domingo, junho 28, 2009

antes e depois


Dias longos nostalgia
espelhada em cada rosto português
uma amargura que ainda hoje se vê
nos filhos dos filhos daquele tempo
que na flor da idade
iam para a guerra longe
sem saberem bem para onde
nem para quê

o horizonte europeu fronteira de Castela
estava bem fechado
ninguém saía nem entrava

pides guardas fiscais carabineiros
cerravam bem fileiras
disparando sobre quaisquer aventureiros
num Portugal amordaçado
sem liberdade nem pão nem educação

país arcaico empobrecido analfabeto
que sem tostão nem ganha pão
clandestinamente emigrava

fugir era o sonho ficar o pesadelo

na nossa própria casa aprisionados
na nossa própria casa condenados
degredo guerra pensamento censurado
um país grande em história
por décadas adiado

bravo foi o grito que soou
o sonho que chegou
“25 de Abril de 1974”
o meu país em festa

pontapé na guerra chuto nas masmorras
Portugal livre nas palavras
meu país velhinho a nascer de novo
os cravos eram as flores
a liberdade a esperança nova

Portugal respirava cantava renascia

a Europa aplaudia o mundo ansiava
o colonialismo acabava

hoje evocando aquela data
só lamento
o tempo perdido
as vidas ceifadas
a Pátria adiada para nada!

segunda-feira, junho 22, 2009

desigualdade de barriga


Corpo faminto com fome de alimento
só pele e osso olhos enormes
maiores que o rosto
morrido de pé por nada ter

tristeza de corpo desnutrido
um lugar no corno de África
que não escolheu para nascer
e que sem querer
lhe saiu na rifa

em outros lugares pelo contrário
gente anafada alimentada de fartar
tudo do bom e do melhor em quantidade
festas festarolas fumo drogas
e passada a eufórica comezaina
noitada destemperada…

tanta gordura acumulada
tanta neura tédio
tanta dor de infortúnio solitário
pernas inchadas celulite
que nunca mais acaba
um pânico dos diabos na saúde ameaçada

dieta forçada especialista mais especialista
uma derretida fartura dada em nada

dá deus as nozes a quem não tem dentes
distribuição desigual dos bens da natureza
da tômbola com o lugar em sorte

excesso ali falta acolá

como saberia bem um naco de pão
um grão de vida lá
no corno de África desolação
onde a vida que se vê tresanda a morte

sábado, junho 20, 2009

passou meu amor passou


Passou meu amor passou
o momento fugaz do teu abraço
Alentejo quente de papoilas
tórrido odor a transpirado

apertado apertado apertado!

em tal estado
próprio de contos de fadas
era com artimanhas
aprendidas habilidades
que esquecia
o que o pensamento me trazia
e perturbava

com jeitinho quando aparecia
dizia-lhe baixinho
“vai-te embora”
tentava dar-me só em emoção
oferecendo o corpo todo
á sensação

os olhos quando os abria
pediam coisas aos teus
eu sentia que entendiam
quando respondias colavas
dada exposta aberta
prado farto verde pasto
na fome que matavas

sei que tudo passa
e que o que é sublime
passa ainda mais depressa
tal como o sol
clareia nasce cresce
logo se vai escurece desaparece

passou meu amor passou
o momento fugaz do teu abraço
a presença flor de teu regaço
a pele viva que por tão rubra
me queimava

passou meu amor passou
mas ficou
digo-te que ficou…

aquele chão breve
o silêncio prenhe de ti
o vazio todo enchido
que inflamou meu coração
e o fez feliz!

sexta-feira, junho 19, 2009

diferentes ciclos do dia


Ciclos normais inevitáveis
dia a dia com horas diferentes
no que se faz no que se diz
no que se pensa e não se diz
no que se pensa e não se faz

há passado a atrapalhar
há futuro a distrair
e em cada instante a chegar
há um presente a fugir

é grande o fardo a carregar
que faz o humor ressentir-se
e quebrar

somam-se distracções
altas vagas em todas as direcções

com o estímulo abalado
ar agastado
é erro crasso esforçar-se
insistir em vão
num fulgor cansado
que pode estoirar o coração

deixar passar aquele cansaço
o corpo a pedir algum respeito
com razão
uma folga um espaço
em tanto esforço a eito

só depois continuar

de apaixonada euforia
ao desgaste nostalgia
com cuidado a regular
os diferentes ciclos do dia

sexta-feira, junho 12, 2009

quando mais vivo


É mentir fugir ao mais elementar desejo
dizer que tudo acontece
sem o ver
que tudo existe em meu redor
como se fossem pedras
folhas mortas

como se nada chamasse a atenção
como se tudo o que se visse e se tocasse
me fosse indiferente lateral
me não apetecesse
ver tocar

mundo frugal de sangue quente
que em sonho tropical e emoção
chega a ferver
dá para chorar para rir
abrir os braços existir
regar flores cheirar odores
ir na intuição sem leme
viver morrer de amores

que força terramoto maremoto
embebeda hipnotiza suaviza
o simples tocar do teu ventre pequenino
frágil
acompanhando-o a respirar

minha mão no ritmo do teu templo
profundo feminino fecundo

seria mentir dizer que meus sentidos
não se agitam perturbados
que não sinto nada
que é tudo frio sem sentido árido
vulgar

porque é exactamente o contrário

quando mais vivo e quando mais sou
é quando mais sinto

sã mistura


o mérito a comandar
oportunidade
tolerar
só assim consigo ver o mundo
caminhar
a nação por ninho
no equilíbrio global

base EU pessoa humana
com o que sou
mais nariz menos nariz
mais claro mais escuro
mais altura mais baixeza
mais gorducho mais enxuto

muita idade pouca idade
opte destro ou canhestro
fale grego ou troiano
mandarim ou português
árabe russo inglês
todo o poder do mundo
na pessoa humana

na mistura de tons de sons
de paladares de usos
de quaisquer lugares
de tantos fusos

que monotonia seria
sermos autómatos todos
criações mecânicas
com supostas medidas perfeitas

basta imaginar isso
essa perfeição bizarra
de uma qualquer fábrica futura
de loucura
para aplaudir gostar sorrir
do diferente exuberante tecido social
global
em sã mistura

quarta-feira, junho 10, 2009

carência


Aceite-se a carência
porque todos a sentimos
aqui ali acolá

que mal então há
em aceitar com naturalidade
o toma lá dá cá?

a resistência já se vê
á aparente subserviência
tal como o EGO a lê
daí a tal “independência”

autonomia e responsabilidade
afirmação da personalidade

mas independência auto-suficiência
haverá?

todos dependemos do olhar do outro
da mão estendida
do colo que está lá
quando é preciso

falar de independência
é falar de isolamento
que só serve o auto-convencimento
em agitação e ansiedade
ou solidão e recolhimento

que bom entrar no espaço dado
abrir o coração na dádiva
na fusão totalidade
perceber nesse espaço
a troca boa que valida
o amor a vida

e que num ápice apaga o vazio
de qualquer isolamento
“independência”
por fuga tola á tal carência

segunda-feira, junho 08, 2009

desassossego


Inquieta mãos eléctricas
os passos e os braços
acompanhando o medo
interior complexo vida por curar
a culpa a raiva o ódio a sangrar

cigarro mais cigarro
a pele engelha
o telemóvel não pára de tocar
que filme trágico aquela ausência
de bom senso
por não saber parar

se pudesse interferir
naquela criatura inquieta
baralhada assustada
parava-a
depois dava-lhe um sentido
achado na paz interior

assim encontrada
dizia-lhe
como se fosse a primeira vez:

abre os olhos vê
deixa que a vida te encontre
sem ansiedade
porque a vida é mais coisa que acontece
se recebe sem esforço
de tão pródiga e bela que é

depois é uma questão de paciência
que o caminho de flores
de amores de anjos
longe da intensidade inútil
desgastante
que era o teu mundo antes
há-de vir beijar-te
ter contigo
para não mais largar-te

sábado, junho 06, 2009

Europa multicor


Uma história vulgar de crescimento
humano pessoal
que quando nasce e começa a olhar
grita chora assusta-se

depois ensaia os primeiros passos
vai andando
vai brincando
mede forças com amigos
dá e leva leva e dá
encontra assim o personagem que é
no território curto

vai crescendo com o tempo
desbravando horizonte
anima esmorece
amanhece escurece
e no consumo dos passos e do tempo
encontra gente diferente
nem sempre pacificamente

tem que lutar o homem que cresceu

em breve se dá conta
que se mata e se morre a toda a hora
sementes vertidas em fogueira
na mais pacífica fronteira

ás vezes é preciso morrer-se muito
para se dar valor á vida

Europa mártir fratricida
tantos meninos crescidos á porrada
aos tiros nos vizinhos
á paulada
em loucura quase sempre suicida

que a lição de ontem ódio e guerra
feitos heróicos para a época
sirva hoje
para uma era civilizada de concórdia

não tem para isso de ficar-se inerte
bronco ou sonso
há maneiras mil de libertar temeridade
a força inata o acto heróico

como imagem poética deixo esta

cada país nas mãos de uma criança
numa roda sem fronteiras
do atlântico aos Urais
do ponto mais setentrional
ao mais meridional

e que as cores lindas
das bandeiras
em festa em riso em graça em cor
de anjos de crianças
sejam símbolo desta Europa multicor

gerir o desequilíbrio


Ás vezes é tal a falta de energia
de fonte de onde venha
ou que se tenha
que o equilíbrio do ser
fica tão desequilibrado
que apetece fugir
estar noutro lugar
nunca no real
AQUI

e entra em cena
um qualquer ontem
que já aconteceu
que foi morreu
como existência

mas no nada que a vida deu
na falta de palavras
na ausência de amor
que não se vê
ganha consistência presença
o que se foi
o passado já ido na distância
do tempo

que aumentado na descrença
fica tão bom
ou melhor
do que quando existiu e se viveu

contrariam-se assim convicções
para resistir
a um vazio dor fastio
que se instala e que dói
no momento actual e vivo
pela dificuldade de gerir
o desequilíbrio

sexta-feira, junho 05, 2009

olho ouço acredito


Olho ouço acredito
(finjo que acredito)
para agarrar alguma coisa
por entender ser
melhor que coisíssima nenhuma

o dia passa a semana o mês
o meu coração reclama
mais
e mais não tem

no meu vai vem desanimado
diz-me a intuição
para não contar mais
com o que não vem
jamais

tenho o barco parado em alto mar
sem vela sem remos sem motor
e a distância percorrida na ilusão
de longe que ficou
já nem deixa perceber o meu lugar

ou fico
e morro aqui na fome do tempo
ou quebro as amarras da ilusão
e peço
neste mar de solidão em que me encontro
a um qualquer vento
que sopre alento
me ajude a sair daqui

porque…

se há um tempo de aprender ser burro
cavalgadura cego indigente
há um tempo
de ver agir ser inteligente
sacudir a água do capote
ser lúcido rir
do que antes fazia chorar
carpir…

e escolher enfim sem hesitar
o rumo mais adequado para o próprio!

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...