Nosso comentário:
Com a ajuda de uma breve apresentação, com base em dados da Wikipédia, apresento-lhes alguém que dispensa apresentação:
José Gil foi considerado pelo semanário francês Le Nouvel Observateur, um dos 25 grandes pensadores do mundo.
-Em vésperas de eleições deixo este texto para reflexão de todos. Vale a pena ler um texto de um português que muitos consideram dos maiores pensadores mundiais.
Fiquem bem
António Esperança Pereira
Texto de José Gil:
Há pelo menos uma década e meia está a ser planeada e
experimentada quer a nível do nosso país, quer na Europa e no mundo uma nova
ditadura - não tem armas, não tem aparência de assalto, não tem bombas, mas tem
terror e opressão e domesticação social e se deixarmos andar, é também um golpe
de estado e terá um só partido e um só governo - ditadura psicológica.
"Nunca uma situação se desenhou assim para o povo
português: não ter futuro, não ter perspectivas de vida social, cultural,
económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência
adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e
o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente. Temos apenas,
em nós e diante de nós, um buraco negro.
O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio
de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O
passado de nada serve e o futuro entupiu. O poder destrói o presente individual
e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas
inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou
retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de
investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos
ou reduzindo a zero o seu trabalho. O Governo utiliza as duas maneiras com a
sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com
horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stress,
depressões, patologias, border-line, enchem os gabinetes dos psiquiatras que os
acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de
impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente
de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens)
O presente não é uma dimensão abstracta do tempo, mas o que
permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro
e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam
irradiar no presente em múltiplas direcções. Tiraram-nos os meios desse
encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença
no presente do espaço público. Actualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se,
desaparecem enquanto seres sociais.
O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma
estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada
existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as
famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de
povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a
esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convívio. A solidariedade
efectiva não chega para retecer o laço social perdido. O Governo não só está a
desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil. Um
fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do
presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres,
estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas
as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse
mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu
próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei
de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me
transformar num ser espectral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente
e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.
Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas
de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se
ausentou toda a dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em
massa do povo português.
Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos,
paralisa-nos, desapropria-nos do nosso poder de acção. É este que
devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência
própria e o nosso país."