domingo, outubro 26, 2008

os meus sermões


Uma mente inquieta
um insatisfeito nato
um carente indiferenciado
alojado em mim
de tenra idade

entendo assim o inconformismo
que me afecta
numa qualquer conversa mais brejeira
onde ninguém entenderia
de mim
uma explicação mais corriqueira

aguento fico fraco
atrofio
mas resisto
porque a vida
sempre me levou
me leva
a qualquer lado

vou insisto não desisto
e talvez por isso ainda existo

escrevo teoria sobre o assunto
em poesia
até dou dicas
e assim me esgoto
dia após dia

digo o que sinto
publico
mas não pratico
e assim
a teoria certa
bem estruturada nas palavras
vale de pouco
na prática aconselhada
urgente e desejada

assumo para mim
que sei pregar
aconselhar
mas que me falta aplicar
o assunto dos sermões
para eu próprio me ajudar

sexta-feira, outubro 24, 2008

réptil voraz

Estico os braços rastejando devagar
alongando-os o mais que posso

sou réptil de língua de fora
esforçado
esfomeado
mordo a presa que encontro
com minha fome
lancinante

tacteio apalpo toco
ora com vontade de comer
ora com a suavidade
adequada àquela pele
macia lisa eléctrica
electrizante

fico descomposto na vertigem
quando viro o corpo
pondo a boca
onde estava o rabo

réptil humano
forte e frágil a um tempo
enroscando envolvendo
insinuando
pensando deixando de pensar
pedindo sem falar
dando sem nada esperar
e tudo esperando

a fome é muita o pasto farto
inebriam-se os sentidos
que retiram força egóica

fico desfeito qual esqueleto ambulante
rastejante
pedinte
entregue na realidade
suculenta boa
fêmea mulher gata
alimento útero inesgotável
totalidade

de mim só uns olhos brilhantes
na penumbra do lugar
no chão duro em que pouso
de mim só um eu
saciado descomposto
desarticulado desnorteado
de mim só um amplexo de réptil voraz
vertido em menino amado

terça-feira, outubro 21, 2008

o medo adia a conquista


O medo adia a conquista
que se quer
afasta do objectivo pretendido

a renúncia pode então
fazer sentido
desistir pela desilusão
de não se ter
o que era desejo bom
e se queria

o sal o açúcar o prazer
encolhem na possibilidade
o coração entristece
parecemos a mais
neste turbilhão de rodopios
vitais
e anoitece

a lua entrando pela janela
ainda espreita apazigua
mas logo a noite escura
se instala em pesadelo
e dura… dura!

como é longa a noite
potenciada pelo breu
e pelo medo…

só com o nascer do dia
a brisa o sol a vida
o desafio de vencer
com ousadia
se volta a por

a questão de ser ou de não ser

fico na noite escondido
esquecido
no escuro
ou mostro-me à luz tal como sou?

dou ou não dou
o grito interior
do merecimento e do amor?

domingo, outubro 19, 2008

vida quem te entende?

Vida quem te entende?
ora és força ritmo
mudança transe
ora fraqueza tristeza
uma mão cheia de nada

se pudesse
e fosse dono de sementes
semearia
o revolver de muita tradição que vejo

sempre e sempre mais do mesmo

cópias fotocópias
ao serviço alheio
não em proveito próprio

no lugar de árvores secas
mortas caídas
poria
água viço renovação
revolução

que pregações nos deram
que fizeram de nós errantes peregrinos
à procura de migalhas
quando o mundo está pranho
de fartura?

não da fartura que nos deram
de problemas
de carências
de desgraças
que fizeram de nós
seres dependentes deles…

dos seus negócios
dos seus serviços
dos seus talentos duvidosos

viajantes de patamares esclarecidos
gente descontente
por falta de contentamento
chegou o tempo
de por mãos à obra
encontrar caminhos novos

dizer basta
a tanta podridão estabelecida
tanto conselho
de um pensamento mentecapto
ultrapassado e gasto

assustada temerosa

Assustada temerosa
uns olhos vivos brilhantes
grandes lacrimejantes
um abandono frágil
em forma de mulher

de pé em dificuldade
indefesa nesta sociedade
alienada

ao ver-te assim
pedi cá dentro
que Deus se cumpra em ti
dádiva oferecida
nos limites da vida

que te veja bem por dentro
como eu te vi
no fundo dos teus olhos suplicantes
quase gritando
“tirem-me daqui”

espelho que és de cada um de nós
turbulência
dor
insignificância
a corda na garganta
que nos ameaça
a cada instante

diz-lhe Deus que tudo podes
que estás bem no fundo dela
no fundo de cada um de nós
o que lhe falta a ela
o que falta a cada um de nós

quinta-feira, outubro 16, 2008

aos que partem


O caos faz parte da vida
a crise
o desencontro entre o que se quer
e o que se tem

é insultado o país
quando se diz
se apregoa
se grita
aos quatro cantos do mundo
a desgraça por ter nascido aqui

e o sonho chega
ao bairro à aldeia velha
ao emprego parco e gasto
emoldurado de eldorados
de terra prometida

com ele a troca da raiz
por um cacho de cifrões
tantas vezes envenenado
pela desconfiança marginalidade
xenofobia
distância
saudade
que afogam tantas ilusões

claro o impulso é forte
é difícil resistir-lhe
zanga-se a alma e o corpo
com as condições que se tem

e na reacção
os nervos esticam
a paciência esgota-se
a clarividência foge
fica tudo negro em volta
sem solução

os olhos deixam de ver
a razão deixa de ser
é tempo de ir e aprender

não fiques a chorar Portugal
por ser assim
deixa-os ir
deixa-os clamar
insultar-te

“eles nem sabem nem sonham”
como é longe de ti
que se sente
na alma da gente
a falta que faz um país!

quarta-feira, outubro 15, 2008

chuva de outono


Outono chuva miudinha
um cheiro a verde França
de outra idade

sinto-me afinado com o tempo

o prazer de escrever
o frio da Beira
a escola os lápis de cor
a afiadeira

um ruído de cidade aqui
a busca do agasalho
o céu mais baixo
que o cinzento das nuvens
torna mais parecido
com o campo

estou longe e perto
ao mesmo tempo

hoje como ontem
o espaço molhado
a rua a gente
a natureza que sempre
se repete

só a sensação cidade de progresso
evolução agitação
faz esquecer o fluir campestre
de estação em estação

nesta chuva miudinha
que me envolve
me entristece
mas que é tão doce!

terça-feira, outubro 14, 2008

prazer e motivação


A motivação vem
do prazer que se sente
na interacção com o mundo
com a gente

tem que ver com objectivo
equilíbrio entre o que se quer
e o que se tem

sem isso
sem provar a vida a gosto
vem o desgosto
a ferida
o arrastar a asa de qualquer maneira

pode-se andar distraído
mesmo sem rumo um tempo
mas chega o momento
de buscar apoio amor
para a vida ter sentido

sem se ter
prazer amor motivação
não há fado que resista
a tanta dor desolação

e o som da vida
que encanta
que se ouve que se dança
que se canta...

por mais voltas que se dê
nem sequer nos vê!

sexta-feira, outubro 10, 2008

perdido na escolha


No anfiteatro da vida
perder-se na escolha
faz mossa
amachuca

sente-se a forma encolhida
agastada ferida

os olhos abrem fecham
comunicam
sofrem gritam
a forma estremece

tenta manter-se
aguenta representa
mas rodopia
enlouquece

na persistência
de viver a situação
ganha a desistência
na rejeição

que expectativa me encolhe?
que preocupação me enlouquece?
que ausência me falta?

porquê...

nada que vejo em redor
me consola
me preenche
ou me basta?

mundo bipolar


Não questiones sempre
que te esgotas
já viste algum lugar
sem bem e mal?

há sombra luz
há ódio amor
bem-estar pior estar
espinhos fel
pele de mulher
e doce mel

a espada corta
o tiro mata
a fome grassa
é difícil de aceitar
sem questionar!

mas é real verdade
que o mundo é assim:
BIPOLAR!

se esgravatarmos sempre em negativo
em mal em fel em dor
perdemos a oportunidade
de ver...

o bem o mel o amor

e espalhá-lo para contrariar
os que só vêem
e semeiam dor

tabus ultrapassados


Educam-nos primeiro
comportamo-nos depois

com rédea curta já se vê

tem que ver com o senso comum
com a má língua
a defesa do bom nome
da família
a semelhança que se dá
à "ovelha tresmalhada"
e a loucura

saúda-se a preocupação
que temos
com o cuidado
de cuidar-nos

mas a educação
tem que considerar
que a receita que cura um
pode a outro não curar

sim ao senso comum
que dá estrutura
sim aos bons princípios básicos
mas entenda-se
que cada um
na afirmação da sua verdade
é que pode acrescentar mundo

uma nova realidade
novos temas levantados
tabus a serem debatidos
esclarecidos
quiçá mesmo ultrapassados

quinta-feira, outubro 09, 2008

quase virgem de uso


Perturba-me os olhos
tanta coisa que se vê
perturba-me o tino
tanta recordação
de que falo ou que imagino

fico então menos atento
em confusão
e de pouco me serve a inteligência
na ocasião

decido então o regresso à essência
ao zero da minha consciência

desfoco assim
as cores os dissabores
que ao aproximá-los
abordá-los
ficaram tão perturbadores

sinto-me a mim
ao ar que inspiro
e pouco mais
faço uma pausa um intervalo

assim se vai
recordação após recordação
conversa fiada
imagens coisas seres
que trouxeram inquietação

e tal como fica
um casaco sujo
velho pelo sol e pelo uso
virado do avesso
pela magia e arte do alfaiate
limpo
quase virgem de uso...

assim também eu fico!

terça-feira, outubro 07, 2008

nem vou nem fico

Ando de um lado para o outro
que faço?
vou ou fico?

a balança da escolha está confusa
a dúvida paralisa
que decido?
vou ou fico?

adivinho se for
as conversas os cheiros os olhares
que não desejo

adivinho se ficar
a incerteza do meu acto
se é certo ou não é certo
se devido ou indevido
o que faço

com o cansaço instalado
em silêncio inquieto
o nervoso impera
nas pernas na cabeça
engulo uma aspirina
um calmante
sinto eminente a enxaqueca

com medo de ir
com medo de não ir
decido enfim adiar
só para me consolar

nem vou nem fico!

reencontro breve

Ai que tonto que alegre
o abraço que acorre
ao reencontro
que falta de braços
de dedos de lábios parvos
em sorrisos broncos

tudo corre velozmente
a carícia o toque o reconhecimento
(linda sexo quente cabelo farto)
que faço contigo
neste mar de gente?

aperto aconchego afago
que podia ser permanente...

mas é já a curva descendente
do momento
o fim do histérico
ampliado sentimento
que morou na alma

que desce para se alojar
na mente
perdendo brilho fulgor
intensidade

fica urgente a palavra
no enlevo desgastado
no nervoso miudinho
disfarçado
palavra que é pergunta
que é resposta
discurso directo e indirecto

foi-se de vez a chama
o rubro do sangue engrossando
as veias

ainda ternamente em ansiedade
a voz emitida pela mente
grita
FICA!

mas é já um som exterior
realidade
uma voz verdade céptica
água jorrada sem piedade
no sítio amor calado e intenso
onde havia pouco
só fogo era!

segunda-feira, outubro 06, 2008

tento relaxar

Tento relaxar
contrariando o movimento
fazendo pausas
nesse mesmo movimento

faço-o na escrita
quando paro a caneta
faço-o na marcha
quando encurto o passo

ir na confusão
na correria
na pressa desenfreada dos sentidos
é alimentar a dispersão
o medo
e viver nele

há que refrear a agitação
trocando-lhe as voltas
contrariando-a

antes que o medo cresça
se agigante
nos controle
nos apavore
e nos enfraqueça

sexta-feira, outubro 03, 2008

crença forte


Atraí quando bebi
a crença forte
o impulso firme
sentido
de te ter aqui

andava a imaginar tocar-te
projectando o pensamento encantado
em ti
dentro de ti

fazia-o com tal intensidade
que o intocável sonho
pôde ser tocado
a silhueta fugidia
virtual
que tanto queria

ficou mais perto
mostrou-se
deu-se
e é agora tão real
intensa

como intenso e virtual
era o sonho e a crença
dantes

dá o passo agora

Dá o passo agora
enfrenta tenta
aconteça o que acontecer
é nobre e fortalece
sentires tu próprio
que tentaste

o espaço que é teu
será sempre o teu espaço
o rosto
o corpo
o jeito

a confiança ganha-se assim
indo experimentando
reflectindo
aferindo depois
o que acontece

nunca ficando só
espreitando os outros
julgando os outros
apreciando os outros
depreciando os outros

e nada fazendo
em proveito próprio!

os meninos


Tão virgens divinais
a espreitar na luz clara
(a vida)
uma oportunidade
de amar

cedo se vai o doce encanto
a descoberta do amor
e toda a graça

perfilam-se no escuro
os primeiros pesadelos
aprende-se a apontar o dedo
de dedo apontado

se tu julgas também julgo
se tu matas também mato
se tu tens eu também tenho

e o pacote ambulante
que ao ex-menino desenha o porte
mexe remexe
gaba-se incha
é inteligente é forte
mas não resiste

rebenta quando encontra
outros pacotes na mesma onda
e em choque com eles
sufoca esgota-se
e morre

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

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