sábado, março 29, 2008

as palavras da tua boca


As palavras da tua boca
ora atiram
ora tiram oxigénio
ângulos apertados gritos surdos
que nos incomodam tanto
nos avanços e recuos que enfrentamos

lutas tréguas
batalhas importantes
sons manifestações
quartos exaustos de solidão

que fome que há de colo bom
branquinha flor de amendoeira
naprons bordados pelas mãos de nossa mãe

depois o tempo que se esgota
nos teus lábios agradáveis ao falar
que eu de agradado
sinto só deles um silêncio rosado
movimento espelho de alma doce
que o meu coração sabe ler tão bem

quero-te tanto em superior entendimento
que em tanta impossibilidade
até me apetece ser reles
fraco
deitar-me na soleira da porta
no banco do jardim
para não parecer mal e estranhar-se
eu sair da boa educação

depois dizer-te sem papas na língua
com as palavras todas
feias porcas obscenas
o que realmente apetece dizer
e a boa educação não deixa

viagem fascinante

Este é o sítio onde moro onde sou
na forma exterior visível oficial
um corpo humano
do sexo masculino

foco nele a minha atenção
como um raio viajante
bem no seu interior

bebo a sensação
de abranger a minha forma
no todo assim compacto
que enraíza e se liga a um todo maior
silencioso arrebatador intacto

quanto maior a abrangência do interior
mais audível perceptível
qualquer movimento mínimo
do exterior

sentem-se sons desconhecidos
captam-se mais vozes
perto longe
pancadas secas curtas
grossas finas
portas persianas passos
o silvo do vento

até se conseguem entender de forma clara
os intervalos de silêncio
entre os sons diversos

estou inteirinho neste mundo
e ele em mim
neste momento/vida tão presente

em vez de ir às Maldivas
Punta cana
República Dominicana
fiquei no espaço onde normalmente estou

e que viagem fascinante
fiz aqui!

quarta-feira, março 19, 2008

oportunidade ao sentimento

Olho para ti
reajo sempre com respostas que aprendi
modelos anteriores
tenho um subtil entendimento disso
quando esbarro no muro invisível
que parte de mim para ti
e torna o acesso fácil tão difícil

sinto quando desligo
o consciente
num minúsculo intervalo
que é possível passá-lo
ir para o lado de lá

que é bem dentro de nós
que a separação mora
muralhas erguidas
pelo pensamento astuto
qual senhor absoluto

o repetir dizer obedecer
fazer assim como ele quer
traz só cansaço
desilusão doença
que afasta a possibilidade
de entender o entendimento maior de mim
de ti
em mim em ti
no todo energético
de que somos partes que se completam

pôr talvez o pensamento exausto
sofrimento
na caixa das ferramentas
e usá-lo só de quando em vez

dar uma oportunidade ao sentimento

domingo, março 16, 2008

neste mar de oxigénio

Nas coisas do amor não há linguagem
o calor o ardor
são alma coração entrelaçados
o corpo arfando respirando
fraquejando animando

aperta suspira rola desenrola
encaixa acelera
fecha abre respira
e não respira
sufoca morre para renascer
de seguida

ah meu deus
se isto durasse sempre
o enlace uno total fundo
esta união que se sente
e não se sente
que embala e que cola
que nos põe longe tão fora
de tão perto e dentro que estamos

se se pudesse ser náufrago assim
neste mar de oxigénio
de suspiro
alimento coração aberto
onde se está tão completo

se a mente não fosse necessária
para ganhar os tostões da vida
e com a sua inteligência
não atrapalhasse

sineta da aula difícil
ordem do chefe repetida
a anunciarem inexoravelmente o fim da festa

quinta-feira, março 13, 2008

o pensamento humano

Quem controla a lógica das coisas
é controlado pela lógica das coisas
tem dificuldade em ver além dela

pode ser útil para o desempenho
uma mente arrumada
cheia de argumentos
para levar o confronto
a toda a parte

à família
aos amigos
ao emprego
ao parlamento

mas já se sabe que a lógica é previsível
porque é lógica por definição
não leva a grande coisa de novo

como as formiguinhas
nos carreiros que pisamos

é só casa trabalho
trabalho casa
porque é assim a tradição delas
disciplina ancestral quem mais ordena

terá que o pensamento humano ser assim
dedução mais dedução
repetição
vira o disco e toca o mesmo?

modelo ultrapassado


Um modelo porque é modelo
não tem que ser modelo sempre
consome-se no tempo
fica ultrapassado
passa de moda

por isso que a aprendizagem feita
em outro tempo
tem que ser actualizada
porque o não é
a evolução dos conceitos
é tão lenta

velhos do Restelo
sempre amarrados a conceitos idos
a que juntam choro e pranto
em palavras deprimidas
ou exaltação alienada
de uma qualquer glória
ultrapassada

sobrevive-se assim
eu sei que sobrevive
mas é uma sobrevivência condenável
que fomenta a estagnação
que mata o progresso
da nação

deixem que se ouçam os tempos novos
o pensamento de hoje
a nova era

não há para isso
meus senhores
que esquecer boas memórias

fartamo-nos de semear

Fartamo-nos de semear
ali além acolá
a intenção é colher
a colheita é desigual

faz lembrar no futebol
uma equipa que luta
trabalha
tenta avançar rematar
mas o tempo passa
e a bola
não há meio de entrar

a outra quase não joga
limita-se a defender
uma jogada de ataque
talvez duas ou três
a bola entra uma vez
e basta para ganhar

justo injusto?

como no campo da bola
assim é com a sementeira
uns semeiam labutam
sol a sol rude canseira
e a colheita...
NADA

outros sem se esforçar
assim parece a quem vê
fartam-se de receber
nem há mãos para colher

justo injusto?

fica a pergunta no ar
para quem souber responder

bailarina elegante fugidia

Roda em abraço
som de um fado português
uma lágrima soltando-se
nem se sabe porquê
no calor partilhado

raiva saudade
longe perto pouco muito
liberta-se o melhor de nós
em rosto inclinado
no ombro ao lado

vida complicada
encaixada no embaraço dos limites
no fim da dança
que se quisera perdurasse

no impossível da mão
do olhar
que voa em nossa direcção
que se quer agarrar
e que o tempo por passar
esgota sempre

bailarina elegante fugidia
ilusão perfeita
que dura só enquanto o tempo quer
por estar sempre a passar

quisera eu mudar tudo de repente
não haveria fim do bom
limites de ti
na luz coração dos teus passos perfeitos

poesia música dança
energia perceptível
boa
para os corpos cujas almas incendeias
e os pões sem esforço em sintonia

domingo, março 09, 2008

raiva por sair

Passei à tua porta como combinado
tu não estavas
toquei uma vez à campaínha
toquei duas três nada bulia
o prédio enorme em zona florescente
com andaimes gruas obras gente
tudo ficou como eu estava
vazio morto

toquei uma quarta vez ainda
porque não tinha coragem
nem força
nem herança cultural
que me levasse a arrombar a porta
desisti assim de saber se estavas
ou se não estavas

desci no elevador e parecia
que lá fora
tudo estava suspenso
tenso
eu não via o movimento
nem o movimento me via a mim

subi uma pequena escadaria
que me levaria ao parque de estacionamento
"puta de vida"
pensava eu na raiva por sair
naqueles degraus enquanto subia

a desistência a rejeição a falta de rumo
um silêncio tamanho
que só se aguenta por educação
por decência
porque me ensinaram que é feio fazer tristes figuras

mas era tal a força tensa do silêncio
ao transpor os últimos degraus
que a natureza atenta não aguentou mais
e não aceitou a minha desistência
arranjou um forte vento
uma chuva intensa

o meu corpo nestas situações corre por reflexo
então correu
alcançando o parque depois o carro estacionado
o vento e a chuva fortes prenderam-me a atenção
retomei com a força dos elementos
o contacto com o movimento

já via gente que fugia
que corria
carros que passavam uma porta que batia
um guarda chuva esfarrapado
que voava

meio atordoado
liguei a ignição do carro bruscamente
e sem olhar para trás
entretido pela tempestade
retomei velozmente
o caminho que melhor conheço

sábado, março 08, 2008

quelha ou rua principal

Digo adeus à quelha de fugida
escondida
ao entender cada dificuldade como um fracasso
uma derrota

digo adeus aos nãos da rejeição
ao "não vale a pena" da vida
suposta repetição garantida

eu só não via o que queria ver
porque fugia

agora enfim eu digo basta
quero ver amar espiolhar
quero estar onde estiver a festa
danço rio desafio a possibilidade
porque tudo é possível
quando se perde o medo

faço da própria rejeição
uma proposta de lição

o meu lugar agora
é na rua principal
com desfile fanfarra
com um fato a condizer
onde há sempre que beber comer
onde a abundância mora

agora posso dizer
sobre a vida
que o sol quando nasce a ilumina
nós só temos que escolher
entre uma quelha escondida
ou ruas largas e abertas
onde jorra
toda a fartura da vida

mudança de fado

É mais fácil viver em choradinho
tem-se mais aceitação
há mais gente que nos fala
desenvolve nos outros aquela presunção
de ser melhor
de saber mais
de empertigar o peito e ter sempre solução

para quem se chora
ao invés de se chorar
porque não mudar?

ao lado da carência
tantas vezes necessária
trabalhe-se a independência!
nem só rei de barriga cheia
nem só Zé pacóvio com ela vazia

Zé pacóvio deixa o choradinho
a dependência
não vives com a barriga do teu rei
do teu vizinho
é da tua que tens que cuidar
e se quiseres evoluir avançar
tens que mudar

não é a esmola permanente
o choradinho
que te vai dar uma vida nova
prosperidade
mas sim sentires primeiro
que o teu fado
pode ser mudado

depois é só uma questão de querer
de ensaiar nova atitude
para um novo fado
que em vez de chorado
possa ser em corridinho

é violento viver contrariado

Sempre pensei que felicidade
liga bem com vocação
seja ela qual for

há que seguir o coração
o que dá mais ganas de fazer
porque se faz melhor e com prazer

é violento viver contrariado
carregar com um fardo adverso
só porque a orientação
vai quase sempre no sentido da razão
do dinheiro que se ganha
da segurança que se tem

pode ser opção em caso de dúvida
de falta de vocação

mas quando se está mesmo a ver
o que se gosta de ser
e se compara a alegria que dá
viver a trabalhar no que apetece
ao invés de um faz de conta qualquer
é abissal a diferença de equilíbrio que se tem

e peixe na água nada tão bem!

peças de um puzzle

Peças de um puzzle
encaixamos
consoante os empurrões
as modas da época
os sítios e as pessoas saídas na rifa

o esforço é constante
a imitação a procura
o andar com os olhos nos outros
para não destoar

há prémios castigos
vitórias derrotas

às vezes soçobramos
parece a última tentativa
a última possibilidade
de atinarmos

estamos tão longe de entender a vida
meras representações que somos
(palco drama comédia sonho)
depois quando cai o pano
e a noite volta

na falta de luz
as mesmas interrogações
sempre incompletos
no puzzle a que pertencemos

o que nos falta
para vivermos em pleno
o paraíso que temos?

quinta-feira, março 06, 2008

existir apenas

O coração transborda inflama-se
tudo o que existe em volta fica em sintonia
é possível acariciar as árvores quando passo
a paisagem a planura

percebem-se as cores perfeitas
que encontram os pintores
a exaltação da alma
que cantam os poetas

apetece dizer tudo e nada dizer

existir apenas
no cenário gigantesco
de tanta energia em sintonia

entende-se a diferença
pelo complemento que é estar nela
sentindo tudo diferente
e necessário
percebendo tudo
sem ser preciso saber grande coisa

os matizes feitos pelas sombras
os tamanhos diversos
os recantos
a pedrinha sossegada
o rochedo adormecido

o por do sol tranquilo
dando um sinal de paz e de que tudo está bem
no rasto laranja esfumando-se
quando se põe
no exemplo de esperança que é
quando diz até já
tranquilamente ao afastar-se

a cura desejada


Acredito que o nosso milagre exista por aí
um pouco de cura
destinada a cada mal
a todos os males

a ocupação certa o afecto a liberdade
o ideal pessoal

o problema está em achar
em descobrir
nas encruzilhadas
o milagre
as peças espalhadas
os lugares mais indicados
as pessoas ajustadas
o complemento vital de cada um

falta-nos o cheiro a intuição maior
o íman que atraia os bocadinhos todos
cuja falta a toda a hora nos incomoda

depois a razão e a tradição
também a moda
não ajudam nada
saímos pouco dos caminhos velhos
na jornada

e assim não achamos o milagre
dos bocadinhos todos
para a cura desejada

mais valia das palavras

Eu questionava muitas vezes
a valia das palavras

porque se por um lado as adorava
lendo-as ouvindo-as escrevendo-as
soletrando-as
outras havia
em que o meu sentimento era cansaço
discurso gasto
palavras mais palavras
e nada se avançava

há pouco tempo descobri
nova valia nas palavras
nova razão para gostar delas

reparei experimentei
que ao pôr algumas com o coração nos olhos
o resultado era surpreendente
comprovei que cada coração
exprime em cada olhar
o sentimento da palavra correspondente

ternura amor azul
outra qualquer cor
um acontecimento trágico
dor...

e qualquer pessoa atenta
um espelho na nossa frente
pode testemunhar
o que está escrito
num tal momento em nosso olhar

para além de as ler de as soletrar
de as escrever
aprendi este lado prático
das palavras
que pode entre outras coisas
ajudar
a melhorar o nosso humor

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Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...