segunda-feira, setembro 29, 2008

olhos gulosos e vazios

Olhos gulosos e vazios
meia luz em passerelle
emprestada à fantasia!

uma plateia bem vestida
enfastiada
entretendo a vida ociosa
pouco criativa
vendo desfilar adolescentes
sem corpo nem jeito
pela pouca idade

deveriam estar na brincadeira
a comer um bolo um chocolate
a sentir a Primavera dos seus anos
de outra maneira

liberdade aqui tão abusada
para mal da liberdade
sociedade ansiosa de iniciativa
na verdade apodrecida
por mal encaminhada

confunde-se o certo e o errado

a uns a lei pune
a outros não
acha-lhes graça
para desgraça dos outros

apreciar adolescentes
em poucos trapos lingerie
para uns é tara
para outros não
é iniciativa inovação
perspectivas de negócio exploração

que critérios tão díspares
me suscita a imberbe passerelle
na justiça e injustiça da nação!

tendências variadas

Espaço humano de liberdade
partilhada
um mata o outro esfola
outro cura
outro consola

nascemos e crescemos
com tendências variadas
ou mais compostas
ou mais avariadas

que complexo invisível
nos regula
as atitudes insensatas
e as mais sensatas?

miséria e fortuna misturadas
poder e fraqueza
de mãos dadas!

como conciliar em liberdade
sem destruí-la
tanta desigualdade?

é fácil aceitar o aceitável
mas o inaceitável?

escolha bem difícil nesta era
que tanto dói
ficar alheio indiferente
sonso egoísta...

como partilhar
e carregar
tanta dor e angústia
bem à vista!

terça-feira, setembro 23, 2008

que ruído é este?

Que ruído é este
que vem do interior?
ora espasmo ora êxtase
ora sensação de cheio
ora vazio?

silvos de vento
percorrendo o corpo
rodopios de água ribeirinha
a murmurar

deixo de existir
só para escutar

será energia a transbordar
ou vazio enorme a preencher?
será ferida por curar
ou flor ainda por nascer?

acto solitário este
na vertigem da fartura...

quem pára um momento só
na correria exterior
para ouvir e perceber
o que se passa
no interior?

onda em mar revolto

Sou onda em mar revolto
(o frio a noite a tempestade)
longe da praia verão
que o teu corpo era

sul de Portugal
Rocha mar desse país
calor de amor em tal sossego
que nunca mais vi

aí eu era suave branda
ficava parada deitada
qual gata regalada
em telhado de zinco quente

que frio sinto aqui
no meio deste mar imenso
que perdida que estou
entre ventos e marés
que me empurram
para a frente para trás
sem piedade

fenda-se já o céu daqui
nuvens negras trovoada
solte-se um raio de luz
que tome o leme de mim
e me ilumine
o caminho do sonho
do sossego
água azul céu e mar
doce praia Portugal

Rocha areal
sol amor desse país
que não mais esqueci!

segunda-feira, setembro 22, 2008

meu lar assento

Quase me diluo no lugar
que piso
em lento caminhar
que observo que sinto
como se eu fora ele

as pedras da calçada
a relva viva
verde
o cão sem trela em liberdade
o ar que entra nas narinas
soltado pelas esquinas

é bom ir longe
ficar até um tempo lá
mas sempre regressar
porque é aqui neste lugar
que a vida é

no tocar da folha da árvore
que me beija
ao passar
na sensação de acolhimento
que se sente
no som ouvido e conhecido
língua mãe

meu lar assento
minha oferta de vida
que em silêncio sublime
a caminhar
tanto agradeço e amo

sexta-feira, setembro 19, 2008

vagueio longe

Saio deste espaço físico
que me acolhe
mal acordado
incomodado
pela cabeça fosca de enxaqueca
pelo desempenho obrigatório
pelas ideias que cansam

vagueio longe
farto das coisas vistas
outras por ver
das energias paralelas
que quase paralisam

e já vai longo o dia
altas as horas
quando me sinto a mim
ombros aqui
queixo em presença
tombado contra o peito

finalmente o adeus à enxaqueca
o consolo da paz
no reencontro comigo

e pela primeira vez
hoje
os meus olhos abertos ficam perto
lúcidos neste sítio
e vêem só
o que me rodeia
e que realmente importa

iluminado louco

Leio no jornal
em letras garrafais
que um louco dito iluminado
depois de tanto mal causar
foi apanhado

não deixo de comparar
com a notícia ao lado
de impacto ambiental

dose de nafta derramada
por fábrica descuidada
em braço de rio
que se não fora circunscrita
a nível local
poderia atingir o grande rio
e virar catástrofe nacional

o mesmo não aconteceu afinal
com o louco "iluminado"
que em vez de controlado
ficou descontrolado

a tarada da cabeça
entrou em erupção
e o que a princípio era só céu
virou pesadelo
chamas
gente enganada
aniquilada
seita de dor
em lugar de amor
na Terra Prometida

domingo, setembro 14, 2008

Berlim um dia


Glória e holocausto perfeito casamento
grandeza variada nesta cidade imensa
a Europa toda aqui em tamanho de cidade
cheiro a esforço a guerra a confusão
quezílias de outros tempos
outra idade

ideais em dose múltipla
força fraqueza em cada geração
perda ganho intervalo
humilhação
o poder de uma potência
e a impotência do poder

criar reconstruir para voltar
a renascer
de um caos manicómio ensanguentado
agiganta-se o homem quando
o desafio é grande
não dorme não entende
não se resigna

a ferida dói é funda
mas não desiste
desinfecta
trata
cura

neste quarto sossegado morno
nórdico
em romance apaixonado
doce
com som de fundo melancólico
de Shubert
a paixão certa hoje aqui
em Berlim paixão errada dantes

quem sabe cidade secular
espelho maior da Europa
sempre em guerra
não venhas a ser um dia
a dor curada
a paz sonhada
a capital da nossa Europa
toda unida!

sexta-feira, setembro 12, 2008

morrer e renascer

Ora brilhando ao sol quente
qual seara ondulante
ora secando desaparecendo
escurecido na noite

assim estou eu
para que o ciclo recomece
dia e noite
vida e morte

sinto a permanência do lugar
num ciclo eterno de mudança
sempre a evoluir
sempre a morrer
sempre a nascer
como a seara

sinto convosco
em movimento natural
essa energia imortal
os olhos incendiados
os corpos quentes
contidos no desejo
quiçá guardado
para outra altura
outro local

não posso
não podeis morrer
sem renascer
porque se tal acontecesse...
só morrer...
eu?
tu?
vós?

só posso crer
que Deus deixaria de ser

tanta seria a dor
da falta
do meu amor
do teu amor
do vosso amor
de tanto amor!

meu porto abrigo

diversidade
graça desgraça
a entrar por todo o lado

tão fácil perder o norte
o rumo o leme
ficar confundido
excêntrico
à deriva

quando caminhamos
transviamos
fora de nós

nas ideias dos outros
no passado dos outros
no presente dos outros
no futuro dos outros

porque em boa verdade
tudo começa
e tudo termina
em nós

na minha morada
meu corpo
meu sítio
meu porto abrigo
meu barco amado

amor e confetis

Tenho às vezes uma coragem
invejável
não aquela coragem da espada
da porrada
mas uma centelha de amor
que espalho

como se tivesse toneladas
de confetis
e os espalhasse no vento
para chegarem
onde eu queria que chegassem

não tenho a certeza se é amor
o que eu espalho

como não sei sobre os confetis
se os hei-de ver
coloridos
festivos
apetecidos
pelo prenúncio de alegria que são

se apenas
pedacinhos minúsculos de papel
ridículos
confeccionados
numa fábrica qualquer
por rostos fartos tristes
pelo magro salário
que o seu fabrico oferece

ponte frágil


Sinto-me apartado de ti
sem o querer
ponte frágil
num precipício qualquer
quase a cair

entre os dois lados
em baixo
o abismo o medo
o sobressalto

para quê passar a ponte
e arriscar?

terreno minado de fantasmas
tempo que passou
morreu...

dizer o quê?

na dúvida das vidas separadas
azedam as palavras
na distância
só o imaginário é cor de rosa

o resto é o conta gotas
da sobrevivência
onde o que conta
não é o poema
a promessa que se fez
de amor eterno

mas a vida real
a dependência
o dinheiro essencial
o afecto que se encontra
ou que se compra
para aliviar as noites
longas de insónia

sexta-feira, setembro 05, 2008

entre a palavra e o gesto

Que entalado que estou
entre a palavra e o gesto
entre corpos barulhentos
à frente atrás
e o meu silêncio
que me pede tanto!

olhando timidamente para trás
vejo-te e gosto
"faz qualquer coisa avança"
diz-me uma voz

mas dentro de mim
uma força exausta
anula a insistência da voz
paraliza-me

sinto as vozes passar
uns olhos brilhar tanto
como faróis para eu seguir
eu em vez de andar arrancar animar
fico a sumir
no passeio estreito
esmagado por sons
silêncios
que não têm nada a ver
com o que quero

cobarde e solitário
na essência do desejo!

vá inventa
arranja uma desculpa
(continua a voz)
sobe desce cansa-te
esquece
porque o que te falta mesmo
é ver o que está perto
e te apetece

e por estranho que pareça
isso cansa-te mais do que fugir
partir fingir
ou mesmo subir
o Monte Evereste

embrulho mental

Além dois homens
um franzino outro encorpado
carregados exaustos
transpirados
entregando encomenda enorme
no casulo alto
de um casal do prédio grande

são móveis que transportam
qualidade mogno pau brasil
condensados em tal tamanho
que não cabem no elevador
moderno

são as escadas intermináveis
prédio acima
o caminho necessário
íngreme achatado
para justificarem o ordenado

coitados deles triste de mim
quando àquele peso me comparo
embrulho mental que sou
construído arquitectado
que às vezes sinto tão pesado

justifico assim como eles
o ordenado
no dia a dia transpirado!

que na qualidade de vida...

um tal peso antiquado
histórico arquivado
mais atrapalha do que ajuda
numa vida que se quer
natural
agradada e leve

segunda-feira, setembro 01, 2008

os meninos e a intuição

Não fica bem o menino ser o pai
o forte o poderoso
deixar o mais idoso
perturbado baralhado

tantos milénios de sabedoria
para quê?

sei que um menino cresce
fica maior
inteligente

os cursos não param de nascer
mais complexos
exigentes
que fazem do menino
um sabichão
que lhe podem dar poder
armas melhores ali à mão
e mandar assim no mundo

mas então...

e o respeito pelos mais velhos?
os que já viram nos seus rios
correr fel e mel?
que construiram enfrentaram
persistiram
para que os que ainda não eram
pudessem vir a ser?

aceitemos os meninos na sua rebeldia
ousadia
demos a mão à sua novidade
mas atenção
não os deixemos fazer tudo
se se excederem na intuição

porque pode matar-se o mundo
com tamanha confusão

despojado do meu ego

Chegava àquele lugar
ido de longe
senti-me despojado do meu ego
nem bens
nem amigos
nem gente ou sítios conhecidos
ou carro próprio para me deslocar

podia nem sair do aeroporto
voltar para trás
como sempre faço
quando aumenta o embaraço
tomava o primeiro avião
rumo ao aeroporto
onde o meu ego se sente em casa
e em conforto

mas não
decidi ficar

como os olhos e a mente complicavam
a estranheza do ambiente
fiz como algures li
e aprendi

sentei-me aonde pude
e desligando o olhar e o pensamento
fixei-me mais no tronco
e nos ouvidos
e em alguns instantes
o milagre acontecia

não recuperei o ego
e os artefactos
esses estavam longe
mas o ser sim
senti-o brando
com as raizes que me puseram no mundo

talvez pela primeira vez
num sítio estranho
perigoso ao mundo dos olhos
e da mente
fiquei sólido enraizado
confiante

mesmo sem entender nada
nem conhecer ninguém
já parecia eu mais dali
que os dali
tal a serenidade que sentia

pensamento perdido

Quando os olhos se perdem
nas luzes que ofuscam
no desempenho dos outros
no fora de aqui

quando o pensamento
voando no tempo
em busca de nada
restos
migalhas
me põe pesado
triste perdido...

eu grito: BASTA!

abrandem olhos perdidos
ansiosos
deixem o sonho
as idas tão longe
voltem a mim

e tu pensamento
que vais ao passado
enganos e perdas
que triste que estranho
voltas a mim!

quem sofre sou eu
o riso não vem
o doce não vem

o próprio Universo
ao ver-me assim
cabisbaixo pesado
fugido
zangado comigo
não gosta de mim!

o mesmo mar outras as águas

O mar que me banhou
menino
é o mesmo mar
outras as águas

a felicidade que me beijou
menino
a mesma felicidade
outros os beijos

que ilusão que é
a marcação cerrada
dos anos
o julgamento exausto
do que foi
e do que é

ou do que foi
e já não é!

mais parecem vagas
de enganos
vêm e vão
vão e vêm
a aparência
sabe sempre a repetição

só mudam mesmo
as marcas
que o tempo deixa
no fluir obrigatório
da existência

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Livro "Mais poemas que vos deixo"

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