sábado, novembro 06, 2010

FRONTEIRA DE VILAR FORMOSO


Não não é título de livro;) não podem publicar-se livros todos os dias... casa mais arrumada, agora é tempo de retomar a criatividade. É título de poema!
Para os mais novos uma verdade que por certo já não conheceram. Por favor, leiam!
Para os menos novos, uma verdade dos anos 60 que vale a pena re(lembrar) para evitar equívocos maiores nos juízos de valor sobre realidades de hoje.

FRONTEIRA DE VILAR FORMOSO

Agora entendo o sítio berço onde nasci
e porque lá nasci
pedras urzes muito tédio
atraso enxada arado e rebanhos
muito o suor poucos os ganhos
em trabalho sol a sol

um presente sem porvir ali
trocava-se tudo por um caminho de França
chão família amigos
também os cães da altura
abutres canibais
que faziam do país o que era então

um estéril chão
triste acabrunhado
pides passadores famintos trabalhadores
levados como gado e despejados
nos esgotos de Paris
nos bidonvilles
bravos portugueses despojados
rotos de roupa
botelha sem vinho
boca sem naco de toucinho

nasci por ali Vilar Formoso
fronteira de Deus e do diabo
trem solitário mãos saudade
que tão tristes iam

emigração clandestina a salto
dos tais vigaristas passadores
que tiravam a pele o osso
todos os vinténs a trabalhadores angariados

a diferença que havia logo ali
raia de Espanha desolada e fria
do lado de lá e do lado de cá

uma estrada larga rica grosso asfalto
do lado de lá
a contrastar com a estradita estreita pobre
pintada de negro esburacada
a fingir que era asfaltada
do lado de cá

não condeno os abutres canibais
os que bem se governavam
no quanto pior melhor
eram do regime tosco maltrapilha
os labregos de fato e de chapéu
que exploravam do povo seu suor

condeno sim os que viam vergonha em tal atraso
(e viam bem porque doía)
acharem hoje nosso progresso modernice
um exagero destemperança

amplas rodovias
fronteiras desaparecendo
mais igual em tudo o cá e o lá
gente livre que sai que vai que vem que passa
sem policiais vigaristas aproveitadores
do país com medo de outro tempo

tempo e atraso de que só pode gostar
um saudosista louco
um triste um mentecapto
alguém que por zangado e frustrado
nem consegue distinguir deus e o diabo

nasci por ali ainda bem
hei-de contar o que então vi e o que ora vejo
hei-de lembrar memórias que não esqueci
de um país salazarento sórdido doente
um intervalo Portugal adiado
hoje aqui meu país de Abril
moderno livre aberto e atraente

país que enfim retoma
o caminho o sonho a aura a glória
que a história lhe confiara dantes

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