domingo, dezembro 29, 2019

Herberto Helder, Poeta. No blog


Herberto Hélder de Oliveira (Funchal, São Pedro, 23 de novembro de 1930 – Cascais, Cascais, 23 de março de 2015 ) foi um poeta português, considerado o "maior poeta português da segunda metade do século XX" e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa. 
Partilho ao acaso três poemas do Autor.
Espero que gostem. 
Ah, e nem é preciso dizer que os poetas portugueses que tenho vindo a divulgar merecem uma visita bem demorada e detalhada. O que aqui fica (pouco mais que a identificação) é mesmo apenas um "cheirinho". 
Eles agradecem essa visita demorada e detalhada.


Aos amigos

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Como uma rosa no fundo da cabeça

Como uma rosa no fundo da cabeça,que maneira obscura
de morte.O perfume a sangue à volta da camisa
fria,a boca cheia de ar,a memória
ecoando como as vozes
de agora.Onde está sentada brilha de tantas
moléculas
vivas,tanto hidrogénio,tanta seda escorregadia dos ombros
para baixo.Toca eu
de onde rompe a rosa.uma criança
luciferina.A mãe fechava,
abria em torno a torrente dos átomos
sobre a cara.Aquilo que a estrangula dos pulmões
à garganta
é a rosa infundida.Leva um braço às costas,
suando,raiando
pelo sono fora.Está queimada onde lhe toca.Falaria alto
se o peso a enterrasse à altura das vozes.
Via a matéria radiosa de que é feito o mundo.
A língua doce de leite,
a mão direita na massa agre,o sexo banhado
no manancial secreto.
O dom que transtorna a criança ardente é leve como
a respiração,leve como
a agonia.
Uma rosa no fundo da cabeça.

O olhar é um pensamento

Tudo assalta tudo,e eu sou a imagem de tudo.
O dia roda o dorso e mostra as queimaduras,
a luz cambaleia,
a beleza é ameaçadora
-não posso escrever mais alto
transmitem-se,interiores,as formas.

in:Poesia Toda,1990

Fiquem bem,



quinta-feira, dezembro 26, 2019

Ary dos Santos, Poeta e declamador


Nasceu a 07 Dezembro 1937
(Lisboa)
Morreu em 18 Janeiro 1984
(Lisboa)
José Carlos Pereira Ary dos Santos foi um poeta e declamador português. Ficou na História da música portuguesa por ter escrito poemas de 4 canções vencedoras do Festival Eurovisão da Canção.




Poeta castrado não!


Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

ORIGINAL É O POETA

que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Fiquem bem,



sexta-feira, dezembro 20, 2019

António Botto, poeta, no blog


Poeta, contista e dramaturgo português. A sua obra mais popular, Canções, foi um marco na lírica portuguesa pela sua novidade e ousadia, ao abordar de modo subtil mas explícito o amor homossexual, causando grande escândalo e ultraje entre os meios reacionários da época. 
Amigo de Fernando Pessoa, que foi seu editor, defensor crítico e tradutor, conheceu igualmente outras figuras cimeiras das letras e artes portuguesas. Ostracizado em Portugal, radicou-se no Brasil em 1947, onde passou tempos muito difíceis, vindo a morrer de atropelamento. 
Partilho dois poemas do poeta. 


António Botto

Nome: António Tomás Botto

Nascimento: 17-8-1897, Casal de Concavada, Abrantes

Morte: 17-3-1959, Rio de Janeiro


Meus olhos que por alguém
Deram lágrimas sem fim
Já não choram por ninguém
- Basta que chorem por mim
Arrependidos e olhando
A vida como ela é,
Meus olhos vão conquistando
Mais fadiga e menos fé.
Mas se as coisas são assim,
Chorar alguém - que loucura!
- Basta que eu chore por mim.

Poema de António Botto gravado em disco por Teresa Silva Carvalho


António Botto

O que desejei às vezes 
Diante do teu olhar, 
Diante da tua boca! 

Quase que choro de pena 
Medindo aquela ansiedade 
Pela de hoje - que é tão pouca! 

Tão pouca que nem existe! 

De tudo quanto nós fomos, 
Apenas sei que sou triste. 


Fiquem bem,

Publicação em destaque

Livro "Mais poemas que vos deixo"

Breve comentário: Escrevo hoje apenas meia dúzia de palavras para partilhar a notícia com os estimados leitores do blogue, espalhados ...