quarta-feira, maio 26, 2010

Vida madrasta


Nem sempre se acerta
a vida é mesmo assim
encontro desencontro
alegria sem fim
tristeza certa

ali foi mal
tudo ao contrário
sonhos que pus
castelos que inventei
tinha força e ânimo
para virar tudo do avesso
em tudo me empenhei

num curto espaço de tempo
perdi o que edifiquei

vi céu e inferno ali
insisti desisti
mantive-me a custo em pé
para não cair
sobrevivi

vida madrasta ondas gigantes
eu tu nós a nau
um mar revolto
bruto imparável cego
que tantos danos faz

há os que não estavam lá
na luta adversa
ocorrência abrupta
que se safaram por esta
ou aquela razão
uns solidários com ela
outros não

com o mal de uns
outros se governam
tentam sua oportunidade
e a vida justa ou injusta
lava sempre a situação
como reza a história
e a tradição

vida não é prémio
nem castigo
nem cabe em juízos de valor
não me hei-de arrepender
da minha nau
da luta do arreganho
ante a adversidade

heróica imaginada
sofrida sentida amada

não hei-de deitar mão
de mim de ti de nós
das coisas que fizemos
que sonhámos juntos
sempre a somar
nunca a subtrair

só se perde e se morre
quando se desiste
e nada se faz

domingo, maio 23, 2010

Pobres e pedintes


O chão frio
pedinte estático
muito baixo por prostrado
mais baixo ainda
visto dele
pobre carcaça
mirando lá no alto
a gente apressada
citadina activa
que passa

vida e morte
lado a lado
como se do mesmo
se tratasse

imagem vulgar
de uma cidade qualquer
que significa
querer mais e não o ter
querer andar e não ter passos
querer agradecer
rezar
ser grato
e não haver de quê

tive este pensamento
triste
em assento baixo
quando descansava
ante grande movimento
de populaça
e esperava
fazendo tempo

ao pé de mim
naquela situação
eu pousado
em desconforto
bem no chão
muitas caras a andar
outras paradas…

estacionara
um corpo de mulher
que em saltos altos
quase me pisava

via-se pouco de onde me sentava
entalado que estava
entre um degrau
de escada
e o corpo que estacionara

mas percebia que o que via
subia subia subia

eu disfarçadamente
para ocupar o tempo
já se vê
seguia com os olhos
até onde podia
o monumento

leggis pretas meio grossas
umas flores
que não sei pelo escuro que fazia
em que jardim
cresciam

pouco mais se via

cautelosamente
naquela curiosidade tola
saloia
levantava
depois baixava
o olhar
não fosse quem passasse
e me visse assim
pensar
coisas sobre mim
de envergonhar

foi assim que estive
acanhado e pouco
pequenino e pobre
qual pedinte vulgar
de uma cidade qualquer
a ocupar o tempo
até a pessoa que esperava
chegar

quarta-feira, maio 19, 2010

Ego e Tempo


Ego
ego
ego
cansa-se o corpo
de ser máquina
contamina a alma
que não entende
o sem descanso
da matéria

Tempo
tempo
tempo
escrava a gente
só com pensamento
repetindo diariamente
quase tudo
matematicamente

domingo, maio 16, 2010

Saborear


Sentir é ver-te
com o corpo todo
haver um arrepio saboroso
uma dimensão cósmica interior
ruído brando
próximo do silêncio

importar-te para dentro
para o coração
ou para outro lugar meu
grande
que não sei onde fica

mas que para ir para lá
se vai pela coluna vertebral
que se ilumina
se firma
se incendeia
ao entrares

é inalar ar pelas narinas
ficar azul de oxigénio
paz na face brilho no olhar
o corpo a flutuar
sem peso nem espaço
nem forma
nem idade

estar e não estar
perceber tudo
sem ter que perceber
nem pedir nem dar
deixar acontecer

sentir é estar contigo
na tua beleza verdadeira
morar nela
saborear
saborear
saborear…

sexta-feira, maio 14, 2010

Papa imóvel


As pessoas querem respostas
as vilas as cidades
os países
inventários
breves entendíveis sérios
que respondam a necessidades

hoje fica estranho
com o saber que há
não fazer nada
ou fazer apenas
o que antes se ensinava
e se fazia

guardar no bolso
a possibilidade imensa
que se tem
fiel a preconceitos
ensinamentos de hierarquias
estáticas passadistas
fora de contexto

ao muito saber acumulado
há que somar
o saber acrescentado
há que agir
dar resposta adequada

se a terra gira
a gente tem que girar
com ela
deixar-se ir
no movimento

se tudo é um todo
é mais acertado evoluir
do que parar
ou pior que isso
regredir

instituições poderosas
de outra era
somem valores modernos
aos antigos
abram os olhos
olhem à volta em olhos
de hoje
que o que virem
quando os abrirem
pouco ou nada tem a ver
com o que pregam

por mais que valorize
meu primeiro rei
e sua espada
estou lúcido para entender
que sua grandeza agora
é história
que cada nova era exige
nova espada

se o grande rei
aparecesse aqui
de armadura e flecha
montado em alazão
enfrentando armas recentes
poderosas
inteligentes
armado em valentão

ficaria no mínimo
estranho caricato

como caricata fica
a postura
dogmática desadaptada
conservadora
da figura
do Papa

quarta-feira, maio 12, 2010

Ribatejana bonita


Rosto lisinho doce
um embalo de bebé cheirando a vida
luz do sol espelhada em seara loira
clareira dos meus olhos
fonte apetecida
onde se bebia água néctar mel açúcar
vinho

onde misturadas
caberiam flores bravias selvagens
dispersas agrestes
de todas as cores
um fio de rio
um sabor a férias a calor
a Estio

onde posso imaginar o prato encantado
dos meus anos
longínquo
mas nascente

bitoque em loiça de barro
carne fresca ardendo
por debaixo de um ovo estrelado
enfeitado de batatas fritas
estaladiças
espicaçando o nervo
do estudante de Coimbra

novato
inexperiente curioso tosco
incipiente
recém-chegado

já sabia muita coisa ali

que o mundo era enorme
bem maior que a terra onde nasci
que tinha prados vinhas e outeiros
que os caminhos subiam e desciam
e iam sempre dar a qualquer lado
que se andava de burro a pé
que havia trem
que havia ricos outros sem vintém

sabia também
que o longe ficava
para além do meu país
mas eram poucos os anos
dispersa a mente
muitos os receios
com tantos livros exercícios e exames

não sabia então
vir um dia a haver família
haver chiado haver Lisboa
concursos de beleza passerelles
um mundo de anos de permeio
empregos confusão
política greves
guerras
revolução

internet telemóveis dvds
hi5 twitter facebook
um mundo complexo em explosão
perdido achado disperso
real virtual
incerto

para só então te conhecer a ti

lezíria quente de papoilas
céu de Lisboa
um rio grande que te trouxe aqui
linda gaiata apetecida
rosto lisinho doce
um embalo de bebé cheirando a vida

segunda-feira, maio 10, 2010

Milhões e especuladores


Folheia-se o jornal
na área desportiva
supostamente a mais sadia
“cem milhões pelo Ronaldo
mais milhões pelo Di Maria”

do futebol ao ténis
basquetebol
ao hóquei futsal
ao andebol
a gente pasma
com tanto carcanhol

satisfaz-me ver assim
tanto dinheiro
pela felicidade que dá
ao mundo inteiro
não me satisfaz
fluir em tal desigualdade

para uns há
para outros não há
fosso fundo a separar
ricos e pobres
que é urgente encurtar

ainda por cima
e para mais arrepiar
o que mais deprime
noutras páginas do jornal
são os dos bancos
especuladores
alta finança

que ameaçam sem pudor
e com cagança
que se pobre
não poupar
pode ficar
rotinho
sem tamancos
com comida por fiar

porque eles
para o “sistema” funcionar
façam o que fizerem
altos lucros a roubar
alta ganância sem parar
têm impunemente
que continuar!

sábado, maio 08, 2010

mentalidade de pobre


Vive-se
como em mesa
de sala de jantar

alimento global
ali pousado
com comida curta
para partilhar
por tanto maralhal

muitos os comedores
a querer papar
alimento a escassear
embaraço desembaraço
timidez e despudor
saber comer
e não saber

para uns comida
a fartar
para outros
a faltar

mentalidade de pobre
tem que mudar

em vez de ficar
a protestar
à espera que alguém
o ajude a papar
ou que caia do céu
o sonho que tem…

que perda de tempo
bom Zé ninguém!

há que estudar
crescer pedalar
parar de chorar
subir em riqueza
sem tibieza

que ser Zé ninguém
não dá orgulho
nem jeito
nem pão
nem vintém!

quarta-feira, maio 05, 2010

Finança da caca


Quais euros?
às vezes nem tostões…
virava-se fato do avesso
tingiam-se usadas camisolas
para voltarem a ser novas

havia livro único nas escolas
o ditador de um lado
do outro o crucifixo
ainda o mapa do império
tudo obrigatório!

nascia-se vivia-se descalço
roto remendado
com botas couraçadas
brochas protectores
quais ferraduras de aço
cabelo bem curtinho
para tudo durar
e pouco se gastar

tempos de pobreza
há uns anos antes
caca nas ruas nos palheiros
gado arado estrume moscas
tudo arrecadado
misturado com pessoas

era parca a água canalizada
nem banho se tomava
e banheiros quem os tinha
eram toscos e caseiros
bacias feitas no lateiro
onde não cabia mais que o traseiro

nem água quente nem chuveiro
nem calor a aquentar a vida
pouca a luz a iluminar a noite
só frio mãos calejadas e frieiras
num horizonte quase nada
pobreza dificuldades
e canseiras

diz agora senhor engravatado
fino de finança
com acesso à politiquice
e governança
que crise actual
é por o país não estar como ele o quer
tal e qual como era dantes(?!)

pois se ele gosta
dos tempos de fome muita bosta
de andar roto descalcinho
sujo sem modernidades
sem dinheiro
nem liberdades
e como vive agora em democracia…

que deixe os luxos as mordomias
e siga o seu caminho
que recrie o ambiente desejado
paredes nuas frias feias
um Salazar um crucifixo
(aqui a culpa não é de Cristo)
um mapa do império
quiçá uma farda da MP
e outro lixo
e que não chateie a gente
porque queremos estar onde estamos
e andar para a frente.

domingo, maio 02, 2010

agências de ranking


Ai ai aqui d’el rei
soa-me a isto
quando vem lá das Américas
wall street topo de gama
preocupação estranha
pelo crescimento em fama
do suposto pobre

Portugal vestido de negro
mão estendida
imagem feita antiga
hoje denegrida
fora de contexto

bata-se no triste
no elo frágil
pensam eles assim
perfidamente

lembrei ditado popular
que sempre ouvi contar
“rico chora
estranha
quando vê pobre
de camisa lavada
cabeça levantada”

agências de ranking
americanas e suspeitas
porque Portugal é Europa
e para enfraquecê-la
há que feri-la nos flancos
nas zonas mais a jeito

pare-se o tgv o aeroporto
o desenvolvimento
“Pobre” rumo a mais conforto
causa no rico
desconforto

mas também o povo diz
“que é no baixar de calças
que o rabo mais se vê”
eu acrescento…

não desistas Povo Português!

se construíste castelos
dilataste impérios
e com o tempo os perdeste
por ficarem velhos
ultrapassados
não foi em vão que os fizeste

foi antes trunfo
cartada nobre que jogaste

faça-se agora o mesmo
apesar de ventos sem feição
que a obra quando avança
dá empenho confiança
esperança

e as vozes de trovão
os invejosos temerosos
depois de vê-la feita
hão-de render-se a ela
vivê-la

ou por razão estreita
caturrice por opção
morrerão
por já não entendê-la

sábado, maio 01, 2010

Grécia Atenas


Grécia berço cultura ocidental
em maus lençóis
Europa nossa sua
hesitante nua
no tratamento do seu mal

família unida que se preze
que acredite
que é união que faz a força
está pronta
vai logo lá nem hesita

falta se calhar
Europa
convicção
retocar a família principal
para não haver hesitação

não dá parecer amigo
solidário
só quando é para receber

quando não é…
o insulto é diário
um porque é estalinista
outro ali porque é nazi
outro além grande fascista
ou racista ou colonialista

tratamos mal Europa como má(!)
tudo o que é bom
está lá fora
do lado de lá

estará?

Europa a achincalhar suas potências
não dá
anda-se a brincar
em vez de unir as consciências

mundo de blocos fortes
América China Índia Brasil
Extremo oriente Médio oriente
Europa meu amor
meu continente
que queres tu?

ficar fraca sucumbindo
na má língua
débil como te querem os mais fortes
ou fortalecendo laços
unidos nas virtudes e defeitos?

Grécia berço cultural
do mundo ocidental
trânsito do ocidente
para oriente
em crise existencial
é disso a prova

Europa unida família principal
ou manta de retalhos
a soldo do exterior
comprada humilhada
convencida erradamente
de que só ela é ferida de pecado
original?

decidam-se europeus convictos
mundo do futuro
continente partilhado
há que mudar o leme
no apontar de dedo
dividir responsabilidades
de braço dado

se vacilardes…
fica tudo como dantes

manta de retalhos enfraquecida
agora sem impérios
presa fácil desunida
nas mãos dos novos predadores
da nova era

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...