além

mas que comparação grosseira e desigual
entre corpo e espírito

é como comparar um grão de areia e o infinito
a unha do dedo polegar e o universo todo

porque o espírito é um saco cheio
de lonjuras e lugares perdidos
de sítios inventados
de lugares achados
escondidos

o sonho
a imaginação
o pensamento
não têm dimensão

o espírito vai para lá do infinito
não cabe em nada porque é imensamente grande
e vai aonde quer e para onde quer
tem a dimensão que lhe quisermos dar

que será que lhe acontece
quando aquele pequeno corpo desaparece(?)

domingo, fevereiro 04, 2007

um objecto apenas

Se eu não falasse
se não visse
se não sentisse
se fosse um objecto apenas
pousado na calçada que tu pisas

se o vento soprasse
e eu fosse leve e levantasse
na brisa
e fosse apenas o que era
uma coisa que abrigasse nada

já não sofria
já não pensava
nem via o que queria e o que não queria

tu poderias pisar-me
não sentiria
tu poderias dizer tudo
não ouviria

não amava
não chorava
não ria
apenas existiria ao sabor do vento
para quem quisesse pegar em mim
ou não quisesse

e poderia inutilizar-me simplesmente
que eu nada mesmo nada
sentiria

mudei a tradição

Desta vez falando ao telefone
pessimismo assegurado em outras falas
trocando mal com mal
desgraça com desgraça
naquela conversa de jornal
que levava sempre a um cansaço inútil
a um dar e receber em função da tradição
do que o outro queria ouvir ou não

desta vez mudei a tradição
a conversa não seguiu o rumo habitual
montei a fala num cavalo alado
em vez do cavalo cansado usual

falei da parte positiva
do que tinha
do que dava
do que me davam
de quem me queria
de quem amava

senti-me grato pela vida
por tanta coisa boa maravilha
e argumentava de forma construtiva
divertia-me falando entusiasmado
ria

tão lúcido inspirado
tão feliz o tempo todo
que finalmente contrariava
o registo deprimente obrigatório

e a fala de lá que em outras falas
falava falava
cansava cansava
esgotava esgotava

desta vez
com tamanho optimismo do lado de cá
perturbada talvez
desligou

vá-se lá saber porquê

vais casar

Ainda ontem trocava contigo sonhos e apertava a vida
qual louco que sentia
que cada momento feliz contigo era tempo que fugia
e eu sabia

mas naquela felicidade
de quem sente um suave amanhecer
quando o sol já vai alto no horizonte
fazia que não sabia

como o tempo passava meu deus
junto de ti mal chegava já estava de partida
eram poucos os abraços eram poucos os olhares
tão pouco de ti num tempo muito
tempo sem tempo
espaço numa clareira apertada
onde a luz mal se mostrava logo se ia

era sempre maior o desgosto que sentia
era mais a mágua que colhia
no evoluir singelo do teu corpo
no apertar inseguro dos teus braços
nas meias verdades que dizias
para me poupares talvez

sim porque foste sempre um anjo
no lugar reservado que me deste
e que eu não merecia

talvez por isso eu corria sempre
na ânsia de uma dimensão qualquer onde coubesses
na ânsia de me envolver num apertado abraço e eterno
que me desses

queimava o sol do sul
ardia meu coração em festa
andavam gaivotas alvoroçadas com o passar com tanta pressa

e de repente
como todas as histórias afinal reais
soube por ti que vais casar
(nada que eu não adivinhasse)

e embora sinta que o fazes com a mesma ingenuidade com que contaste
histórias de pasmar
naquele tempo pouco que me deste
naqueles momentos que inscreveste
na minha história

e que para ti casar
é tão simplesmente ires ao altar
mostrar ao mundo o teu coração grande

mesmo assim eu fiquei triste

jovem catequista

És uma flor a desabrochar
e talvez porque agora aquece e é verão
desejas colher frutos proibidos
desejos escondidos
voar mais e aprender vida

ser catequista fica bem mas cansa
eu sei
manter uma pele de anjo
sempre
cheia de sombra e de frio
entre santos de que sabemos pouco
entre padres que não enganam santos

longe de sonhos de paixões
agora apetecidas logo rejeitadas
num mundo de ilusões

ser catequista e casta
sempre
assim composta em arranjo fino
sentir pecado em tudo
todos os dias
com o ar mais santo

até para uma catequista
(sobretudo para ela)
casta e pia
sem poder com verdade verter o que traz na alma
todos os dias

bolas minha amiga
que grito necessário
URGENTE

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

obrigado companheiros

Obrigado companheiros
pelas palavras que são ditas
pelos olhos que passam
e que aceitam os meus
pela coragem que transmitem
pelas mãos com que me tocam
pelo abraço disponível
que me abraça

obrigado pelos sorrisos
pela escolha que mereço
pelas mãos em roda na dança
ou na carícia delicada

obrigado por estar no meio de vós
passageiros como eu pouco encontrados
ou em compasso de mudança
por dentro e por fora

obrigado ao poeta que criou o sonho
Rolando Toro

obrigado pelo momento amargo
em que fico só e ninguém me vê
assim consigo ver melhor a falta que me fazem
e o estado em que estou

que a viagem continue
e nunca pare
e que os abraços perdurem sempre
que se estendam
ao Iraque ao Líbano à Somália
a todos os lugares cheios de tédio
de dor de morte
e que a dança a música o beijo
sejam entendidos
e que a vida viva
ou pelo menos sobreviva
lá como aqui

obrigado pelas mãos dadas de todos
senti-las é já uma necessidade
hei-de levá-las comigo
para onde quer que eu vá

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...