
Camioneta rançosa que nunca mais chegava
era longe o que se via com os olhos
tal o atraso que havia
no progresso ausente que faltava
nunca mais se via
o fundo da perigosa íngreme descida
nem se atingia
o alto escarpado do outeiro
tudo se fazia vagarosamente
ao ritmo que havia
naquele metro e meio estreito
cor de asfalto
para se dizer galhardamente
que era uma estrada
de alcatrão
mas não
era um caminho de cabras
tosca rodeira melhorada
cor das auto-vias da estranja
com que se enganava a população
vivia-se morria-se sem se ir longe
sem se alargar espaço
à aldeia pequenina
sem caminhos nem carros
nem luxos nem dinheiro
um ror de mágoas dir-se-ia
em circuito fechado
tal a vida se fazia
passo a passo devagar
no ai Jesus valha-me Deus
vida dura arrefecida igreja
sacristia padre sacristão
fiéis vós todos benza-os Deus
a enxada o cemitério em moldura
uma clandestina aventura
para o além-mar o longe
talvez para não mais voltar
povo triste em que cresci
xaile e lenço pão e côdea
de todo sem a graça de Deus
vacas arado fome guerra
entre o ficar e o dizer adeus
povo triste que a certa altura
hibernação
décadas sem sol nem sonho
saiu enfim da sepultura
do escuro do medonho
viu a luz que se escondia
dando assim o passo certo
o salto de gigante
após Abril Portugal desperto
paisagem humana desolada
botelha calças rotas sol a sol cavando
arando
por dez reis de pau mandado
um país fechado então
sem liberdade sem pão
sem presente sem tostão
na vinha ou na espiga
com pouco mais que toucinho na barriga
alcandorou-se em asas de fortuna
voou
gritou liberdade e libertou-se
avançou
para estar no mundo dos melhores
como merece
abram-se os olhos veja-se a fartura
que acontece
goste-se dela
mesmo os que teimam ignorá-la
antes que ela por zangada
por rejeitada
nos deixe outra vez
se vá embora
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