
Fui guardador de frutos
em árvores em videiras em arbustos
os pássaros eram então o inimigo
a escorraçar
o calor aquecia na Beira Interior
junto á raia de Espanha
eu sentava-me sozinho a vigiar
numa laje de granito inclinada
onde me entretinha a brincar
em cima de galhos de giestas
de cima a baixo a escorregar
ao meu lado sem qualquer pudor
passeavam lagartos lagartixas
e a minha atenção andava
entre o medo de guardar
e o medo de ali estar
ao longe sentia ténue companhia
que a brisa morna trazia
vozes de gente sons de aves
que ouvia
rolas cotovias e pardais
melros popas estorninhos
e tantos mais
sei agora o quão perto estava
de Castela
o quão longe havia
para lá daquele lugar
em que crescia
aprendia no campo os meus primeiros passos
o mérito da terra em dar sustento
o perigo de viver entre ameaças
de cães enormes cuidando de rebanhos
de lobos de milhafres
de nojentos bichos rastejantes
aprendia o desafio da vida
que sempre senti difícil
e breve
em redor da missa do sermão da catequese
do cemitério
um círculo fechado
sem qualquer mobilidade
de saída ou de chegada
nascia-se e morria-se ali
na azáfama diária
no linguarejar de mágoas
das soalheiras abrigadas
e entre o nascer e o morrer
havia …
o baptizado o casamento
umas quantas missas e mazelas
uma vida de trabalho e de canseira
sem se vislumbrar grande proveito