quarta-feira, maio 09, 2007

pedinchice organizada

Um velhote na mesa habitual
matava o tempo folheava um jornal
caía alguma chuva miudinha
a Primavera parecia Outono em início de estação
a diferença estava na folhagem
na abundância das flores
se não podia ser Outubro em vez de Abril

o clima mudou muito ouve-se dizer
não se sabe quando chove ou quando não
ou se vem frio ou se não
a moldura humana mudou também
muita gente que sai
muita gente que vem

fixei-me no velhote
que tentava em precária audição
ouvir o que uma miúda em pé dizia
dei atenção
porque parecia haver motivo para dar

e reparei
que a rapariguinha fazia
boquinha beicinho de quem sofre
tudo para convencer o velhote
a dar-lhe a esmola que pedia

português andado coração mole
a uns olhos de menina pobre
não se nega uma moeda
muito menos com a consciência abalada
por frequentar lustrosa explanada

atrapalhado buscando entre as calças e o casaco
lá encontrou o que queria
e em sorriso babado
estendeu a esmola à menina que aguardava
de pé segurando a tristeza quanto podia

foi então que olhei mais adiante
confirmei o que suspeitava
aparecendo e desaparecendo na distância
andava alguém
que poderia ser ou não a sua mãe

e era esse alguém quem orientava
controlava seguramente treinava
a menina
em pedinchice organizada

soube depois que era assim como pensava
uma pedinchice organizada
que havia horas
dias bairros quarteirões
que havia alvos
vítimas almas caridosas
como aquele velhote dessa hora desse dia

a mãe mulher que se via e desandava
era a mestra suporte psicológico
que explorava
tão macabra negociata

ali bem na minha frente
gente que vem gente que sai
chuva que vem chuva que vai
tanta mudança ultimamente
no clima e na gente

na forma de safar a vida também

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