sexta-feira, julho 30, 2010

Catalunha e touradas


Na minha raiana madrugada
“olés faenas pasodobles”
foi sensação de primeira festa
Espanha perto
a festa brava fazendo os meus heróis
misturados de salero castanholas
bailaricos
aquele som que parecia tão maluco
mas que colava fulgor
desejo calor bastava ver dançar
em saias rodadas inclinadas
corpos de rosadas raparigas

drama festa encarnado sangue

aquele pó fino de estio alevantado
pelas bestas da feira de gado
pelo povo
eufórico em ebulição
que não poucas vezes nos cornos do touro
arriscava a vida
usando e abusando em tais dias
da animação

primeiros ídolos nos meus olhos
de menino
Trincheira Diamantino Manuel dos Santos
El Cordobez
Amadeu dos Anjos
este o maior no meu arregalado olhar
por ter sido dado à luz no mesmo lugar
que eu

imitava-os toureando amigos
rapaziada tonta pouca idade
um fazia de touro eu toureava
invertiam-se os papéis
e a brincadeira de pequenos heróis
nunca mais parava

eram tempos em que tudo servia de entretém
por pouco haver
a não ser espaço vago mocidade
e tempo a mais

espera de touros e tourada
aconteciam uma vez em cada ano
o resto eram enterros procissões
escola austera catequese
em sítio ermo isolado prenhe de fastio

por isso e só por isso quando então
acontecia festa brava
touros e tourada cavalos cavaleiros
alguns artistas
era o auge de uma vida quase nada

era assim um alevantar um grito
na pasmaceira da vidita

mudam-se os tempos mudam-se as vontades
também os contornos as inclinações
do pensamento
sobre heranças de outras gerações
e ainda bem

acaba de ser anunciada
a proibição de touros e touradas
na espanhola Catalunha
o que me deteve a respiração

li reli com atenção
por tal notícia vir do país
em que o toiro é rei
em ancestral divulgada encenação

em vez de ficar triste com a decisão
NÃO
fiquei contente
com a evolução

hoje a escolha é livre
e há muito que escolher
não tem que se sofrer
com estocada sangue e toiros
o que para muitos hoje
em vez de festa rija
é bárbara festa

mudam-se os tempos
mudam-se as propostas
há que comer-se mais do que se gosta

segunda-feira, julho 26, 2010

Momentos diferentes


Se há alturas em que tudo aparece
a brisa a manhã a encherem de alegria o peito
um olhar inconsequente que se atira
para a vida
deliciado cheio de magia e de enfeite
tudo encaixa perfeito
na oportunidade no convite
na ambição na execução

tudo é terra semeada tudo mexe
tudo é grão e nos consola
o sangue aquece ferve
o mundo sente vibra aplaude
há cores de aparência bonita
em toda a parte
tudo irrompe se pinta de euforia

outras há em que tudo desvanece
o que era desaparece
fica ilusão andada
nada aparece que fale ao coração
um vazio de notícia
de atenção
de possibilidade de concretização

como que um qualquer tufão
levou o pomar sua fartura
e onde se sentia prosperidade
deixou rasto de semi-morte
cinza fragilidade
terra sem fruto sem sorte

porque a dualidade acontece
e se reflecte fora e dentro
de nós
em fluxo permanente
é preciso entender o movimento
os altos e baixos
as mudanças de humor tão naturais

e porque nada é fixo
e nunca os momentos são iguais
há que saber lidar com isso

sábado, julho 24, 2010

Salto de gigante


Camioneta rançosa que nunca mais chegava
era longe o que se via com os olhos
tal o atraso que havia
no progresso ausente que faltava

nunca mais se via
o fundo da perigosa íngreme descida
nem se atingia
o alto escarpado do outeiro
tudo se fazia vagarosamente
ao ritmo que havia
naquele metro e meio estreito
cor de asfalto
para se dizer galhardamente
que era uma estrada
de alcatrão

mas não
era um caminho de cabras
tosca rodeira melhorada
cor das auto-vias da estranja
com que se enganava a população

vivia-se morria-se sem se ir longe
sem se alargar espaço
à aldeia pequenina
sem caminhos nem carros
nem luxos nem dinheiro

um ror de mágoas dir-se-ia
em circuito fechado
tal a vida se fazia
passo a passo devagar
no ai Jesus valha-me Deus
vida dura arrefecida igreja
sacristia padre sacristão
fiéis vós todos benza-os Deus

a enxada o cemitério em moldura
uma clandestina aventura
para o além-mar o longe
talvez para não mais voltar

povo triste em que cresci
xaile e lenço pão e côdea
de todo sem a graça de Deus
vacas arado fome guerra
entre o ficar e o dizer adeus

povo triste que a certa altura
hibernação
décadas sem sol nem sonho
saiu enfim da sepultura
do escuro do medonho
viu a luz que se escondia
dando assim o passo certo

o salto de gigante
após Abril Portugal desperto

paisagem humana desolada
botelha calças rotas sol a sol cavando
arando
por dez reis de pau mandado
um país fechado então
sem liberdade sem pão
sem presente sem tostão

na vinha ou na espiga
com pouco mais que toucinho na barriga

alcandorou-se em asas de fortuna
voou
gritou liberdade e libertou-se
avançou
para estar no mundo dos melhores
como merece

abram-se os olhos veja-se a fartura
que acontece
goste-se dela
mesmo os que teimam ignorá-la
antes que ela por zangada
por rejeitada
nos deixe outra vez
se vá embora

terça-feira, julho 20, 2010

Saldos


Saldos loja chamativa
todos os truques de marketing
aplicados
nos noves dos preços
para os artigos parecerem mais baratos
nas abaixadas percentagens
semeadas
em garrafais dosagens
divulgadas

uma onda concreta e abstracta
de gente
multidão que se atrapalha
que tropeça
magnética
deslumbrada em atitude gémea
nos ditos nos gestos
histérica

como nem tudo que luz é ouro
nem o que parece às vezes é
remexendo a mercadoria
mais em cima mais abaixo
mais a monte
mais rareada

ao céu felicidade consumismo
sonhado
depois tocado desbravado
segue-se
um mar morto ilusão
um cansaço depressão
que clama necessidade de pousio

nada se encontrou que se gostasse
enormes tamanhos
ou tipo short
que entravam na goela qual garrote
o mais bonito era xl
um moderno xxl
pouco o corpo em que acertasse

saldos ilusão uma confusão tal
que dali se sai mortinho
e com dinheiro gasto
um lufa lufa mental
bem fora do essencial

um vazio preenchido à toa
desta feita por lojas de Lisboa

sexta-feira, julho 16, 2010

Diferença


Custa lidar com a diferença
quando bate à porta
sociedades democráticas tolerantes
que suportam mal
um centímetro de mudança
no comportamento habitual
por pôr em causa a cassete tradicional

como eu digo é que é
como eu digo é que se faz
assim a vida encrua nossa carapaça
varra-se da vista a tiro à cacetada
o que é diferente

fico com náuseas só de ver tal gente
em meu jardim
que construí modal
com aprumo cultural
só para mim

fecho-me deste ambiente
“ruim”
fico em orgulho
no tradicional
ou desato à pancada nisto tudo
em desatino radical
e vou em frente?

o mundo avança meu amigo
e ficar em orgulho isolamento
com medo até da sombra do diferente
do que o tempo traz em novidade
tem muito de morte antecipada
de egoísmo sórdido
em onda complexada

acorda antes de preferência
vê a vida hoje
vê que há calças há calções
há chinelos alpergatas botas altas
helicópteros aviões
submarinos foguetões
tapadinhas e playboy
mais contidas mais devassas
múltiplas opções

que com cassete riscada
por estragada
por não sair do mesmo lugar
resistência obcecada

não deixa ecoar
as notas diferentes
cores de todos os cambiantes
sons profusos
de tão perfeita sinfonia
que acontece a cada dia

segunda-feira, julho 12, 2010

Actual desconhecido


Está tudo aí
o que pedes para estar
só que não existe
como queres

há estádios do ser mil vibrações
que se irradiam
atraem rejeitam
estão ou não com maturidade
afinação
para teres o que preferes

baralha toda esta afinação
porque não se entende
leva tempo a conseguir
traz desencanto desilusão
faz do momento de agir
um tropeção
e confunde-se tudo

serve o passado como escudo
o futuro como sonho
foge-se em imaginação
para o já andado ou o por vir
encontrando neles consolo
acolhimento
e o que lá se acha
é solidão isolamento
uma quimera sem existir

por se pensar erradamente
que se encontra o paraíso
num lugar inexistente
numa história andada
ou num conto de fadas
que há-de vir

abraça o desconhecido
que é tudo o que há
real a partir daqui
de mim de ti

é o momento que vem
que não se sabe qual é
mas esse é que é

o que está sempre a chegar

e com todos os sentidos
há que estar
no movimento universal
que é sempre actual

sexta-feira, julho 09, 2010

Corpo indómito


Coisas e loisas já intentadas
grandes as dificuldades
experimentadas
parecia na altura em que se davam
tão impossíveis
como ultrapassar tantos muros da vida
inadiáveis

da noite para o dia
do dia para a noite
desafios incontáveis
preço alto da sua ultrapassagem
doença guerra decisões familiares
outras de rotina
na viagem

parecia então ser árvore
de pequeno porte
puxa daqui puxa dali
tanto tufão soprando abanando
política religião tarefas escolares
ameaça quase permanente
á força física psíquica intelectual
vida crua nua
vendaval
sempre desafiando

os sois a nascerem a se porem
os olhos tantas vezes
a entristecerem

chegado aqui amigos de viagem
heróis como eu desta experiência
tenho para mim
que quem duro deu
aguentou persistiu continuou
tem razões de sobra para sentir
com um pouco de atenção
a perfeição do templo
morada máquina corpo
que o sustenta e em que se tem

tendo em conta as alergias
as dores de barriga
graus de dificuldade de todos os matizes
também as alegrias

dê-lhe os parabéns!

corpo único indómito triunfal
potente notável
um caudal de vida
suportando todo o eu
no bem no mal
antes e depois do cordão umbilical

domingo, julho 04, 2010

Manuel Alegre


Voz da liberdade
Argel
amarga juventude tantos anos
eu inquieto de insónias
futuro incerto
em terras de Pinhel

valia nessa altura
em país adiado
entregue a policiais
outros fardados
pides outros que tais
num regime botas e tamancos
provinciano velho

a voz da esperança
que chegava
jovem forte clara
para bem se ouvir
que um mundo novo melhor
estava por vir

era grande bálsamo tal esperança
na desesperança

ecoavam notícias novas
rádio clandestina
coisas que estavam a acontecer
no Portugal acorrentado
oficialmente mal informado

a voz da liberdade
era o reverso
da censura
da guerra estúpida sem nexo
estropiando
matando vidas

eu ouvia
ora me exaltava
ora entristecia
Abril por vir
noite beirã tão longa e fria

fixei o nome da voz
Manuel Alegre há tantos anos
num futuro por chegar
tão jovem eu era
que dele pouco sabia

sei hoje dele de mim da vida
mais do que então sabia

e ainda aqui estou
ainda aqui estamos
a cinzenta aldeia
virou cidade
as teias de aranha
ganharam rumo

o meu país
muito por força de ti
poema canção
ousadia voz
uma nova visão
vive em liberdade
AQUI

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...