sexta-feira, junho 29, 2007

o bolo esgota

Não a vida não pode ser sempre isso
a espera do bolo bom
e doce
que há-de chegar dali daqui e de acolá

o bolo seca
o bolo existe em ficção
o bolo esgota
o bolo já tem dono

e o ar patético que põe nas nossas caras
a ansiedade também
põe-nos doentes
e esgota a paciência

porque a cidade é grande
a gente a comer é muita

e se não aceitamos a parte que nos cabe
e que a vida é assim
o humor desce
e tudo fica murcho

qual criança que espera um rebuçado
e só tem amargos de boca

menina rezando ou talvez não

No ecrã da televisão
pela noitinha
uma menina rezava
não sei o que dizia
porque à medida que falava
ou que rezava
não cheguei a perceber
tirava uma a uma com os dedinhos
mexendo nos botões
as pecinhas de roupa
que vestia
e de dentro da roupa saíam
os dotes todos que escondia

e ficou nua

não sou moralista nunca o fui
e tal programa longe de me ofender
trouxe inovação à minha mente
passei a imaginar perfeitamente
um político em comício rodeado de saiinhas
uma rodando mostrando as cuequinhas
outra dançando nua de uma para a outra banda

e porque não o político da oposição
ensaiar em comício ao lado
um sex-show?

que maneira inteligente
de pôr o povo feliz
de o poupar a discursos deprimentes
com números avulsos
essa poeira que justifica tachos cada vez mais fartos

porque meus senhores
pode não haver pão
saúde habitação
nem dinheiro pr'á reforma
mas enquanto se tiver olhos
com programas assim na televisão
e políticos a seguir a dose
ao menos não faltará animação
e sexo a substituir o pão

quarta-feira, junho 27, 2007

chamei-te flor

Chamei-te flor
senti amor
senti ciúmes
almocei contigo
fiz-te promessas
cantei contigo

toquei teus lábios
e quis beijá-los

descobri teus seios
e quis senti-los

o teu corpo era lindo
perdi-me nele

lembrei as vindimas da minha terra
porque sempre gostei delas

e a semelhança que vi
entre o provar do mosto
e o provar-te a ti
inebriado
tonto
feliz

tu és a vindima que já não tenho

quarta-feira, junho 20, 2007

poema com dedicatória


Na dança do sim e do não em que se fica
na dúvida que persiste em cada encontro
no amor que se dá e que se tira
(o medo de sofrer)
há uma dor que é mais forte que o amor
há um silêncio que mata
há palavras atiradas que magoam

para quê tantas lágrimas choradas
para quê este sonho inventado para durar
se se nasce e se morre em cada dia
se há fantasmas no meio em cada olhar

para quê estar vivo para morrer
para quê estar desperto e não te ver
para quê sentir amor e não te amar

a vida das palavras continua
hei-de escrever o que puder e o que souber
e se rasto de ti houver
nas águas dos oceanos
dos rios
dos lagos
nas estradas
nos outeiros
hei-de lá estar

porque... quem sabe(?)
tudo aconteceu sem eu esperar
tudo foi loucura e fantasia
tudo foi coração cheio de poemas

só depois saudade

talvez um dia a saudade morra
e tudo possa voltar a acontecer
quem sabe(?)

talvez na curva de um poema novo
inventado só para nós

holocausto interior e injusto

Pode dizer-se que é vil o amor que vive assim
pode fazer sofrer
matar também
mas que dizer de um desamor nascido para ficar sempre
ou para enlouquecer
e que eu vi crescer em mim noites sonâmbulas
pesadelos
desesperança o tempo todo
criança de mim nascida para a culpa dos outros

só podes ser o prémio que tenho pelos danos
do tempo todo noite negra que passei
das marcas que ficaram e que não sararam mais
do holocausto interior e injusto
que ainda guardo

e se fores o prémio que pareces ser
(calmaria em tanta crueldade)
Deus existe tenho a certeza disso
porque não é comum uma sorte assim
porque a vida finalmente se lembrou de mim

Deus não quis que um dia eu partisse
com uma ideia de amor só inventada
fabricada
com uma cara triste num coração tão lindo

quis mostrar-me o amor
dar-mo a provar
e que ao menos uma vez
eu sentisse o coração sorrir no sítio certo

quadras com pouca rima

Tenho o que sempre quis
mais do que alguma vez sonhei
mas a tristeza que sinto
é maior do que era dantes

sem perceber bem porquê
deixo andar e vou vivendo
não compreendo o que sinto
nem sinto o que vou vivendo

sei que a vida não pára
e o tempo vai-se encurtando
que mudança hei-de fazer
para me agradar o que tenho

e há sempre uma ansiedade
uma dor que me consome
não nasci para ter tanto
farta-me tanta fartura

esse mal não é só meu
antes de ter queremos ter
depois temos já não queremos
ou queremos e não sabemos

apaixonado

Exagerei na medida em que te dei
devia dar-te menos
dei-te mais

exagerei nas promessas
nos sentimentos
nas lágrimas

os momentos a que chamei eternos
e que passei contigo
acho-os hoje tão banais
tão ridículos
que só podem ter sido obra de alguém
que se perdia em cada dia
e não sabia

que via em ti o que ninguém via
que gritava impossíveis só para te agradar
que cometeu a loucura de se apaixonar

descobri a tempo que eras como a trovoadas
(rápidas demolidoras traiçoeiras)
e sem saber como nem quando
pude a tempo recuar
antes de ser a tua próxima vítima

segunda-feira, junho 18, 2007

tempo de poupar(?)

Poupar é bom
saber lidar com o orçamento que se tem
é sensato equilibrar
o que há para gastar

porém o tempo de ser sério
rico honrado
com dinheiro poupado
já lá vai

homem que se fique
e não arrisque
que não saia dos limites
a que a vida de exemplar contenção leva

arrisca-se a ver os outros
pouco poupados
quiçá nada honrados
a viajar andar de jipe
de iate de avião particular
enriquecer viver

botar figura
com honrarias mediáticas
de primeira página

e o próprio muito honrado
elogiado
mas arredado
de maiores cometimentos

ficar com alguma admiração
ás vezes símbolo moral
para os politiqueiros
quando em tempo de eleição

só que embora bom sujeito
elogiado gabado por isso
disso não tem grande proveito

violências diferentes

Um miúdo na minha escola
aprendia como podia
só que a porrada que levava
e o medo que sentia
esgotavam um corpo tísico
uns olhos assustados
em dores de barriga diarreia
xi xi pernas abaixo em consequência

frágil franzino
pouco colo pouco mimo
um pedaço de menino
que recordo agora
entre a violência do ensino
e a violência da vida

foi a indiferença extremo oposto
de um bairro chique de Lisboa
menino carregado de holofotes
brinquedos caros protecção de sobra
que fez recordar aquele menino da minha escola

menino chique de Lisboa
igualmente triste extremo oposto
sem amigos para crescer
nem porrada para aprender
que para sentir que existe
vai ensaiando enfadado
de brinquedos rodeado
nos papás uns pontapés

curiosamente a mesma violência
no menino pobre de então
e no menino chique de agora

pois se porrada é violência
que dói que se farta e deixa marcas

o parqueamento da criança
o endeusamento da indiferença
na abundância
em bairro chique de Lisboa

isola enlouquece mata

sexta-feira, junho 15, 2007

Ti Porfírio e o transexual

Ti Porfírio de Soutosa
já fez tudo o que devia

foi aluno da primária
ouviu missas e sermões
já foi moço de recados
fez serviço militar
onde um bom desempenho
levou um senhor coronel
homem lá da terra dele
a metê-lo na polícia

foi também o coronel
padrinho de casamento

teve filhos que criou
folha limpa exemplar
agora aposentado
conseguiu mesmo juntar
pé de meia na Pontinha
onde é dono de um andar
alugado a uma vizinha
e da loja da esquina
onde funciona um bar

filhos já na vida deles
a mulher mais na da filha
Ti Porfírio um dia destes
lendo o jornal enfadado
muito só abandonado
resolveu entusiasmado
que seria desta
que mudaria seu fado

viu nesse mesmo jornal
um anúncio atrevido
de uma menina com foto
a que ele respondeu pronto

rebolou-se de contente
e marcou logo com ela
uma noite de folia

só que chegado ao local
a que o levara o anzol
peixe pouco habituado
a nadar por esse mar
logo se viu enganado

já debaixo dos lençóis
Ti Porfírio constatava
que o seu corpo se abraçava
não à menina esperada
mas a um transexual

dinâmica da razão

É estática a razão
se só virmos o seu lado estático

mudam os tempos
muda o sentido de cada afirmação
numa dinâmica imparável
de um mundo em evolução

pensar razão de outro tempo
dá a comparação
entre o que era e já não é
daí a necessária afinação

manter um sentido para a vida
é uma coisa
algo continuado sustentado
um ideal uma orientação básica
que dê segurança

é assim como quem poisa
uma mão forte num leme
que não só dá jeito
como pode dar proveito
e rumo

mas encalhar de borla
a cem por cento
em barco razão de outro tempo
sem questionar afinar
modernizar
tenho para mim que no mínimo
é burrice desatenção

quinta-feira, junho 14, 2007

o tgv o aeroporto o dez de junho


É sempre mau
há sempre quem se encolha
quando neste país o sonho tem dimensão grande

é coisa demais logo se diz
apequenamos
criticamos receamos amaldiçoamos

ficamos tolos
maldizentes
as coisas que dizemos
de quem ousa de quem quer

enfermamos de males de mesquinhez
quando o que se quer é avançar
sair da pequenez
a que o retardar de tantos anos
nos levou

estranho povo grande
que gosta de chorar gemer
desanimar
antes mesmo de tentar

e o tempo que se perde
com os que não querem avançar
que se assustam quando surge
uma avalanche força que não pára
que não dá para travar

é por entre olhares desconfiados
palavras duras de caciques
escaramuças acesas à mudança
que a obra enfim irrompe

ainda bem que o futuro mostra sempre
que o que deslumbra mesmo
é a obra grande
o valor que temos
a ousadia de que somos capazes

e quando a obra enfim se cumpre
é vê-la admirada pelo futuro e pelo mundo

cumpra-se pois um Portugal sem medo
e que os oceanos e as vidas que ceifaram
quando os transpusemos
os feitos que trouxeram
sejam exemplo
para outros feitos á nossa medida

GRANDES

calem-se de vez os velhos do Restelo
calem-se os cínicos os provincianos
para que Portugal se cumpra
de vez

atrofiei em discussão

Numa conversa que hoje tive
a certa altura entupi
na minha frente
uma boca aberta em som de grito
esgrimia palavras argumentos
crescia para mim

de tal maneira aumentava
argumentava encurralava
esmagava
que perdi a noção do rosto
do corpo do sítio onde estava

nem me lembro do que se passou a seguir
de tal maneira atrofiei
e em não sei quantas rotações
desenrasquei a situação

afinal a vida desenrasca sempre as situações

quando vim a mim
sentado e bem no meu sofá
lembrei o que se passou ali
o desgaste inútil da situação
a troca azeda de palavras
como em tantas discussões
que se vêem por aí até nas televisões

mas em vez de ficar preocupado
com a falta de argumentos estéreis necessários
que então me deixariam menos derrotado

não

pensei num sorriso de que gosto muito
descontraí mais e mais no meu sofá
e ri…ri…ri…

ditadores não muito obrigado

Ser determinado é uma coisa
ser inflexível carrancudo
monco
outra

cerrar os dentes é bom
para assustar ameaçar com represálias
põe inimigos até amigos em sentido
muita tensão boca cerrada

só que bocas cerradas tensas
assustadoras assustadas
metem pena
sem nada que as faça desabrochar
abrir sorrir

espalhar depois um pouco a abertura
o prazer que é sorrir viver
ser livre
conviver
jogar dançar amar

encontrar amigos e combinar coisas com eles
ter sonhos e sonhar

e sonhar não é ser mais pequeno
mais carrancudo
mais aspecto pobre ou carne para canhão
isso para mim senhores
é pesadelo

ser determinado é uma coisa
ser inflexível carrancudo
monco
outra

nada justifica um homem
uma razão
identificada a sofrimento
de um povo isolado alienado
triste
que em vez de o tirar dessa tristeza
se alimenta dela

sábado, junho 09, 2007

pessoas e automóveis

É interessante comparar a velocidade
a diferença de andamento
o formato dos corpos com a idade

tal como os automóveis na avenida
o mesmo se passa com as pessoas nos passeios
diferente a cilindrada
a estabilidade
a força no arranque
também na ultrapassagem

ali um fica parado
em avaria
motor andado se calhar mal assistido
o desgaste consumado

ao local chega um reboque
que o leva à oficina
depois é esperar o veredicto

se há ou não retorno à estrada

é em casos como este
em que somos obrigados a parar
que vale a pena perguntar
enquanto se anda bem
e se tem força que se farta

se a velocidade é importante
a cilindrada
a barriga cheia de prosápia

que importa afinal a velocidade
o arranque rápido no semáforo
o passo apressado com tanto stress

se com tanta velocidade
com que andamos
aceleramos
nem sobra tempo para gozar o espaço próximo

interior e sensações

O meu peito está cheio de amor
ombro direito coluna estômago
respiram
o peito abre em ar
alarga pelos braços

mais em baixo na bexiga
nos rins na zona pélvica
canta o interior
como se as partes todas conversassem
e para além de uma necessária atenção exterior
se confirmasse
a indispensável atenção ao interior

assim um banho energético
puxando nadando em oxigénio

como se se confirmasse
que paz e amor estão associados
a ar
a atenção
e o ser centrado em inundação de luz
fosse a prova provada que as sensações
são muito mais que orgasmos físicos
e outros exibicionismos

feitos mais para mostrar serviço aos amigos
e fazer do exterior
a carapaça mais maravilhosamente plástica
fraudulenta que impingimos

porque não há exterior que valha
em sentimento
sem as sensações profundas do interior

domingo, junho 03, 2007

herdamos muita tradição

Herdamos muita tradição
fazes assim assim não fazes
vai por ali por ali não
e tudo vira “déjà vu” obrigação

aceitável o esforço de cada geração
na censura que faz
ao que também faz
e não transmite

a rebeldia nasce aí
experimentar o que ninguém ensina

mas logo termina
quando o não se faz
o é proibido vem ao de cima
e é o “rebelde” quem ensina

e volta a mesma sina

o rebelde cresce
fica pai avô e só atina
a transmitir o que é consensual
no sítio cultural em que se insere
e que não levanta muito pó

os bons costumes a moral
são a fachada
o resto que se faz mas não se diz
fica na consciência
dá cabo dos nervos da paciência
porque há muito que se cala
e não se exprime

se eu dissesse o que faço
e que “não se faz”
se eu fizesse o que apetece
e o dissesse
se eu dissesse o que "se não diz"

melhor ficar calado escondidinho
para não acabar sozinho

mas com tanta contenção
ganha-se em esforço aceitação social
perde-se em descoberta
felicidade pessoal que a vida pede

palavras e caminho

Pousada levada abandonada
deixo ir a mão
escrevendo palavras num papel
uma distância descoberta que percorro
desenhando contornos
compondo a acentuação

enfrentando os espaços intervalo
ás vezes descansando a mão
quando a ideia falta
ou quando o cotovelo perde apoio
e dificulta a posição

escrever é semelhante a caminhar

se contasse a distância percorrida
com as palavras
se contasse em medida
os contornos das letras todas
desdobrados estendidos
como se de uma linha recta se tratasse
e depois a esticasse
num espaço geográfico

que surpresa curiosa que seria
conhecer a distância percorrida
no desenho das letras das palavras

significaria alguma coisa a medida encontrada(?)
seria a distância entre mim e qualquer lado
algum ponto alguém
que deveria saber e não sei(?)

ou nada significa nada
e tudo o que fazemos
são apenas maneiras engenhosas que arranjamos
no espaço que nos cabe
no que inventamos
no que sonhamos
para só nos iludirmos
e matarmos o tempo que resta(?)

estava triste atendo o telefone

Estava triste atendo o telefone
arrastado para ele em torpor desesperança
naquele aspecto que se tem
quando se está seco sem nada que apeteça fazer
nem mesmo ligar a televisão

em acto desesperado
de ter que fazer qualquer coisa
que mais não seja carregar num botão

quando atendo
a mão levada a atender sem convicção
no ouvido incrédulo
uma voz falou
e tudo mudou

saí da postura desencanto em que estava

a boca do estômago apertada
fica solta aliviada

ruboriza a pele
o sangue já circula
as entranhas gritam

a garganta canaliza
a voz que fala no ouvido
à festa interior do corpo
que se estende à zona pélvica
ao entender da vida

muda a cor em tudo
na luz de dentro e na que entra pela janela
até na cor das próprias cores

eu ainda estático segurando o telefone

a querer e não querer acreditar
naquela voz
na esperança que traz
uma palavra calor
amor

que nos estende a mão
à beira do pântano

sexta-feira, junho 01, 2007

jogador de cartas

Perdi um ás
onze pontos na sueca
outro morreu encarquilhou
mais onze pontos de outro ás

tantas cartas boas valiosas
que perdi

que falta que me fazem
essas cartas
outras nem tanto

são os duques são as quinas
tudo palha como na gíria se diz
também contam para as contas do baralho
porque sem elas
fica incompleto
mais pequeno

só que dói mais
quando são ases ou manilhas
reis valetes damas

aí o jogo fica sério
ganhar fica difícil

mas bom jogador não desanima
há que jogar até ao último duque
a última quina

pois o que conta mesmo
é a verdade dos trunfos que temos
não a dos que já perdemos

até pode ser que um baralho
com uma só carta
nos confunda menos

nos dê tanto como as cartas todas
pondo mais amor na carta que temos
por ser a última que resta
para jogar

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...