segunda-feira, novembro 27, 2006

outra primeira vez

Que fome de SER e que medo
diante de um mundo de caras diferentes
que dou
que tenho
que ofereço
que amigos
que digo
que faço
quem escolho quem brinca comigo
tal como na primeira aula de francês

que castigo se falo(?)
que castigo se mexo(?)

vindos de lados diferentes
juntos na dúvida
na mesma turma

que sonho(?)
que ali(?)

na carteira ao lado
no olhar mais brejeiro
o som das palavras que a professora entoava
não significava muito
porque a turma sentia no meio do medo
do primeiro dia de um passo novo
que havia tanto por vir mas tanto
que juntos no cheiro no riso no remexer nervoso do livro
nas faces rosadas
que mal se ouvia
a voz compassada e suave
às vezes grave
que justificava para nós a vida a nascer
perdidos e achados
numa turma de francês

assim foi ontem Lisboa ginásio
não a aula de francês
mas outra primeira vez

encolhidos mostrados
medrosos no sonho
olhando e corando
sorrindo e calando
em jardim de pessoas
que bem podiam
ser cravos ser rosas
lírios mimosas
arbustos hortenses amores de todas as cores
ou árvores frondosas

um jardim do mundo
sem guerra nem ódio
nem fome nem dor
só música de flores
e vento suave empurrando as flores
para se tocarem trocarem odores
para se cheirarem e se abraçarem
para nunca se sentirem
nem tristes nem sós

domingo, novembro 26, 2006

um tempo um olhar

Olhei os olhos dela permissão de estar
li a resposta na retina dilatada sorridente
e entendi que podia ficar

primeiro olhei devagarinho
sem magoar
depois entrei porque senti que podia entrar
entrei devagarinho depois bem profundamente
até ver aqueles olhos bem pertinho fundirem-se nos meus

como brilhavam e ficavam água macia

e com o tempo acontecia
uma cadência incontrolável de imagens palavras qu eu via e lia neles

espelho de mim aqueles olhos coração
fogo mar e céu em emoção
flor beijo mel rio e fonte
parque de toda a fantasia

em baixo enquanto o fogo do olhar acontecia
o meu corpo tremia
os impulsos que vinham de cima e a força deles
tiravam força às pernas e aos sentidos todos
e a minha mão perdia-se numa fogueira pequenina
sem saber o que fazia
tocando entretida um sítio algures escondido no corpo que a acolhia

intuitiva a minha mão sentia o aproximar inevitável do adeus
tentava em vão evitar o fluxo do tempo
pressionando o sítio bom onde pousara
mas o tempo é tempo e passa sempre
inexoravelmente
tinha chegado ao fim mais um momento mágico eterno

antes porém de se cumprir o fluxo inexorável do tempo
antes de se fecharem os olhos em devoto recolhimento
uma lágrima teimosa caía nas mãos que ainda se apertavam

tombou morna tranquila
naquelas mãos que se queriam como os olhos
baptizou-as para sempre em água de instante cor de rosa
regando-as com a palavra
AMO-TE

respiração profunda que incendeia

Na respiração profunda que incendeia
coração com coração
não me lembro bem que aconteceu
porque quando a alma solta fica só mesmo coração
coração tão grande como o sol

envolve aquece derrete
mãos rosto pernas enfraquecem
desaparecem
fica apenas manto de êxtase
um eu num tu dentro de mim
de que nem se sabe falar
nem escrever
nem recordar

talvez porque a mente não pode acompanhar
não consegue registar um tal sentir
e adormece
desiste
sai da festa

e só depois
quando a mente acordou
voltou a si
deu para entender que escapuli
desintegrei

que fui anjo milagre
diabo sacrilégio
mal e bem
tudo e tanto
longe e perto
onde não sei

só sei que sinto-me tão bem
com o olhar assim
feito farol incandescente
o peito sossegado ardente
as pernas inseguras
cambaleantes
um estranho vaguear de quem desperta
de quem não reconhece logo o terreno que pisa
e tacteia e estranha o que vê à sua volta

que só posso acreditar
que os meus sentidos me levaram
ao sítio melhor do universo

não morro por sentir amor


Não perturbou nada quando eu julguei que perturbava
em círculo fechado próximo aconchegado
postura fetal de indescritível prazer
um coração batia o meu ouvido ouvia
como que queria sem querer que ele percebesse o meu acto de amor

Não aquele amor obsceno ocasional brejeiro
mas um amor maior que impelia o meu ser rumo a ele
no meu deixar cair-me sossegado
qual gato ronronando enrolado e dado
silêncio e paz de estar tão bem

Claro que o fazia com a educação toda que aprendi
não sou mestre nesta coisa de gostar
qualquer movimento mais pesado
ou necessidade de mexer um braço pôr a mão
tudo fazia comedido e com medo de estragar
que reacção haveria no coração que me acolhia
se eu desse ordens ao corpo para avançar

A arte de sentir pode não ser o que o corpo quer
manda o coração que se vá devagarinho
e que cada passo encontre uma resposta
como quando se pára no caminho e se descansa
antes de recuperar o fôlego e continuar a caminhar

Claro que apetecia ser louco zorba nu e tanto
claro que apetecia soltar o grito visceral
claro que apetecia VIVER ali o tempo que falta
claro que apetecia
nascemos para amar e para perder o juízo

Havia blusas e pele de tantas flores
havia odores havia gente havia lábios
homens mulheres suor
havia tudo para se enlouquecer
não no conceito de amar para morrer
mas no conceito de amar para viver

Que saúde que céu que tudo deve ser viver assim
ronronando suspirando encostando os corações e o resto
num enlace maior

Hoje vos digo companheiros
não morro por sentir amor
morro é se não ouvir-vos e ver-vos meus amores

mãos juntinhas num lugar


Mãos juntinhas num lugar
a minha a dele a dela
uma foge outra a apanha
depois larga torna a agarrar
a correr ou devagar
com mais ai ou menos ai
com mais dar ou mais tirar
num entendimento sem fala
uma paixão de viver

naquele sítio apertadinho
as mãos sentem-se tão bem
estendem distendem seguram
soltam gemidos sem querer
elas se entendem se dão
sobem descem vão e vêm

para quê olhos para ver
ou pernas para correr
ou livros para ensinar
sabe-se tudo sem ler
e correr só devagar

se as mãos pudessem
se elas mandassem
se elas tivessem o poder dos donos
ficariam juntinhas
umas com as outras
sem definições
sem tempo
nem complicações

era só viver sentir tocar
agarrar e largar voltar a agarrar
um dedo outro dedo
três quatro dedos
a mão todinha

porquê acabar
um ser um estar um dar um sentir
um tactear de prazer

coisas de donos de adultos
só pode ser

se as deixassem ficar
fariam juntas
uma casinha de amor para morar

sexta-feira, novembro 24, 2006

chuveirinho de mãos

Acertadinho com os outros
em roda rosadinha
eu diria entalado entre os demais
um chuveirinho caía
devagar e a compasso
por detrás de mim

A minha atenção ainda desconexa
a compor o espaço
endireitando um pé desalinhado
uma mão mal apoiada
de repente desligou bloqueou
só sentia o chuveirinho

Um chuveiro de mãos e não de água
de pedir meças a qualquer duche
cascata catarata cachoeira
uns dedos mágicos que teciam
de cima a baixo de mim
uma malha de rios de mimo

Sim que eram rios que corriam
desde a ponta dos cabelos
cima a baixo
nuca pescoço
ombros braços costas
fluxo babilónia mel desejo
que de tanto correrem eu ficava arrepiado
e era bom ir atrás do arrepio

Podia morrer afogado naquele chuveiro doce
pois já não tinha posição
o meu corpo perdia ganhava altura
descia subia
entortava
desfalecia
depois voltava a crescer
a cabeça perdia o pescoço
ficava zonza
para encontrar mais e mais o rio que corria

Porque era muita a chuva de mimo que sentia
e o mimo sabia bem
talvez se entretanto o chuveiro não parasse
eu ficasse tonto
sem noção exacta do lado de fora da vida
mas sabe tão bem perder o pé em águas fundas
desafiar a corrente quando ela corre de feição

Que apetecia ficar ali eternamente
tonto ou são que importaria
se se estava bem

como posso ter o que quero

Como posso no olhar que faço
nos passos que intento
no mostrar da face
no acertar do corpo
na dança que forço
não revelar cansaço

Como posso na intenção que tenho
na paixão demais
no sorriso que estendo
no amor que falta
no perdão que tento
não revelar cansaço

Como posso no beijo que ponho
no suor que brota
na ãnsia de tanto
na taquicárdia do sonho
não revelar cansaço

Como posso ver-vos olhar-vos
rapazes garbosos
em trote a galope
as damas a ver-vos
a quererem amar-vos
sem revelar cansaço

Como posso olhar essas damas
lindas ligeiras
fogosas trigueiras
rosas amores e lábios de flores
em roda a rodar com corpos em chama
sem revelar cansaço

Como é que posso dar o que tenho
e ter o que quero
com este cansaço

tempo dos outros

Parei na rua estreita
absorto
todo parado mesmo
sem sentir que à minha volta
havia um cão abandonado
gente que mexia
janelas abanadas pelo vento
que rangiam

No meu olhar
em estado hipnótico ou quase
na minha mente
senti um calafrio talvez pela primeira vez

Não muito longe via-se a grande ponte
pesada austera férrea
e de repente senti
que o murmúrio
a labuta o frenesim que corriam lá
era um fluxo de tempo
em que eu já não ia
era como ver a vida continuar
e eu ficar
gelei

A morte deve ser assim
o movimento a gente e a força
sempre a avançar
uma massa compacta vista assim daqui
na ponte
como eu a via
eu parado e absorto ficava

e que dor grande o sentir aquele instante
era o adeus ao movimento
a desistência total
naquela ruazinha
a um tempo que fugia
e que passava a ser o tempo dos outros

encontro breve

Rostinho de menina
suavidade que constrange só de vê-lo
como os sentidos se encolhem
recuam
em gestos sinuosos
deixam de sentir de ver de ouvir
é proibido querer
não se pode
não se deve
e tanto que apetecia
abraçar envolver agarrar
e até beber

No teu ser que tolda a vista
que chama pelo desejo
desisto
que desistência cruel
não pode ser
é mal é bem
dever
há o dever e o poder ser
não pode ser
as normas as leis
palavras amontoadas de proibições

Deixa não
acabo enfim por lhe dizer
ficará o sonho o desejo enorme de beber
o aroma a flores a seiva fresca
o teu amanhecer

Talvez um dia quem sabe
tudo mude
e os sentidos e as flores
possam estar mais perto

aldeia perdida

A vida breve se encaminha
no sentido do sol quando se põe
por sobre crutas de pinheiros
e sons irritantes de pardais

No caminho estreito e sujo
passa um burro igual ao lusco-fusco
única presença de vida ali naquele local
as cores do dia ficam cores da noite
e nem um xaile negro
um rosto triste
um cão chorando

Ali onde já passaram senhores
cavalos de bom porte
trabalhadores
donzelas
cavaleiros também sedentos delas

Agora nada
apenas cabanais abandonados
pedras caídas fora do lugar
palha por comer vida por achar

A aldeia morreu
(ou quase)
à sombra da igrejinha
(sino por tocar)
silêncio que anuncia morte
um vento frio que não muda a sorte

Talvez um dia em vez de fartos batatais
de férteis olgas de quintais
já sem velhos
a aldeia feita história
tenha enfim a "sorte" de virar um parque natural

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Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...