José Régio, Portugal
17 Set 1901 // 22 Dez 1969
Escritor/Poeta
17 Set 1901 // 22 Dez 1969
Escritor/Poeta
José Régio é o pseudónimo literário de José Maria dos Reis Pereira, nasceu em
Vila do Conde em 1901. Licenciado em Letras em Coimbra, ensinou durante mais de 30 anos no
Liceu de Portalegre. Foi um dos fundadores da revista "Presença", e o seu
principal animador. Romancista, dramaturgo, ensaísta e crítico, foi, no entanto, como
poeta. que primeiramente se impôs e a mais larga audiência depois atingiu. Com o livro
de estréia — "Poemas de Deus e do Diabo" (1925) — apresentou quase
todo o elenco dos temas que viria a desenvolver nas obras posteriores: os conflitos entre
Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da
frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da
sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmo.
Deixo abaixo o poema pelo qual José Régio é mais conhecido: "Cântico negro"
Cântico negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
Continuação de um ótimo fim de semana
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