domingo, agosto 26, 2007
memória a incomodar
manchas melancólicas
carregadas
quais nuvens trovoadas
espessas pesadas
que em alturas
tensas duvidosas
tombam mesmo água
pergunto então
aos meus olhos espelho coração
se vale a pena tombar lágrimas
sobre o que já passou
escuto em atenção
mas na hesitação de uma resposta
acabo por chorar
estremece-me a face
não sei se fico mais forte
se mais fraco
com este desabafo
sei que resisto
que tento não chorar
mas é nas lágrimas que encontro a resposta
memória aqui a incomodar
e que me faz chorar
deixo as lágrimas tombar
pois não vale a pena resistir
a esta memória por sarar
algo que doeu e ainda aparece
lentamente vou-me recompondo
tomo consciência do presente
onde estou e de que gosto
e serenamente a humidade do rosto
vai secando
com o sol do meu país quente em Agosto
gratidão ingratidão
já fui pai empregado e patrão
fui também revolucionário
engatatão
fui cobarde valentão
disse sim quando devia dizer não
e disse não quando devia dizer sim
vida encontro desencontro
gratidão ingratidão
para nós são todos sempre pouco
aquele dá pouco
o outro não dá
e o dedo encontra sempre
o acto responsável
a pessoa responsável
da vítima que somos
fora de nós
ai o ego sempre o ego!
nem nos passa pela cabeça
aceitarmos
que o falhanço que somos
ou que achamos que somos
tem quase sempre
o principal responsável
dentro de nós
entre amigos
e que não tenho
entre o que tenho e o que não tenho
por isso venho aqui
mas no final
quando o espectáculo termina
e cai o pano
saio daqui
na dúvida se há aqui
o que quero e que não tenho
entre o que tenho e o que não quero
segunda-feira, agosto 20, 2007
o peito e o relógio
os olhos fechando regalados
com o ar entrando pelas narinas
e o peito consolado
com o movimento ritmado
de tanta vida que se passa ali
centro-me aí
com toda a atenção
lugar pulmões e tanto coração
como quem em tamanho pequenino
se senta ali
numa cadeirinha
a vê-los funcionar
pulmões e coração
observo-os e é como comparar
num relógio o ponteiro dos minutos
e o ponteiro dos segundos
um mais calmo
distendido
a encher a esvaziar mais devagar
o outro mais inquieto
tic tac tic tac
sempre a pulsar
eu sentado na cadeirinha
a olhar e a pensar
um relógio pode parar
porque é fácil de arranjar
mas o peito se parasse
o sangue o ar
o que iria acontecer
sem ninguém para o consertar(?)
um hoje positivo
só é preciso percebê-lo
vê-lo e gostar
sentir gratidão em tão farto merecer
depois harmonizar
a crítica natural
o que se pode mudar
fazer melhor
sempre com a divisa positiva
tenho tanto quero mais
e acreditar
cada gesto mesmo tímido
desde que seja confiante
acrescenta qualidade ao mundo
e é vê-lo sempre mais
com o mais de toda a gente
a crença do eu do tu de toda a gente
na onda positiva
é o contrário do carpir o choradinho
tantas vezes repetido
sórdido sem sentido
lendo um pouco de história
bem que isto se comprova
nunca vi na evolução global
nenhum presente
em cada tempo
que não desse acrescentasse
mudança evolução ao passado antecedente
a novidade inova
muda
cada hoje a nascer é sempre novo
é o sonho de ontem feito realidade
em vez de resistência
pessimismo
o já gasto e medíocre choradinho
trabalhe-se o EU com eficiência
o ser positivo
abra-se-lhe a porta a toda a hora
quarta-feira, agosto 15, 2007
parlamento
um deputado desfiava um rosário de contas
rosário de desgraças já se vê
que adormecia o justo e o injusto
quem olhava para ele sentia dó
tão deprimido que estava e só
dava-se a desgraças comparadas
com mais números que palavras
a plateia fechava mais e mais os olhos
o deputado continuava a história
o silêncio no meio das contas
ajudava
a não entender nem ouvir nada
ao meu lado sentava-se um par de namorados
que como eu assistia ao debate
com profundo aborrecimento já se vê
e depois de passarem pelas brasas
depois de tentarem ouvir sem perceber
de tentarem o encosto e o desencosto
encontraram maneira de passar o tempo
sem passarem pela vergonha de sair
ele metendo a mão nas perninhas dela
ela metendo a sua nas perninhas dele
sem preparação nenhuma
sem números avulsos
o milagre do prazer acontecia
qual ilha tropical
no silêncio dos mortos
nem uma ideia sequer
a despertar a alma!
terça-feira, agosto 14, 2007
palavras de ocasião
Estou praticamente empacotado
silêncio nostalgia de porto de embarque
à minha volta ouço vozes quase surdas
extemporâneas
a contrastar com um sol que espreita lá fora
do lado de lá dos andaimes
do prédio em despedida
não estou contente nem triste
apenas estou
e estar é o contrário de não estar
assalta-me às vezes a ideia de partir
sair dos circuitos necessários
dos gestos obrigatórios
dos lugares cansados
mas se partisse
não saberia para onde ir
nem sei se aguentaria a caminhada
se partisse
talvez tivesse saudades deste porto deserto
deste sítio inóspito
onde apesar de tudo
estou
e tenho abrigo
por isso fico
mas fico também
porque tenho medo de partir
segunda-feira, agosto 13, 2007
sexo e modernidade
inquietação desmedida
que de repente acontecia
na vida de Afonso Guerra
funcionário de um banco
fora sempre admirado
pelas qualidades que tinha
só duas nódoas manchavam
a exemplar vida deste homem
os cigarros que fumava
e um copito que bebia
com a vida equilibrada
filhas já na casa delas
algo insólito acontecia
no aconchego de Afonso
o coiso ficou sem força
o sono logo alterado
pesadelos mais que muitos
de tal maneira cansado
que já nada apreciava
não sabia que fazer
pois se a mulher era sonsa
discreta no seu viver
nunca Afonso percebera
a vantagem da mulher
de não precisar de mostrar
o que o homem tem que ter
Afonso não aguentava
tanto mimo da mulher
sempre muito preocupada
aninhada em volta dele
o que só lhe agravava
o desespero que sentia
e foi muito às escondidas
que certo dia sem querer
um remédio descobrira
que ajudava a subir
o que nunca mais subira
foi a reviravolta total
nesta fase complicada
e a sonsa da mulher
toda gozada com a folga
nem podia acreditar
ele tomava um comprimido
e era um nunca mais parar
era tal o desempenho
renovada a alegria
que o director do banco
com tamanha eficiência
tanto vigor demonstrados
logo de mão beijada
lhe confiou a gerência
a mulher atordoada
coitada
aguentava como podia
tanta era a violência
do que agora experimentava
que em muito ultrapassava
o que a mãe lhe ensinara
e as telenovelas que via
e Afonso acelerava
ela quase enlouquecia
segunda-feira, agosto 06, 2007
Olhão em quadras ternas

a Faro eu quero ir
Algarve terra distante
Brancanes quero sentir
sob toda a realidade
em que assenta a minha vida
tu és uma raridade
meiga bonita querida
é tão terno o teu olhar
tão suave a tua voz
dá vontade de ficar
contigo olhando o mar
nunca fiz amor contigo
nem preciso de fazer
para encontrar abrigo
no teu corpo de mulher
basta-me um largo sorriso
um olá com suavidade
e logo sinto um aviso
de uma imensa felicidade
mulher
Eu sei que não
nem sempre a vida é gajas boas
nem sempre se diverte o corpo num bagaço
ou numa pipa de vinho
a vida dói
a guerra tira um braço
a doença leva quilos de saúde e cor
e traz cansaço
como foice aguçada em cada esquina
e o desalento
quase ocupa a parte grande do tempo
e desenham com trejeitos tremeliques
um corpo lindo de morrer
fresco como a horta em madrugada
quando sobre ele cai formosa e branca a geada
em contornos que deixam adivinhar
céu purgatório
fogo inferno
que nudez pouca para quem te quer ver toda
andar singelo perturbante
pernas esguias
num compasso que desafina qualquer sinfonia
o mais puritano dos paroquianos
que sem querer e ao lado da mulher
não deixa de visitar
os teus seios
o teu colo
o teu traseiro
nada que faça simultaneamente
tanto mal e tanto bem
obra de deus e do diabo
que um dia ao ver uma assim
apetitosa e bela
não se aguentou sem experimentar
e tremendo delicadamente
disse:
“perdoai meu Deus por amar esta mulher”
Rolando Toro (84.º aniversário)

alguém sonhou ousou implementou
que sensações e sentimentos
fossem retomados
que o racional o tem que ser
pudessem ter a contrapartida necessária
um ritual de festa
sabor a gente
em movimento e ninho reunidos
com ar rosado de alma confortada
o olhar que fica onde se fixa
sem ser preciso pedir nada
e com ele a emoção que anima o passo
na essência que volta
aos gestos reprimidos
esquecidos
dádiva vida abraço
e é ver a esperança renascida
no cuidar e ser cuidado
na emoção perto do sonho
bem diferente dos mitos ensinados
bem diferente dos hábitos incutidos
alguém sonhou tão simplesmente
que as pessoas não se ignorassem
se olhassem se tocassem
se dessem conta do sabor da VIDA
e a celebrassem
que percebessem dançando
o poema vivo que a vida é
estreiteza de horizontes
Caminho apertado via definida
de um lado silvas
do outro altos muros
propriedade privada proibida
a dureza das pedras milenares
de calçada romana
lembrando-me que posso tropeçar
na sua uniformidade
se não seguir atento obediente
assustado
que nos enxotam
com cães ladrando ameaçadores
atrás do arame farpado
que a utilidade das coisas passa
que não há protecção que vença a morte
e a liberdade ajuda tanto a usufruir
a partilha a felicidade
pitoresco
debruado em flor de amendoeiras
videiras oliveiras
com um rio que não é grande
mas que tem tanto amor no barulho que faz
ao deslizar
um caminho que podia ter amoras
outros frutos
aventura
que desemboca num rio pequenino e triste
porque ninguém gosta dele
nem querem saber dos horizontes grandes
aonde as suas águas pequeninas levam
vizinhos e caninos
Visto assim de longe
por quem desemboca a passo
num espaço grande
vindo de um beco estreito
o que se via
parecia um ajuntamento de cães
falar-se-ia de comício inauguração
era mesmo um cacho de caninos
e quanto maior a aproximação
mais conseguia ver o filme que rodava
ricos luxuosos
acorriam os vizinhos
uns com canzarrões
outros com modelos pequeninos
segurava pela mão com dificuldade
três desses exemplares
um senhor careca duas cadelas grandes
pela trela
uma jovem mãe em alvoroço
coitada
puxava um carrinho de bebe com uma mão
na outra segurava um canzarrão
cocó fresquinho bem na frente de montra chique
onde uma senhora
que olhava a montra em elevada compostura
se importunava com tanta porcaria
evitava pôr o olhar sobre o cocó que via
concentrando-se mais
no tamanho do pêlo que o cão tinha
escondendo como podia
o trejeito facial do nojo que sentia
percebi naquele espaço grande
ajardinado urbanizado
uma maneira nova de confraternização
que tiram aos vizinhos
motivos de conversação
ao menos ali naquela roda
sentia-se enorme animação
relação bizarra
que lês a vida qual telenovela
com heróis e sonhos
pesadelos também
uns dias viras anjo
amor candura
uma mão cheia de vida
outros não
envolta em devaneios
fantasias
quimeras de riqueza cinderela
já nem sei quem és
se puta
se mulher casada honesta
ou simplesmente uma criança
que não sabe o que quer
tu que não tens palavras finas
nem jeito para a cultura
chego ao pé de ti querendo afecto
talvez sexo
e só me dás assuntos complicados
deprimentes
que tu própria não entendes
nem são do teu agrado
ou fazes de mim parvo
ou és tu uma parvinha
afinal que queres de mi
atenção à tua cultura(?)
vou tentar
não ficarei tenso sem afecto
ou mesmo sexo
e se por acaso o que eu quero então vier
com tamanho frete
gritarei
viva a "cultura"
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